O "Adorno" da
Mulher Cristã:
proibição ou privilégio?
Qual a legitimidade dos adornos femininos?1 Qual a expressão real da modéstia cristã? E o que isso tem a ver com a percepção daquilo que a Bíblia realmente ensina sobre a natureza, o propósito e especialmente o valor das mulheres cristãs — tanto as do passado quanto as do presente?
Ao pesquisarmos, verificamos que a interpretação dos textos pertinentes ao assunto tem sido, muitas vezes, afetada por pontos de vista preconcebidos, tanto pelos que aceitam quanto pelos que rejeitam adornos externos nas mulheres.
I. O DILEMA
Será que é
possível uma mulher usar adornos externos ou um pastor temente a Deus permitir
que as senhoras e moças da sua igreja se enfeitem sem ir de encontro às duas
passagens bíblicas citadas para proibir o uso de todos ou certos adornos? Elas
parecem ser tão claras e específicas!
1
Timóteo 2.9-10 diz: ... que as
mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou
pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às
mulheres que professam ser piedosas).
1
Pedro 3.3-6 declara: Não seja o adorno
das esposas o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro,
aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao
incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de
Deus. Pois foi assim, também, que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas
mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seus próprio maridos, como
fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe senhor, da qual vós vos
tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma.
Quantos dos
pastores que acatam os adornos femininos nos cultos podem dar uma explicação
clara sobre essa atitude às suas igrejas? Quantos de nós têm certeza absoluta
daquilo que estamos "aprovando," implicitamente, pelo uso? Ou estamos
abrigando "dúvidas" e ainda assim procedendo por causa de comodidade
ou vaidade? A Bíblia é clara quando diz que a falta de certeza sobre o nosso
comportamento indica que estamos pecando, embora estejamos fazendo algo que
talvez não seja pecaminoso em si (Rm 14.12, 22-23).
Existem
centenas e milhares de mulheres no Brasil e pelo mundo afora, que amam a Deus
de todo o coração, mas que sentem uma fisgada de desconforto e culpa quando
lêem essas passagens. Perguntam a si mesmas se estão sendo carnais, se estão
falhando na sua espiritualidade. Numa era em que seus maridos ou namorados
estão cercados de mulheres que combatem a celulite, a gordura, as rugas e os
cabelos brancos como inimigos mortais e na qual a humanidade valoriza
intensamente a aparência física, elas não conseguem evitar arrepios ao pensar
nas possíveis conseqüências de deixar de lado os próprios esforços em prol de
uma aparência agradável. A maioria chega à conclusão que ficariam sem condições
emocionais e sociais para continuar convivendo e trabalhando adequadamente nas
esferas onde Deus as colocou. Ao olhar ao redor de si, notam que nenhum líder
na sua igreja está advogando a abstenção dos adornos e cosméticos. Concluem que
essas pessoas devem ter entendimento mais apurado do assunto e continuam como
estão. Mas o sentimento de culpa continua, especialmente quando alguém lhes
aponta esses versículos e lhes conclama a uma auto-defesa.
Enquanto isso,
há outras tantas mulheres que realmente praticam a abstinência de qualquer
enfeite externo (dentro dos limites estipulados por suas igrejas). Tendo
entregue a vida a Deus, conseguem conviver relativamente bem com essa situação,
especialmente porque encontram um sistema de apoio mútuo dentro dos seus
círculos eclesiásticos. As suas vidas se entrelaçam quase inteiramente com o
seu lar e com a sua igreja e as atividades desta. Sofrem muito, entretanto,
quando tentam passar essas mesmas proibições às suas filhas que têm que
conviver diariamente com um mundo que se nega a dar-lhes valor e que ri da sua
falta de adornos e das suas roupas diferentes, nas escolas e nos empregos.
Filhas que sofrem e olham para outras mulheres cristãs que não se abstêm e
perguntam — "Porque elas podem, e eu não?" — e que são prontamente
admoestadas por sua falta de amor a Deus e exortadas com frases do tipo
"Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor,
essa será louvada" (Pv 31.30) ou "Nós não queremos que a nossa filha
seja confundida com uma Jezabel!"2
II. A Necessidade de Aprofundamento na Questão
É, portanto,
urgente que haja uma verificação mais aprofundada do significado e da
importância dos textos principais que se referem a esse assunto. É extremamente
relevante também porque o texto de 1 Timóteo está enraizado nas orientações
específicas de Paulo a respeito do comportamento de homens e mulheres nas
igrejas, especialmente na área de liderança. A outra determinação se encontra
em meio aos conselhos de Pedro, a ambos os sexos, sobre a vida no lar. Trata-se
de áreas extremamente polêmicas nas igrejas e no mundo em que vivemos porque
muitos têm chegado à conclusão de que esses versos eram condicionados a um
tempo que já passou e portanto não se aplicam aos dias de hoje.3 Como evitar o
desprezo de parte de uma passagem se nós mesmos não conseguimos explicar a
razão pela qual seguimos ou não seguimos a aparente instrução da outra parte?
Existe muita
confusão a respeito da autoridade masculina na igreja e no lar porque a
liderança masculina nas igrejas tem, vezes demais, se mostrado indiferente ao
valor, sentimentos e dons das mulheres com que convivem, deixando pouco ou
nenhum espaço para a sua expressão, inclusive na área dos adornos. Começando
pelos Pais da Igreja, passando por expoentes da Reforma e por grande número de
teólogos e comentaristas de renome, verificamos negligência e omissão em
algumas áreas do seu lidar com a metade feminina do povo de Deus.4 Em muitas
ocasiões, a legítima liderança amorosa masculina se deteriorou num domínio
arrogante e agressivo, baseado em pressuposições errôneas de superioridade.5 Se
tivessem sido mais compreensivos e dado igual atenção nos seus sermões e
escritos ao exemplo de Jesus quando lidava com as mulheres e às orientações de
Pedro (e de Paulo também – Ef 5.25-33; Cl 3.19) para os homens,6 a situação
atual talvez fosse bem diferente.
III. Preconceitos, Prescrições e Omissões
A. A Tendência Judaica
Os Pais da
Igreja não se desviaram da opinião judaica a respeito de mulheres, prevalecente
no período apostólico. Filo de Alexandria, um contemporâneo de Paulo e Pedro,
declarou:
…a
fêmea é imperfeita, sujeita, vista mais como o parceiro passivo do que o ativo.
E já que os elementos dos quais consistem a nossa alma são dois – a parte
racional e a parte irracional – a parte racional pertence ao sexo masculino,
sendo a herança de intelecto e razão; mas a
parte irracional pertence ao sexo feminino, e também os sentidos externos.
E a mente é em cada respeito superior ao sentido externo, como é o homem à
mulher."7
Na compilação
das tradições orais preservadas pelos judeus, os homens eram encorajados a
agradecer a Deus diariamente por não tê-los feito "nem gentio, nem mulher,
nem escravo."8 No templo em Jerusalém as senhoras não podiam passar do
átrio das mulheres,9 um isolamento até considerado natural pela maioria dos comentaristas,
mas que, na realidade, não existia no plano divino para o tabernáculo (1 Sm
1.9-10) e nem no primeiro templo (1 Cr 28.11,19; 1 Rs 5-8), refletindo tão
somente o preconceito do judaísmo. Paradoxalmente, os adornos parecem ter sido
amplamente utilizados nesse período.10
B. A Tendência Patrística
Não existe
registro de como os lideres das igrejas que receberam as cartas de Paulo e
Pedro interpretaram e aplicaram as suas palavras nos textos já mencionados. Mas
os Pais da Igreja dos séculos subseqüentes tornaram-se totalmente contrários ao
uso do adorno feminino. Tertuliano (160-220 DC) reclamou sobre as mocinhas:
"Elas consultam o espelho para ajudar a sua beleza, gastam a pele do rosto
de tanto lavar, tentando tornar o mesmo sedutor com cosméticos, arrogantemente
jogam uma capa por cima dos ombros, colocam seus apertados sapatinhos
multiformes e levam bem mais acessórios quando vão ao banho."11 Cipriano
(c. 250 DC) ensinou que "os adornos e as roupas vistosas e as seduções da
beleza pertencem apenas a prostitutas e mulheres desenvergonhadas, e a
vestimenta mais cara acompanha aquela cuja modéstia é a mais barata."12
Jerônimo (340-420 DC) perguntou: "Qual o lugar de ruge e chumbo branco no
rosto de uma senhora crista?… Servem apenas para inflamar as paixões dos homens
jovens, para estimular a lascívia e para indicar uma mente impura."13 Eram
homens de peso na história da igreja cristã — mas quase todos com tendências
ascéticas.
C. Nosso Propósito
Neste ensaio,
tentaremos estabelecer que Paulo e Pedro não
estavam proibindo o uso de adornos pelas mulheres, mas que, ao contrário,
eles estavam contrastando o legítimo adorno externo com algo bem mais valioso
– o adorno interno.
Verificaremos
de forma resumida e geral o que a igreja tem ensinado a respeito disso durante
os dois milênios que se passaram. Examinaremos os versos nos seus contextos
histórico, bíblico, teológico e textual. Ao mesmo tempo, procuraremos conhecer
um pouco melhor tanto as intenções dos apóstolos quanto a natureza das mulheres
da época, para podermos nos aproximar mais da sua realidade e então compará-la
à nossa situação atual.
IV. O CONTEXTO HISTÓRICO DAS PASSAGENS
As passagens
polêmicas fazem parte integral de duas cartas escritas pelos apóstolos Paulo e
Pedro no início dos anos 60 D.C.14 Paulo endereçou a sua carta ao seu filho na fé Timóteo, que se encontrava
na cidade de Éfeso supervisionando as
igrejas da Ásia,15 enquanto que os eleitos … forasteiros da Dispersão, no
Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia receberam os conselhos e
admoestações de Pedro (1 Pe 1.1), quase ao mesmo tempo. Em circulação entre
essas pessoas provavelmente já estavam as cartas de Paulo aos Gálatas, Efésios,
Colossenses e a Filemom, como também a carta de Tiago "às doze tribos que se encontram na Dispersão" (Tg 1.1).
A. O Império Romano
Nesse período,
na cidade de Roma (onde Paulo esteve e Pedro estava), o desequilibrado
imperador Nero (37-68 DC) manipulava o Império Romano. Existia uma sensação de
instabilidade muito grande.16 Apesar da existência de leis e de um sistema de
justiça tão bom que formou a base de muitos códigos civis da nossa atualidade,
sabia-se que a vida de um ser humano valia muito pouco para os
conquistadores.17 Outra evidência da degradação humana reinante podia ser vista
nos divertimentos oferecidos nas principais cidades do império, onde os romanos
haviam construído anfiteatros ou estádios. Eram violentos e brutais. Nos
combates entre feras, milhares de animais morriam anualmente. Mas o gosto pelo
derramamento de sangue se satisfazia mais terrivelmente ainda com a luta entre
gladiadores, onde prisioneiros de guerra, escravos e criminosos eram armados e
forçados a lutar até o fim. O vencido era morto.18
Em 64 DC,
haveria um incêndio enorme em Roma. Muitos responsabilizariam Nero. Ele, por
sua vez, acusaria os cristãos da cidade. Assim, a mando de Nero, apenas dois ou
três anos depois de Paulo e Pedro terem escrito essas cartas, muitos cristãos
seriam lançados às feras ou colocados, desarmados, para enfrentar gladiadores
diante de milhares de espectadores nos anfiteatros de Roma.19 Seria o início de
perseguições esporádicas pelo governo romano que durariam dois séculos e meio.
Diz a tradição que os dois apóstolos foram mortos durante as perseguições
neronianas.20
Na sociedade
romana sob a influência de Nero (e dos seus antecessores), havia uma constante
procura por excelência na qualidade e na estética, como também um interesse por
novidades. Sendo grande amante das artes, Nero dava grande valor às coisas e
pessoas bonitas. Nunca usava a mesma roupa duas vezes.21 Assim, a alta
sociedade da época se preocupava com a sua aparência ainda mais que as gerações
anteriores , e isto ocorria não somente na cidade de Roma mas em todo o
império. Os gostos e costumes das mulheres romanas tornaram-se
"chiques." Conhecer e satisfazer as tendências e as preferências
romanas era vital para todos aqueles na Ásia Menor que trabalhavam com o
comércio e também para aqueles que se destacavam na alta sociedade.
B. Ásia Menor
A província
romana da Ásia se encontrava na
enorme península denominada subseqüentemente como Ásia Menor, hoje conhecida
como Turquia. Ponto, Galácia, Capadócia e
Bitínia eram outras províncias romanas nessa mesma península. Juntamente
com a Ásia, abrangiam a quase totalidade da Ásia Menor, excetuando a área
costeira do sul.22
O fato pode
surpreender, mas a província da Ásia foi a parte mais próspera do Império
Romano durante os dois primeiros séculos da era cristã. Era a maior fonte da
riqueza de Roma e várias rotas de caravanas que traziam os tesouros do Oriente
(como algodão e seda) findavam na sua capital, Éfeso, centro político,
comercial e cultural da área.23 Militares e governantes eram enviados de Roma
até lá regularmente para manter as leis e a ordem, e também para supervisionar
o comércio. Alguns traziam as suas famílias.
Tanto a Ásia
quanto grande parte da Ásia Menor daquele período (especialmente no litoral)
gozavam de um passado e presente cultural do mais alto nível. Para dizer a
verdade, esse não seria igualado novamente no mundo ocidental até a renascença
européia dos séculos XV e XVI.24 Apesar de já estar sob domínio romano por
quase dois séculos (desde 133 AC), a península era essencialmente grega, pois
havia sido colonizada pelos gregos no século VIII AC. Muitos dos filósofos,
cientistas e artistas da antigüidade que admiramos e conhecemos como
"gregos" realmente não eram do continente europeu, mas daqui, já bem
antes do período apostólico.25 Algumas das esculturas "gregas" mais
conhecidas através da história foram feitas por artistas da Ásia Menor.26 Três
das "Sete Maravilhas do Mundo Antigo" encontravam-se na Ásia. 27
V. AS MULHERES DA ÁSIA MENOR
Já que ambas
as missivas se destinaram primariamente a cristãos da Ásia Menor, cabe
analisarmos as mulheres dessa área, citadas nominalmente nos escritos
neo-testamentários, como representantes daquelas que estavam sendo instruídas
pelos dois apóstolos. Dentre essas, encontramos Eunice, Priscila, Lídia, Áfia e
Ninfa. Todas tinham ligações concretas com as igrejas ou províncias que
receberam as instruções originais sobre o verdadeiro adorno feminino.
Provenientes das quatro principais culturas que já estavam convivendo lado a
lado na Ásia Menor por dois séculos ou mais, eram de ascendência romana, grega,
judaica ou autóctone, com variado grau de integração com as culturas nas quais
viviam. Um exame mais aproximado fará com que elas e as suas irmãs em Cristo
possam tornar-se mais reais e relevantes para nós.
A. Mulheres Diversas com
Personalidades Marcantes
Eunice (mãe de Timóteo) era uma mulher judia instruída e inteligente, com uma
fé exemplar, casada com um incrédulo grego,
de classe alta, que morava numa colônia romana
da Ásia Menor e convivia com pessoas
simples do interior (os licaônios)
(At 16.1; 2 Tm 1.5, 3.15).28
Priscila representa uma mulher romana ou judia, de classe média ou alta, forte, inteligente e corajosa,
provavelmente poliglota e instruída, bem casada com um judeu da Ásia Menor que, por causa da sua fé,
enfrentou perseguições e aprendeu a viver bem em Roma, na Grécia e na Ásia Menor, absorvendo e refletindo
aspectos significativos das três culturas
(At 18.1-26; Ro 16.3-5; 1 Co 16.19; 2 Tm 4.19).29
Lídia (At 16.12-40) era uma mulher grega proveniente da cidade de Tiatira,
na Ásia Menor. Ela vivia numa colônia
romana e seguia a religião judaica. A sua profissão era ligada ao vestuário dispendioso (a venda de púrpura). Quando converteu-se à religião
cristã, ela aparentemente conservou a sua profissão e atividades.
Deduzimos que Ninfa (de Laodicéia – Cl 4.15) e Áfia (de Colossos – Fm 1.2) eram
mulheres ricas pois tinham casas suficientemente grandes para hospedarem
igrejas. Conviviam com escravos
cristãos (Cl 3.22-4.1). Provavelmente,
eram de origem local (frígia – já bem
aculturadas) ou grega.30
Observamos que
todas essas cinco senhoras foram mencionadas com carinho e admiração por Paulo
ou Lucas. Outros tipos de mulheres também se faziam presentes nas igrejas
citadas. Além das esposas de homens descrentes ou infiéis (especificamente
endereçadas nas instruções de Pedro) também estavam as filhas, mães ou irmãs
destes. E não devemos supor que todas as mulheres participantes dos cultos eram
convertidas, pois poderiam estar ali por convite das amigas, por obrigação (em
submissão aos pais ou maridos) ou até terem sido batizadas após a conversão do
homem da casa). Realmente não eram tão diferentes das senhoras e moças da
atualidade, como pode nos parecer à primeira vista.
B. A Moda Romana
Ao nosso ver,
as técnicas e produtos daqueles dias podem parecer muito artesanais e simples,
comparados aos atuais. Mas as mulheres da Ásia Menor estavam vivendo num clima
de crescente criatividade e desenvolvimento cultural. Este duraria até o
declínio do império romano e não voltaria por mais mil anos.31 O exército
romano mantinha a paz – a famosa Pax Romana – na maior parte do império.
Produtos e pessoas cruzavam terra e mares com maior facilidade. O mercado para
os tecidos e corantes asiáticos crescia e os comerciantes e os fabricantes
tinham que inovar e melhorar para continuar garantindo o seu espaço no mercado
mundial. Nota: A cidade de Laodicéia era famosa por sua lã negra e lustrosa,
proveniente de ovelhas negras. Colossos era conhecida pela lã peculiarmente
arroxeada. Tiatira era especializada em tinturaria.32 O nome para bordador em
Roma era phrygio, de tão famoso que eram os bordadores da área de Frígia.33
Também era importante o controle dos produtos que chegavam mais e mais de
países distantes (Pérsia, Índia, China) pelas caravanas. Ao mesmo tempo, as
mulheres romanas tinham mais e melhores condições para acompanharem os seus
maridos, trazendo consigo as últimas novidades.34 O conhecimento da última moda
romana chegava constantemente a todas as principais cidades do império através
das esposas e filhas dos governantes e militares de cada província e país. Como
lavadeiras, costureiras, escravas, empregadas domésticas ou artesãs, como
esposas ou filhas de comerciantes e artesãos, ou como parte da alta sociedade
local, a maioria das mulheres tinha contato direto ou indireto com os costumes
romanos.
Em meio a
todas elas estavam muitas mulheres cujos maridos certamente eram fabricantes,
comerciantes ou transportadores de roupas e produtos de beleza há anos. A renda
da família poderia depender tanto dos produtos locais quanto daqueles que
passavam pelas rotas das caravanas ao longo das quais estavam localizadas quase
todas as cidades visitadas por Paulo. Considerando que o mercado principal era
o romano, grande parte das mulheres locais já havia se adaptado ao domínio e às
práticas romanas (com a exceção provável de umas poucas judias
recém-imigradas35 e algumas mulheres nas áreas mais afastadas). O intercâmbio
cultural era intenso e se não chegavam a seguir todas as tendências, pelo menos
sabiam delas e muitas vezes viviam delas. Assim sendo, podemos imaginar a filha
de um comerciante de tecidos tentando convencer o pai de que precisava de
alguns metros do linho fino importado, ou a de uma costureira deslizando os
dedos sobre uma seda macia enquanto sonha com o olhar apaixonado de um belo
rapaz. Enquanto isso, as escravas das mulheres ricas ou aspirantes receberiam
ordens para descobrir os segredos da "beleza" das romanas. Nas
reuniões e festas, status e aceitação
poderiam depender da sua aproximação aos valores ditados pela moda romana.
Lídia e Priscila e as nossas outras três mulheres sempre haviam convivido com
essa situação. Paulo também a conhecia.
VI. O EFEITO DO CRISTIANISMO NAS MULHERES DA ÁSIA MENOR
Era essa,
pois, a situação em que se encontravam as mulheres cristãs da Ásia Menor.
Várias raças, diversas línguas, religiões e culturas, modernidade ao lado de
"atraso," e luxo e riqueza emparelhados com simplicidade ou pobreza.
Mulheres nascendo, casando, criando filhos, enviuvando, trabalhando, sonhando,
criando. Algumas haviam nascido em religiões variadas que não satisfaziam e que
pouco se preocupavam em prover-lhes felicidade e sentido para a vida,
especialmente por serem mulheres.36 Outras, como Eunice, já conheciam e
respeitavam o Deus verdadeiro desde pequenas. Mas até para ela, e talvez
principalmente para ela, a mensagem salvadora dos apóstolos significaria uma
imensa e maravilhosa transformação e alegria.
O cristianismo
estava tendo implicações enormes na estrutura das sociedades nas quais entrava.
A pregação dos apóstolos significava uma mudança de vida tão radical que eles
foram acusados de estarem transtornando
o mundo, enquanto estavam na Grécia (At 17.6). E era verdade! Pela primeira vez
na história humana, barreiras tradicionais que sempre haviam existido estavam
sendo abertamente derrubadas. Analfabetas, letradas, escravas, servas, donas de
casa, artesãs, esposas de comerciantes, "socialaites" e até
ex-prostitutas poderiam estar sentadas lado a lado para adorar ao mesmo Deus e
para aprender como agradá-lo. Maltratadas e bem-cuidadas, cansadas e animadas,
ricas e pobres, solteiras, casadas e viúvas – elas repentinamente faziam parte
da mesma família. Eram irmãs, filhas adotadas por um mesmo Pai da maneira como
elas eram. E não somente as barreiras sociais estavam sendo desfeitas: também
as culturais e nacionais haviam de ser esquecidas no convívio entre gregas,
judias, romanas e locais. Paulo resumiu tudo isso na sua carta aos Colossenses
(habitantes da província da Ásia), quando disse que na igreja "não importa
a nacionalidade, a raça, a educação ou a posição social de alguém: estas coisas
não significam nada. O que importa é se a pessoa tem Cristo ou não..." (Cl 3.11, Bíblia Viva)
Timóteo e os
outros pastores estavam confrontando situações jamais vistas antes. Com a
quebra dessas barreiras, um grande número de pessoas (e de senhoras) talvez
estivesse sem entender os limites da sua nova liberdade. As epistolas de Paulo,
Pedro e Tiago lidam com muitos dos problemas que surgiram. E um deles é o
assunto do qual estamos tratando — com Paulo e Pedro determinando qual deveria
ser o comportamento das mulheres nas igrejas e nos lares da Ásia Menor.
VII. A APROVAÇÃO IMPLÍCITA DE ORNAMENTOS NA BÍBLIA
Antes de
voltarmos aos textos de 1 Timóteo e de 1 Pedro, interessa, em primeiro lugar,
verificar o que indicam algumas das muitas referências sobre jóias, adornos e a
beleza feminina constantes da revelação divina encontrada no restante da
Bíblia.
Abraão, marido
de Sara, aquela que Pedro elogia como exemplo de mulher santa, enviou jóias e vestidos para a futura esposa do seu
filho, Isaque. "Tomou o homem um pendente de ouro de meio siclo de peso, e
duas pulseiras para as mãos dela, do peso de dez siclos de ouro…Tirou jóias de
ouro e de prata, e vestidos, e os deu a Rebeca" (Gn 24.22,47,53). Deus
abençoou todos os passos para a realização desse matrimônio.
Deus permitiu
que os israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito (Ex 12.35) e
aceitou com agrado a contribuição voluntária de uma parte destas para serem
transformadas em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que ele
seria adorado (Ex 35.22, 23; 28.17-20). Moisés transmitiu a mensagem: "Tomai, do que tendes, uma oferta
para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará por oferta
ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo
azul, púrpura, carmesim, linho fino, pêlos de cabras, peles…, pedras de ônix e
pedras de engaste…(Ex 35.5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse
tabernáculo e os detalhes das vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito.
Ouro, linho, pedras preciosas, anéis, argolas, coroa... Quando os israelitas
tiraram o espólio do povo de Canaã, Deus nunca deu ordens para que deixassem de
lado as jóias e roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam
levar, nem que as aproveitassem de outra maneira. "Voltais às vossas
tendas com grandes riquezas, com … prata,
ouro,… e muitíssima roupa, reparti
com vossos irmãos o despojo dos vossos inimigos" (Js 22.8).
No livro de
Cantares de Salomão, que por muitos é considerado tanto um poema sobre o amor
humano quanto uma expressão do amor entre Deus e o seu povo, Salomão falou à
sua amada: "Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu
pescoço com os colares" (Ct 1.10). Em Provérbios 11.9 e 25.12 a instrução dos
pais e a palavra do sábio repreensor foram comparadas a um "diadema de
graça para a tua cabeça, colares para o teu pescoço, e pendentes e jóias de
ouro puro." A tão admirada mulher virtuosa de Provérbios 31 vestia-se de
"linho fino e de púrpura" (v. 22) e conseguiu vestir a sua família
com uma vistosa "lã escarlate" (v. 21). Seu valor excedia o de
"finas jóias" (v. 1).
Quando Deus
descreveu o seu amor para com o povo de Israel (Ez 16.8-14), ele disse:
Também
te vesti de roupas bordadas, e te
calcei com peles de animais marinhos, e te cingi de linho fino e te cobri de seda.
Também te adornei com enfeites, e te pus braceletes nas mãos e um colar
a roda do teu pescoço. Coloquei-te um pendente
no nariz, arrecadas nas orelhas,
e linda coroa na cabeça. Assim foste ornada de ouro e prata; o teu vestido
era de linho fino, de seda, e de
bordados;... eras formosa em
extremo e chegaste a ser rainha. Correu a tua fama entre as nações por causa da
tua formosura, pois era perfeita, por causa da minha glória que
eu pusera em ti.
Em Isaías
61.10, a beleza da salvação foi comparada à da "noiva que se enfeita com
as suas jóias," enquanto que em Apocalipse 21.2 a Nova Jerusalém está
"ataviada como noiva adornada para o seu esposo." As pérolas foram
consideradas coisas de valor por Jesus em Mateus 7.6 e por Deus em Apocalipse
21.21.
É verdade que
as citações acima são descritivas e não prescritivas. Deus, nessas passagens,
não fez nenhuma declaração específica aprovando ou encorajando os adornos
femininos. Mas é importante notar que ele também não os proibiu. Nas passagens
em que Deus castiga as mulheres do seu povo, tirando os seus adornos, a razão
dada é que elas os haviam usado de maneira imprópria (Ez 16). Não há declaração
de que esses sejam errados em si. No mesmo capítulo, a mulher que representa
Judá seria despida dos seus vestidos enquanto que as suas finas jóias seriam tomadas por
causa da sua lascívia e prostituição. Não somente seus vestidos
de luxo seriam tirados, mas toda a roupa, pois ela ficaria completamente nua e descoberta (v. 39), e ninguém
disputa a propriedade de se usar roupa.
Também em
Isaías 3.16-24 "as filhas de Sião" estavam sendo altivas, andando de pescoço
emproado, de olhares impudentes, e de maneira
vergonhosa (como as de Sodoma). Deus então catalogou uma lista completa dos
objetos para embelezamento que ele iria tirar delas – uma lista que tem sido
usada por muitos comentaristas do passado para resumir tudo que pensam que Deus
não aprova (apesar de falar também de mantos,
espelhos, bolsas e véus). Mas basta reler o início de Ezequiel 16 para
sentir como Deus estava validando e se identificando com o profundo anseio das
mulheres que ele mesmo imaginou e criou de serem bonitas e admiradas.
Observemos que é com os lindos objetos de adorno
que ele completa a perfeição da formosura dessa mulher que representa o seu povo amado. Aquela
mulher bonita (e adornada), entretanto, não deveria se esquecer de que a sua
beleza foi dada e permitida por Deus com o propósito de ser usado para refletir
a sua glória: "Correu a tua fama…
por causa da minha glória que eu pusera em ti" (v. 14). Foi quando as mulheres se desviaram
desse propósito e confiaram na sua
própria formosura que os adornos
foram retirados.
As passagens
acima demonstram que se Deus tivesse aversão ao adorno externo feminino, ele
teria usado essas ocasiões, que seriam óbvias, para avisar ao seu povo que ele
não queria o uso desses enfeites. De fato, personagens bíblicas deram, usaram e
receberam jóias, enfeites e roupas bonitas sem recriminação da sua parte. Ele embelezou
o seu tabernáculo e os sacerdotes com jóias e adornos. O maior exemplo do
significado das sublimes bênçãos divinas, que ele mesmo mencionou, é o do homem
que procura satisfazer à sua amada, cobrindo-a de adornos por inteiro. Ele
conclui a sua revelação aos seus filhos descrevendo a beleza da sua igreja e da
futura Jerusalém, usando a noiva enfeitada como a ilustração mais adequada.
VIII. ANÁLISE DOS TEXTOS DA CONTROVÉRSIA
Voltemos agora aos textos da
controvérsia. Paulo e Pedro, falando a senhoras e moças nas igrejas
recém-formadas, compararam dois tipos de "adornos." Aparentemente, os
dois condenaram o primeiro tipo, o "adorno exterior." Mas olhemos,
com muita atenção, algumas outras passagens da Bíblia (escolhidas dentre muitas)
em que também são feitas comparações ou contrastes.
A. Comparações em Outros Textos
No Antigo
Testamento, em Gênesis 45.8, José falou: "...não
fostes vós que me enviastes para cá,
e, sim, Deus…" Assim, à primeira vista, poderíamos concluir que os irmãos
de José não o mandaram para Egito. Mas, um pouquinho antes (no v. 4), José já
havia dito: "Eu sou José, vosso irmão, a
quem vendestes para o Egito."
No Salmo
51.16-17, o rei Davi expressa a sua imensa contrição pelos pecados de adultério
e de homicídio cometidos por ele e faz as seguintes declarações ao seu Deus:
"Pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te
agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito
quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus."
No Novo
Testamento, podemos estranhar algumas declarações de Jesus. Em Lucas 14.12 ele
ensina: "Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos... nem teus parentes... antes convida
os pobres..." Depois, em João 6.27, ele aconselha: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste
para a vida eterna..." Falando de Lázaro em João 11.4, Jesus diz: "Esta enfermidade não é para morte, e
sim para a glória de Deus."
Por que Davi
falaria que Deus não se compraz com sacrifícios e holocaustos quando todos nós
sabemos que a "Bíblia" dele estava repleta de instruções sobre como e
quando oferecê-los?37 Podemos concluir que Jesus proibiu que convidemos os
nossos amigos para jantar em nossa casa quando ele mesmo freqüente e alegremente
aceitou convites para jantar (Lc 7.36; Jo 12.2) e organizou a "última
ceia" para celebrar a Páscoa com seus amigos mais íntimos (Lc 22.7-23)? Se
não devemos trabalhar pelo nosso sustento, Paulo estaria contradizendo Jesus
quando ele ordenou que aquele que não quisesse trabalhar não deveria ser
alimentado e exortou as pessoas preguiçosas a trabalharem para comer (2 Ts
3.10-12)? Se Lázaro não morreu, como explicar a revelação posterior de Jesus
(Jo 11.14) quando afirmou claramente: "Lázaro
morreu"?
B. Expressões Idiomáticas nas
Línguas Semíticas
A resposta ao
enigma aparente é simples. Acontece que estamos lidando com expressões
idiomáticas freqüentemente usadas pelos judeus.38 Em muitas ocasiões, quando
queriam comparar ou contrastar duas
coisas, eles deixavam de lado as palavras limitadoras e falavam coisas opostas
para enfatizarem o que queriam dizer. Muitas vezes diziam "não... mas" ou "não...
sim," quando o significado
real era "nem tanto... mas muito
mais" ou "não primariamente
(ou meramente ou apenas)... mas especialmente (ou muito mais ou também)."39
Todo mundo quase sempre entendia isso da maneira como deveria ser entendido.
Mas a nossa língua não funciona assim e quando a Bíblia foi traduzida para o
português (e para muitas outras línguas), os tradutores, nesses casos, deixaram
o entendimento para o nosso bom senso, em vez de adicionar palavras àquelas que
se encontravam no texto original.
1. Aplicação aos Outros Textos
Podemos e
devemos concluir que há uma expressão idiomática nessas passagens. Voltando ao
Salmo 51, lemos logo depois, no versículo 19: "Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos
holocaustos e das ofertas queimadas; e sobre o teu altar se oferecerão
novilhos." Davi estava ciente de que, naquela hora, "Deus não poderia
se agradar de meros sacrifícios
externos — das ofertas de sangue em si, desacompanhadas da expressão de
penitência genuína."40 Eis a palavra chave com a qual o primeiro versículo
pode fazer sentido. Assim, podemos parafrasear o texto da seguinte maneira:
"Pois não te comprazes em meros sacrifícios,
do contrário eu tos daria; e não te agradas meramente
de holocaustos. Sacrifícios muito
mais agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e
contrito não o desprezarás, ó Deus."
Voltando aos
outros versículos, colocaremos as palavras que farão com que as declarações
tenham mais sentido em nossa língua:
"Assim não fostes (apenas, meramente ou tanto) vós que me enviastes para cá, mas muito mais (em primeiro lugar)
Deus."
"Quando deres um jantar... não convides (apenas ou sempre) os
teus amigos, ... mas convida especialmente os pobres."
"Trabalhai, não (primariamente
ou meramente) pela comida que
perece, mas especialmente pela que subsiste para a vida
eterna."
"Esta enfermidade não é (somente ou primariamente) para
morte, mas especialmente para a
glória de Deus."
2. Aplicação aos Textos de 1 Timóteo e 1 Pedro
Seguindo nessa
mesma linha de raciocínio, os nossos versículos sobre o adorno poderiam ser
entendidos da seguinte maneira:
Da
mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom
senso, não tanto com cabeleira
frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, mas muito mais com boas obras...
Não seja o adorno das esposas primariamente
o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de
vestuário; mas muito (infinitamente!)
mais o homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito
manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus...
Pode-se,
entretanto, argumentar que essas cartas foram escritas em grego e que, se isso
é uma expressão idiomática semítica, por que estaria presente nessa língua? É
preciso, porém, observar que existem outras passagens gregas no Novo Testamento
que chamam para si interpretações semelhantes, indicando que essa questão é
muito mais de estrutura de pensamento hebraica, que permanece inalterada mesmo
quando os autores se expressam em grego, do que uma questão linguística. O
apóstolo João em 1 João 3.18 declara: "Filhinhos,
não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade." O
mesmo ocorre com a declaração de Paulo em 1 Coríntios 15.10.
Ao examinarmos
na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento usada nas sinagogas da
Ásia Menor) os textos anteriormente citados (Salmo 51 e Gênesis 45),
verificamos que ela traslada para o grego, de forma semelhante e com os mesmos
negativos utilizados por Pedro, a expressão idiomática que está presente no
texto hebraico. Sabemos, também, que Paulo e Pedro não somente nasceram e
cresceram usando o hebraico/aramaico, mas que continuavam constantemente tendo
contato com pessoas que usavam e falavam esses idiomas.41 Resumindo, pois,
constatamos que (pelo menos à exceção dos textos em debate) não há proibição do
uso de adornos em nenhum lugar da Bíblia e que há ampla descrição da existência
e do uso desses entre o povo de Deus. Observamos, também, que a adição de
certas palavras tem sido necessária, às vezes, em várias porções da Palavra,
para que não haja distorções na mensagem de Deus. Provamos que existe a possibilidade de que Paulo e Pedro42
tenham utilizado a maneira semítica usual para enfatizar esse contraste entre o
"adorno" físico e o espiritual. Vamos, agora, analisar outras
interpretações desses textos, e observar o contexto geral das Escrituras sobre
as questões do legalismo e da beleza, para concluirmos que o nosso entendimento
da questão realmente se enquadra na intenção dos autores.
IX. ANÁLISE DE OUTRAS INTERPRETAÇÕES
A. Interpretações que Proíbem os
Adornos Femininos
Os dois
escritores do Novo Testamento poderiam realmente estar transmitindo uma nova orientação de Deus ou, talvez, uma
orientação mais clara ou abrangente. Conseqüentemente, uma das marcas das
mulheres participantes da Nova Aliança seria uma completa (ou quase completa)
ausência de adornos e enfeites. Assim, os termos decência e modéstia (1 Tm
2.9) acabavam de ser melhor definidos.
Como já vimos,
essa tem sido a conclusão de muitos teólogos e comentaristas desde os primeiros
séculos da era cristã até aos dias de hoje.43 Outros procuram amenizar a
aparente força das palavras de Paulo e Pedro observando que Paulo estava
falando primariamente sobre as mulheres no culto e Pedro sobre as esposas, e
assim sugerem que as diretrizes talvez se limitem aos dois ambientes citados.44
Alguns nutrem
a noção de que Pedro e Paulo realmente estavam proibindo os adornos, mas que
essas instruções dos apóstolos tratavam de situações restritas àquele tempo e
portanto não são normativas para as mulheres cristãs dos séculos XX (e XXI).45
Para concluir, existem ainda aqueles que questionam tanto a própria autoria de
Paulo e Pedro quanto a divina inspiração das suas cartas. Para esses que
desconsideram a autoridade eterna da Palavra, não existe nenhuma dificuldade ou
utilidade maior no texto além da avaliação do efeito histórico.46
B. Interpretações que Permitem
(ou Toleram) os Adornos Femininos
Por outro
lado, temos Kistemaker e outros que concluem que Paulo e Pedro não tinham a
mínima intenção de fazer com que as mulheres se abstivessem do embelezamento
pessoal, ou que andassem fora da moda, mas que não explicam como então ler o
texto sem ignorá-lo. Ele escreve: "Pedro não diz que a mulher deve se
abster dos adornos. Ele não proíbe o uso de cosméticos, nem o uso de trajes
atraentes. A ênfase de Pedro não é na proibição mas num senso apropriado de
valores."47 Mas não explica! Hendriksen deixa um espaço aberto para os
adornos externos quando traduz o início de 1 Timóteo 2.9 "que as mulheres
se adornem com trajes de adorno com
modéstia e bom senso…", e completa: "É claro, portanto, que o
apóstolo não condena o desejo da parte de moças e mulheres – um desejo criado
nas suas almas por seu Criador – de se adornarem, de usarem de ‘bom
gosto’."48 Mas não explica!
Com relação à
autoria e autoridade das epístolas, nos unimos àqueles que consideram que os
ensinamentos desses textos bíblicos procedem realmente de Paulo e Pedro, sob a
inspiração do Espírito Santo, e que continuam sendo normativos. Temos certeza,
porém, de que eles não estavam iniciando uma
nova fase na qual qualquer tipo de adorno era categoricamente proibido às
mulheres tementes a Deus. Cremos que, realmente, estamos lidando com uma
expressão idiomática semítica em ambos os textos, e que o adorno externo não estava sendo proibido. A seguir,
citamos algumas razões.
X. UMA AVALIAÇÃO MAIS AMPLA
A. As Proibições não Condizem com
os Outros Ensinamentos de Paulo e Pedro
A proibição
categórica contra os enfeites femininos não condiz com qualquer outro ensino
registrado dos dois apóstolos. Em nenhum outro lugar, Paulo e Pedro proibiram
ou exigiram qualquer ação ou atitude que não fosse ligada especificamente à
ordem da criação ou à lei moral de Deus.49 Na mesma carta a Timóteo (4.1-5),
Paulo já alertou contra aqueles que "proíbem
o casamento,50 exigem abstinência de
alimentos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graça, pelos fiéis
e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é
recusável, porque pela palavra de Deus, e pela oração, é santificado."
Chegou a dizer que as pessoas que ensinam a prática do ascetismo terão
apostatado da fé, por terem obedecido "a espíritos enganadores e a ensinos de demônios" (v.1).
1. O Perigo do Ascetismo e do Legalismo
Sob a
orientação do Espírito (o Espírito afirma
expressamente, 1 Tm 4.1), Paulo estava preparando os novos crentes para não
se perderem num novo legalismo. Tanto os homens quanto as mulheres teriam que
aprender a se preocupar primariamente com o espírito da lei – a lei do amor a
Deus e ao próximo. Ele empreendeu uma campanha tremenda contra o legalismo dos
judaizantes e contra aqueles que pretendiam introduzir ou impor o ascetismo (a
auto-negação) na nova fé cristã. Romanos 14 ilustra muito bem a sua atitude.
Falando sobre a questão de comidas oferecidas aos ídolos e da observação de dias, Paulo disse:
"Eu estou persuadido no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma
impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura…. Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas
justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (vv.14, 17). Enquanto
isso, no Concílio de Jerusalém, Pedro também lutou contra o legalismo judaico
(At 15.7, 10).
2. A Liberdade Cristã
Em 1 Coríntios
8-10, Paulo trata do mesmo assunto: "Portanto, quer comais, quer bebais,
ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus"
(10.31).51 Colossenses 2.20 é muito forte:
Se
morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no
mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não
toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens?… Tais coisas,
com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa
humildade, e rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a
sensualidade.
Na carta aos
Gálatas, ele escreve: "Para a
liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos
submetais de novo a jugo de escravidão" (5.1). Na subseqüente lista das obras da carne (5.19-21), encontramos
somente atitudes e ações diretamente proibidas na lei moral ou que implicam em
uso exagerado de algo que é legítimo (como glutonarias).
Continuando
com o raciocínio de Paulo, poderíamos parafrasear Romanos 14.3,13-23:
Tomai
o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão... Nenhuma coisa
é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera... Quem usa adornos, para o senhor os usa, porque dá
graças a Deus; e quem não usa adornos,
para o senhor não os usa, e dá graças a Deus. Porque o reino de Deus não
consiste de jóias, penteados, roupas
chiques ou cosméticos, mas de justiça, e paz, e alegria no Espirito
Santo... Quem usa adornos não
despreze a que não usa; e a que não usa não julgue a que usa, porque Deus a
acolheu... Seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com
os outros. Não destruas a obra de Deus por causa dos seus adornos... É bom não fazer qualquer coisa com que teu irmão
venha a tropeçar (ou se ofender, ou se enfraquecer)… Bem-aventurada é aquela
que não se condena naquilo que aprova. Mas aquela que tem dúvidas é condenada, se usar, porque o que faz não provém de
fé; e tudo o que não provém de fé é pecado.
B. A Capacidade Humana de
Apreciar a Beleza é um Dom Divino
1. A Percepção da Perfeição
Em segundo
lugar, não devemos nos esquecer nunca de que foi Deus quem nos deu a capacidade
de reconhecer, apreciar e desejar a beleza, como também de criá-la,52 ainda que
de maneira imperfeita e finita. Faz parte da imagem de Deus em nós, distorcida
pelo pecado, mas ainda existente nos seres que ele criou. É através da beleza,
da perfeição e da precisão de sua criação que ele comunica a sua existência,
personalidade e glória a nós, seres humanos (Salmo 19). E, apesar da nossa
distorcida apreensão moral, ele continua nos dotando com os cinco sentidos, com
os quais podemos e devemos perceber e nos encantar com a perfeição de cores e
simetria, melodia e harmonia, fragrância e aroma, leveza e maciez, sabor e
doçura. Somente os seres humanos têm essas percepções. Todas essas qualidades podem
ser personificadas numa única mulher, especialmente quando ela desenvolve os
dois lados do seu ser – completando e aperfeiçoando a sua formosura e elegância
exterior com a graça e excelência do seu espírito interior.
2. A Percepção da Imperfeição
Também faz
parte da imagem de Deus em nós a rejeição inata, pelos nossos sentidos, das
coisas imperfeitas — desbotadas ou assimétricas, destoantes ou desarmoniosas,
mal-cheirosas ou sufocantes, grosseiras ou ásperas, insípidas ou amargas. A
imperfeição e deformação nunca foram obra nem desejo de Deus. São resultados do
pecado, do trabalho de Satanás no mundo. Ele nos mutilou não somente na alma,
mas também na nossa aparência. É raro não termos algo desproporcional, torto ou
até feio em nosso rosto ou corpo. E quando, porventura, nascemos e crescemos
belos, em pouco tempo o clima, as doenças, os vícios e a velhice começam a
devastar a nossa beleza . Alguém filosofou que "começamos a morrer no dia
em que nascemos." Por isso, em Eclesiastes 12, Salomão alerta os jovens
quanto à efemeridade da vida e à importância de dar valor ao seu relacionamento
espiritual, descrevendo de maneira inesquecível e marcante a triste
deterioração do corpo que acompanha o envelhecimento.
3. O valor da beleza na Bíblia
É interessante
notar que Deus inspirou Moisés a registrar que as esposas amadas pelos três
pais da fé — os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó — foram todas lindas. Sara era
sobremaneira formosa ao ponto de ser
cobiçada por reis, Rebeca mui formosa de
aparência e Raquel formosa de porte e
de semblante (Gn 12.14; 24.16; 29.17). Enquanto isso, Lia tinha os olhos baços e a diferença na beleza
física é a única razão (registrada, pelo menos) para o fato de que Jacó amou
mais a Raquel do que a Lia — a quem até desprezou (Gn 29.17, 30, 31). Deus
também deixou registrada a importância e o impacto que a beleza física de
mulheres, esposas e noivas teve nos reis, como Davi e Salomão (1 Sm 25.3; 2 Sm
11.2; 1 Rs 11; Ct 1.10). Tudo concorre para indicar que os homens realmente
refletem a capacidade divina de apreciar a harmonia e a estética da beleza
externa e, também, que tendem a procurar e apreciar companheiras belas.53
Na sua
palavra, Deus usa o contraste entre a perfeição e a imperfeição física, tanto a
estética quanto a corpórea, para ilustrar não somente a miséria do nosso pecado
mas especialmente a beleza da nossa restauração espiritual. Já vimos a passagem
em Ezequiel 16 em que Deus descreve como ele vestiu e adornou a mulher
representando Judá, e como ele a deixou feia e nua por causa do seu pecado. E
Paulo foi divinamente inspirado, na sua carta aos Efésios, a comparar a igreja
que Cristo está preparando para si à maneira como muitas mulheres sonham ser na
sua aparência externa, e que muitos homens almejam encontrar nas suas companheiras54
— "gloriosa, sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem
defeito" (Ef 5.27).
4. Roupas práticas, ou bonitas também?
Existe,
portanto, na mente humana, a capacidade de imaginar e reconhecer a aparência
ideal, bela ou perfeita. A aparência agradável, porém, é atingível numa
infinita variedade de combinações por causa da criatividade do nosso Deus.
Visualizamos essa criatividade não somente nos seres humanos mas também no
resto da criação. É Jesus quem chama a nossa atenção para a beleza das flores
no campo, falando, curiosamente, sobre a nossa preocupação com o que vestimos
(Mt 6.28-30):
E
por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios
do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão,
em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a
erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós
outros, homens de pequena fé?
Jesus diz que
podemos confiar em Deus para providenciar tudo que precisamos, inclusive as
roupas. E ele nem nos leva a refletir sobre a utilidade dos nossos trajes no
sentido óbvio e esperado de proteção contra nudez, calor e frio.55 Em vez
disso, ele fala da beleza das flores – uma beleza tão grande que tira o fôlego
de qualquer um que realmente pára com o propósito de olhá-las, tanto de perto
quanto de longe. E ele nos pergunta quanto
mais não deveríamos esperar daquele que veste
assim as flores que são tão transitórias e tão insignificantes em termos de
valor real.
5. A Superioridade da Beleza Interior
Deus,
portanto, criou e permite a beleza do universo e da humanidade. Faz parte da
nossa natureza apreciá-la e querer estar na presença dela. Mas, muitas vezes,
nós não a temos por completo e nem temos acesso a todos os recursos necessários
para alcançá-la. Quando, porém, somos filhos de Deus, começamos a compreender
que não foi apenas a beleza externa que foi corrompida pelo pecado. O nosso
espírito — a nossa personalidade, o nosso caráter, as nossas atitudes — tudo
ficou horrivelmente desfigurado com a queda de Adão e Eva. Isso afetou os
nossos relacionamentos — tanto o vertical quanto os horizontais. A nossa
redenção, a nossa volta à perfeição, começa internamente quando confessamos
Jesus como nosso Salvador e Senhor. Deus espera que a nossa maior preocupação
agora seja com o desenvolvimento e a expressão do nosso lado espiritual – o homem interior do coração demonstrando
a sua piedade pelas boas obras (1 Pe 3.4: 1 Tm 2.10). O
crescimento espiritual faz com que, apesar de sermos muito mais sensíveis à
beleza que pode ser encontrada em tantas coisas e seres que nos cercam, somos
capazes de apreciá-la sem fazer questão de tê-la. O ter e o aparecer não têm
mais a mesma importância, exceto quando nos são úteis em nosso serviço ao nosso
precioso Deus. E o mais maravilhoso de tudo é que ainda que a beleza externa
humana não exista ou se desvaneça com o passar do tempo, a beleza interna pode
crescer e dar expressão agradável ao corpo.
XI. O ADORNO DAS "MULHERES PIEDOSAS"
A. As Exortações de Paulo
Existia muita
oposição entre os gregos aos seguidores do "Caminho." Os gregos que
se mantinham através dos negócios que envolviam o culto aos ídolos se viam
ameaçados com a pregação da adoração a um único Deus (At 19.23-26). Os judeus
não queriam aceitar Jesus como o Messias e consideravam a pregação paulina como
blasfêmia.56 As mulheres romanas nas novas igrejas, estariam sendo coagidas por
seus conterrâneos a prestarem culto também ao imperador Nero.57 Em meio a tantas
dificuldades, quando muitas estavam sendo hostilizadas por suas próprias
famílias e comunidades, elas necessitavam desesperadamente de união espiritual.
Em vez disso,
pode ser que Paulo estivesse notando que certas irmãs estavam fazendo com que
as outras se sentissem desprezadas. Já que elas estavam acostumadas a se
arrumar quando iam para algum lugar importante (acontecimento talvez raro na
vida de muitas delas), agora estavam querendo levar essa prática para as
reuniões semanais (e, às vezes, diárias) da igreja. Afinal, a sua fé agora era
a coisa principal nas suas vidas. Enquanto algumas tinham que usar roupas e
adereços bem simples por força de tradição ou de pobreza, outras estavam
chegando aos cultos totalmente "produzidas" conforme o estilo da época,
tendo gasto tempo e dinheiro, dos quais as outras não dispunham, com seus
penteados, roupas e jóias. Possivelmente, os cultos em alguns lugares estavam
começando a parecer desfiles de moda! E isso poderia levar àquela acepção de
pessoas tão condenada anteriormente pelo apóstolo Tiago quando ele alertou
contra a tendência que havia no ser humano de tratar com deferência àquela
pessoa que andava "com anéis de ouro nos dedos, em trajes de luxo" e
desprezar o "pobre andrajoso" que também havia entrado para
participar dos cultos (Tg 2.1-2). Em vez de gastarem os seus esforços na
demonstração de amor, bondade, generosidade e compaixão, algumas irmãs estariam
ficando orgulhosas, vaidosas, invejosas, insensíveis. Outras não respeitavam
mais a opinião dos seus familiares e irmãos com relação àquilo que seria
decente ou modesto. Não queriam abrir mão da vontade e prazer de ter status aos
olhos das pessoas que lhes cercavam. Estava sendo difícil compreender que a sua
liberdade cristã terminava logo que ela afetava o bem-estar de outras pessoas.
Paulo queria
que elas entendessem que havia tempo e lugar para tudo. Isso não significava
que as mulheres ricas tinham que andar com roupas de pobre ou alisar os cabelos
toda vez que iam aos cultos.58 Também não seriam obrigadas a prender os cabelos
e os vestidos com enfeites de qualidade inferior. Simplesmente, era necessário
que entendessem que elas tinham que parar de ser vaidosas. Não deviam estar se
preocupando com luxo e ostentação, enquanto deixavam passar as oportunidades
para servir a Deus e à comunidade cristã com boas obras.
Da mesma
forma, as mulheres tinham que respeitar não somente as suas irmãs em Cristo,
mas também os irmãos presentes nos cultos, tanto os solteiros quanto os casados
ou viúvos. Tinham que vestir-se "em traje decente,…com modéstia e bom senso"
(1 Tm 2.9).59 Nada na sua aparência deveria desviar o pensamento dos irmãos
(nem dos pastores) nem causar-lhes desconforto ou incômodo.
B. As Exortações de Pedro
Pedro, por
outro lado, falou especificamente às esposas,
judias e gentias. Algumas, com certeza, eram esposas ou filhas de pessoas que
lidavam com produtos para o adorno. É interessante observar que o conselho
sobre o exagero no adorno das esposas faz parte duma exortação sobre como
"ganhar o seu marido descrente para Cristo." Ele começou dizendo (1
Pe 3.1-2):
Mulheres,
sede vós, igualmente, submissas a vossos próprios maridos, para que, se alguns
deles ainda não obedecem à palavra, sejam ganhos, sem palavra alguma, por meio
do procedimento de suas esposas, ao observarem o vosso honesto comportamento
cheio de temor.
Para muitas
mulheres gentias, convivendo com a realidade da época em que era comum e aceito
um homem ter uma amante e freqüentar casas de prostituição,60 Pedro estava
abrindo (e não diminuindo) o leque de possibilidades para elas ganharem os seus
maridos, não somente para Cristo, mas também para si. Elas poderiam aumentar ou
completar a sua beleza, esforçando-se para adornar
a sua alma, sendo submissas aos maridos
e tendo um comportamento honesto. Ao
desenvolver um espírito manso e tranqüilo
no seu lidar diário com esses homens, bons ou ruins, crentes ou descrentes,
elas poderiam esperar em Deus pelo
resultado, sem temer perturbação alguma.
Todas poderiam
tirar ânimo de Sara, que fez isso quando seu marido, Abraão, resolveu (duas
vezes) não esperar em Deus e
entregá-la aos caprichos de homens perversos e pervertidos (Gn 12.10-20 e Gn
20).61 Pedro não ensinou aqui que elas deveriam se descuidar da aparência e
arriscar a perda do amor ou do respeito dos seus maridos. Nada disso. Nem elas
deveriam jogar fora os seus vestidos bonitos e suas jóias, insistindo com seus
maridos que não mais podiam acompanhá-los aos jantares sociais. Elas ainda
podiam e deviam enfeitar-se com o propósito de agradar os seus esposos, mas não
para se ostentar a despeito da opinião deles. Pedro insistiu, não que o aspecto
exterior devesse ser negligenciado, mas que agora o desenvolvimento do seu
caráter, e o agradar aos seus maridos, deveria ser item prioritário nas suas
vidas e fazer com que elas alcançassem uma beleza mais completa, duradoura e
satisfatória.
Pode ter sido
também que algumas mulheres estivessem enlouquecendo seus esposos com a sua
insistência em seguir a moda. Tinham que ter mais e mais dinheiro para comprar
novos tecidos e jóias e, em vez de cuidarem das suas casas e famílias, gastavam
seu tempo preparando e mantendo seus penteados e aparência. Seria realmente
difícil para um marido daquele tempo dormir ao lado duma mulher tentando
preservar um penteado igual a alguns que vemos nas estátuas da época! Podemos
imaginar algum marido irado se queixando a Pedro sobre a sua experiência nesse
sentido. Algumas simplesmente não estavam ligando mais para a opinião dos seus
cônjuges, talvez por achar que não tinham mais autoridade por não serem
crentes. Além disso, Pedro estava alertando-as de que as perseguições já em
andamento iriam aumentar (com as perseguições de Nero, ver 1 Pe 4.12-19). Se
elas se prendessem demais aos seus adornos e à sua posição social, não estariam
prontas para renunciar a tudo por amor a Deus, na hora da provação.
CONCLUSÕES
A. A Mulher Cristã Pode se
Enfeitar
Concluímos,
então, que a Bíblia não apoia a proibição absoluta aos adornos femininos, nem
nas duas passagens em questão e nem em qualquer outro lugar. Vimos que existem
outras passagens que contêm comparações ou contrastes que necessitam receber
uma leitura alternativa por representarem expressões idiomáticas semíticas.
Examinamos as outras passagens sobre adornos e comprovamos que não contêm
condenação. Verificamos o repúdio bíblico ao ascetismo e ao legalismo.
Confirmamos que a apreciação do belo é algo que nos é dado por Deus. Percebemos
que uma proibição não é compatível com o espírito e o exemplo de Paulo e Pedro.
Assim sendo, podemos inferir que, nos textos principais examinados, realmente
estamos lidando com uma peculiaridade de expressão idiomática-cultural, no
contraste traçado entre os adornos exterior e interior, sem receio nenhum de
estarmos torcendo a intenção das palavras inspiradas dos apóstolos.
B. A Beleza do Espírito Deve
Ultrapassar a Beleza do Corpo
Mas não
podemos nos empolgar demais com essa descoberta e esquecer que a parte mais
importante (o "especialmente"
ou o "muito mais") de ambos
os versículos da controvérsia se encontra na outra metade. Há dois tipos de adornos, sim.
Estabelecemos que não podemos dizer que um tipo está errado e o outro certo.
Mas o contraste continua existindo, e
esse contraste é entre uma beleza
exterior e uma beleza interior ou
entre um adorno inferior e um adorno
muito superior. Todavia, não é
interditando o primeiro que iremos chegar à plena realização do segundo.
C. Equilibrando as Duas Belezas
O nosso
entendimento não deve, portanto, parar aqui, pois é exatamente esta compreensão
(que a beleza interior é infinitamente superior à exterior) que torna uma
comunidade cristã tão especial. Pessoas fisicamente feias ou deformadas são
sinceramente respeitadas e amadas por seu caráter, dons e atitudes. Há lugar
para todos. Não é preciso ser bonito, rico, elegantemente vestido ou adornado
para ter aceitação entre nós.
Por outro
lado, a beleza externa pode ser promovida e utilizada para glorificar a Deus,
sempre dentro do contexto das palavras de Pedro — com decência, modéstia e bom
senso. A beleza natural pode ser realçada, os defeitos ocultados, as marcas
do tempo atenuadas, as gorduras e celulites combatidas, as roupas serem
modernas, elegantes e combinadas. Mas quando a mulher que se diz cristã gasta
mais tempo, dinheiro e esforço com a sua aparência física de que com o
desenvolvimento do "fruto do espírito" (como a mansidão e a tranqüilidade
que Pedro cita), algo está muito errado!
D. O Desafio Continua
Agora que
conhecemos a situação das mulheres que receberam as orientações de Paulo e de
Pedro sobre os seus adornos, penso
que podemos nos identificar muito melhor com elas e aplicar as lições que elas
tiveram que aprender às nossas vidas também. Sentadas nos bancos das nossas
igrejas brasileiras, há uma diversidade igualmente grande de mulheres e moças.
Somos pobres, ricas ou de classe média... Somos analfabetas, letradas,
empregadas, patroas, profissionais, donas de casa... Somos solteiras,
divorciadas, casadas, viúvas... Somos morenas, indígenas, brancas, orientais...
Somos nordestinas, nortistas, paulistas, cariocas, gaúchas, estrangeiras...
Algumas são crentes novas, enquanto outras cresceram na fé. Várias têm que
conviver com maridos ou parentes descrentes. Juntas, temos oportunidades
incríveis para mostrar e sentir amor e tolerância de maneiras inéditas e
preciosas.
Como elas,
vivemos numa sociedade onde há leis mas nem sempre a justiça está ao alcance de
todos. Podemos gastar o nosso tempo e dinheiro ajudando e aliviando os irmãos
que não conseguem aquilo que deveria ser seu direito. O nosso mundo, como o
delas, está cheio de oportunidades para servir a Deus. Bem presente em nosso
meio, também, está a falta de valorização da vida humana demonstrada na
violência nas ruas e nos lares das nossas cidades. Agora, como então, precisamos
nos engajar na pregação e no ensino das verdades bíblicas para que possa ser
revertida essa situação lamentável em nosso país, através de vidas
transformadas para a glória de Deus!
Do mesmo modo,
algumas pessoas que não tem nada a ver conosco, como as mulheres romanas na
Ásia Menor, ditam o corte dos nossos cabelos, o comprimento, a cor e a marca
das nossas roupas e até o formato aceitável das nossas bijuterias, cintos e
sapatos. Status, auto-estima e
aceitação para muitas mulheres estão diretamente ligados aos caprichos dessa
minoria. Querem mandar em cada pormenor do nosso visual, e fazem com que nós
nos sintamos culpadas e incompletas quando algo em nós ou em nossas filhas não
está em conformidade com os modismos da época. Da mesma forma que as asiáticas
sob a pax romana, estamos começando a
gozar de estabilidade econômica, com uma crescente oferta de produtos e
serviços nacionais e importados destinados a melhorar o nosso exterior.
E. O Nosso Desafio é Maior
Nem tudo é
igual, entretanto. Antigamente, não existiam os meios de comunicação dos quais
desfrutamos hoje em dia. Os convites e as oportunidades para o embelezamento
eram mais infreqüentes. Atualmente, o fascínio com a aparência externa é
generalizado numa sociedade que maximiza a realização pessoal e a
"perfeição" do corpo humano duma maneira nunca vista antes. Somos
bombardeados por todos os lados. Até nas filas dos supermercados, os nossos
olhos caem nas capas das revistas e objetos colocados estrategicamente para nos
chamar a atenção. Somos convidados a partilhar dos segredos de beleza e da
forma física de alguma atriz ou personagem televisiva, ou a experimentar o mais
novo produto para disfarçar ou eliminar algo em nós que sabemos não ser
atraente. Confusas, corremos de um produto para outro, enchendo os nossos
armários com um sem número de frascos e potes rejeitados quando ainda quase
cheios, sem coragem de colocá-los no lixo, pois isso confirmaria a nossa
sensação de ter jogado dinheiro fora. Quando finalmente resolvemos comprar uma
roupa ou um sapato para a nossa filha, ficamos estarrecidas em saber um mês
depois que "ninguém mais usa isso, mãe!" É preciso, com certeza,
muita sabedoria (e oração) para estabelecer os limites entre o necessário e o
supérfluo e para saber quando, e o que, comprar ou fazer. Temos que ser cristãs
criteriosas, exercendo bem a liberdade de escolha pela qual Paulo tanto lutou.
F. Corpo e Alma – a Serviço do
Criador da Beleza
Quando
realmente nos conscientizarmos de que existem valores superiores e que o nosso
tempo e dinheiro são preciosas dádivas de Deus, daremos menos importância
àqueles detalhes do nosso aspecto exterior que não podemos ou que talvez não
devemos modificar, seja por razões financeiras, circunstanciais ou espirituais.
Não conseguiremos mais passar horas a fio com cabeleireiros, manicuras ou em
academias lutando unicamente para
embelezar o nosso corpo enquanto muitos sofrem e morrem ao nosso redor. Mesmo
assim, conseguiremos ser realmente lindas, felizes e realizadas com o
desenvolvimento do nosso "adorno" interior — mesmo sendo imperfeitas,
envelhecidas ou desgastadas externamente — se estivermos estudando e vivendo de
acordo com o manual que o Criador da beleza nos deu para indicar e iluminar o
caminho daqueles que o amam. Em contraste com muitas das nossas irmãs do
passado, temos à nossa disposição não somente a Bíblia inteira como também
acesso a inúmeras pessoas, cursos, livros e periódicos capazes de nos facilitar
o crescimento espiritual.
De Paulo e
Pedro aprendemos que não devemos deixar que haja luxo ou ostentação em nossa
aparência que possa afastar ou entristecer alguma irmã. Não vamos gastar as
nossas horas e economias para satisfazer apenas a nossa própria vaidade.
Devemos ser modestas e decentes e assim não iremos prejudicar
ou tentar os nossos colegas masculinos de trabalho ou de escola, ou os nossos
irmãos e pastores na igreja, evitando o vestir e adornar a nós mesmas com o
propósito de sermos "sexy" ou sensuais. Dediquemos os nossos corpos,
inteiramente, ao Deus que nos deu propósito de vida e valor intrínseco e
eterno. Usemos esses mesmos corpos para externar uma personalidade transformada
por ele, com todas as qualidades que uma filha dele pode ter. Sejamos
verdadeiras filhas de Sara (1 Pe
3.6), tendo o privilégio e a obrigação de procurar e complementar duas belezas
legítimas enquanto nos esforçamos para cumprir a nossa missão terrena da melhor
maneira possível, em gratidão àquele que nos "chamou das trevas para sua
maravilhosa luz" (1 Pe 2.11).
"Acaso
não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o
qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes
comprados por preço. Agora, pois,
glorificai a Deus no vosso corpo" (1 Co 6.19-20).
English Abstract
In this article, the author deals with the two
portions of Scripture (1 Tm 2 and 1 Pe 3) that seem to specifically forbid
external adornment for women. She points out the importance of a proper
interpretation of these passages since both exhortations are woven into
apostolic instructions as to the roles of men and women in worship and in the
home. Therefore, if Christians are led to believe that God does not really
forbid women to beautify their outward appearance (without scriptural
substantiation for this deduction) then the next logical conclusion is that God
perhaps does not mean what the texts appear to say about male leadership. Mrs.
Portela proceeds to review the places in Scripture where adornments appear,
pointing out their customary use by God´s servants and even by the Creator
himself when he wished to illustrate the extent of his love for his people.
Subsequently, she points out that in many places in Scripture, the inspired
writers and speakers used the usual Semitic manner of comparing and contrasting
in which a negative is used but not understood (v.g., Genesis 45.4,8 and Luke
14.12). This may be applied to the verses in debate so that the affirmations
become a contrast between an inferior and a superior adornment rather between
one that is forbidden and another that is acceptable. She continues by pointing
out that a specific prohibition of women’s adornment does not fit in with the
teachings of Paul and Peter, for they severely criticize and combat any form of
legalism or asceticism. Furthermore, she establishes that the capacity to
recognize, appreciate and desire beauty through the five senses continues to be
a gift from God. She concludes that the apostles were not prohibiting external
adornment but were warning against ostentation, immodesty and indecency. They
were encouraging a perspective which only those who love God can have, in which
the concern for the outward appearance becomes secondary to the development of
the much more lovely and enduring fruit of the spirit — the inner adornment —
of good works and considerate relationships, both within the home and in the
church.
NOTAS
1 A pesquisa inicial que resultou
neste ensaio atendeu a uma necessidade real e não meramente acadêmica. Foi em
resposta a um pedido de socorro de uma amiga a respeito desse assunto. Ela
considerava-se uma crente fiel e era supervisora entusiasmada de um grande
número de vendedoras de cosméticos. Depois de anos de oração pela conversão do
marido, Deus concedeu o seu pedido. Ele aceitou a Cristo com muita alegria e
acolheu com entusiasmo as doutrinas da igreja na qual se converteu. Foi então
que surgiu entre eles um desentendimento maior do que qualquer um anterior à
sua conversão. Com a Bíblia na mão, ele começou a sugerir que ela deixasse a
sua profissão e que ela mesma parasse de usar os seus cosméticos, como também
as bijuterias, as calças compridas… Chorando, ela nos telefonou, querendo saber
se ele tinha mesmo razão na sua interpretação.
2 2 Reis 9.30. Jezabel, mulher
extremamente má, se pintou em volta dos
olhos, enfeitou a cabeça… e foi jogada da janela pelos seus próprios
servos.
3 Exemplos: A. Maude Royden, The Church and Woman (Nova York: George
H. Doran, 1925?); Ruben Duffles Andrade, A
Mulher na Igreja (São Paulo, 1995) – manuscrito não publicado; Zélia Fávero
Maranhão, O Erro Monumental da Igreja
Cristã (São Paulo, 1994).
4 Os mesmos homens merecem
tremendo respeito e a eterna gratidão de todos na igreja cristã por seus
esforços em outras áreas e até pelo desenvolvimento correto da perspectiva
bíblica sobre os papéis distintos do homem e da mulher na igreja e no lar. Mas,
ao tentar responder à amiga que solicitou o ponto de vista bíblico sobre
adornos, foi muito frustrante verificar, enquanto pesquisava, que os
comentaristas mais conceituados do passado (e alguns do presente) nunca tentam
explicar os textos considerando um possível interesse feminino no assunto. Eles
acatam as aparentes proibições friamente e depois passam páginas inteiras
explicando o significado de modéstia,
decência e, especialmente, submissão. Não preparam os pastores, que
procuram compreender as passagens pela leitura dos seus comentários, para
responder às "Priscilas" nas suas igrejas que são capazes de
compreensões e deduções teológicas e que perguntam, por exemplo, sobre as
outras passagens que falam sobre adornos. O tratamento antigo mais caridoso
encontrado foi de Barnes (1798-1870). Ver Albert Barnes, Barnes’ Notes on the Old and New Testaments: Psalms (Grand Rapids:
Baker Book House, 1964), 1135, 1415.
5 John Piper e Wayne Grudem, Homem e Mulher (São José dos Campos:
Editora Fiel, 1996), 14-19. Esse livro tem um excelente tratamento sobre a
perspectiva bíblica da masculinidade e da feminilidade, apontando também muitas
coisas que a masculinidade madura não devem
significar.
6 Os homens devem ter consideração para com as mulheres,
tratando-as com dignidade como herdeiras da mesma graça (1 Pe
3.7).
7 Filo, As Leis Especiais, I, 201 (ênfase minha).
8 Talmude, Menahoth 43-44. Não temos certeza se os judeus já estavam orando
assim nessa época, mas a oração não destoa dos seus outros ensinamentos
(extra-bíblicos) a respeito de mulheres.
9 "Temple, Jerusalem," em The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the
Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975), V, 650.
10 "Potinhos e apetrechos
para pintar o rosto, feitos de osso, marfim ou metal, assim com espátulas para
espalhar cosméticos" estão entre os objetos mais encontrados nas
escavações arqueológicas dessa época na Palestina, evidência de que eram usados
regularmente pelas mulheres judias. Ver Henri Daniel-Rops, A Vida Diária nos Tempos de Jesus (São Paulo: Vida Nova, 1986),
197-198. No mesmo trecho, Daniel-Rops conta que no tratado Shabbath do Talmude (c.
35 DC), a norma "mais desagradável para as mulheres era com certeza aquela
que impedia que trançassem, encrespassem ou pusessem fitas e ornamentos no
cabelo no dia de descanso" (adornar-se era considerado
"trabalho" – outra indicação de que era permitido em outros dias e
ocasiões).
11 Tertuliano, O Véu das Virgens, Cap. 12.
12 Cipriano, A Vestimenta das Virgens, Cap. 12. No Cap. 8, ele cita as passagens
em debate.
13 Jerônimo, Carta 54, 7.
14 Sem entrar em pormenores,
partimos do ponto de vista de muitos expositores conceituados (Hendriksen,
Tenney, Machen, Ryrie, Lenski, Guthrie, Grudem…) de que Pedro e Paulo foram os
autores de 1 Pedro e 1 Timóteo. Também que Pedro mandou a sua carta de Roma e
que Paulo escreveu a sua para Timóteo talvez da Macedônia, antes de ser preso e
levado a Roma pela segunda vez. Isso explica por que Lucas, no livro de Atos,
não se refere à presença de Pedro em Roma e por que Pedro não menciona Paulo
juntamente com as saudações de Marcos (1 Pe 5.13).
15 1 Timóteo 1.3. Ver C.C. Ryrie,
A Bíblia Anotada (São Paulo: Mundo
Cristão, 1994), 1515.
16 A mãe, duas esposas e várias
mulheres que recusaram os seus avanços – ou os maridos delas – foram forçadas a
cometer suicídio ou morreram envenenadas ou pela violência de Nero. Suetônio, Vida dos Doze Césares: Nero, 32-37. O
historiador Suetônio (c. 70-130 DC) é uma das fontes mais citadas sobre a vida
de Nero. A outra é Tácito (c. 55-117 DC).
17 Além de ser cidadão romano era
preciso, muitas vezes, ser rico, famoso ou poderoso e viver agradando os
caprichos dos governantes para poder ter os direitos defendidos num tribunal.
Até uma leitura superficial dos escritos de Tácito e Suetônio impressiona pela
quantidade de pessoas ilustres que foram forçadas a se suicidar por Nero,
inclusive o estadista e filosofo estóico Sêneca (Tácito, Anais, V, 60-64).
18 Edith Hamilton, The Roman Way to Western Civilization (Nova York: Mentor Books,
1959), 110-111. "A engenhosidade humana em inventar novos e mais
divertidos tipos de carnificina finalmente se esgotou e o único recurso que
sobrou para agradar os espectadores impacientes foi aumentar o número de participantes".
19 Suetônio, Doze Césares, VI, Nero, 38; Tácito, Anais, XV, 38-44.
20 De acordo com o historiador
Eusébio, Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e Paulo decapitado. Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 4, "Paul, the Apostle," 654;
"Peter, Simon", 739.
21 Suetônio, Doze Césares: Nero, 30.
22 Não incluídas estavam a Lícia,
a Panfília e a Cilícia. Encyclopaedia Britannica (Chicago: Encyclopaedia Britannica,
1971), V. 2, "Asia Minor," 605.
23 Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Asia," 364.
24 Funk
& Wagnalls New Encyclopedia (Nova York: Funk & Wagnalls, 1979), V.
20, "Renaissance," 220. Hamilton diz (nos anos 30): "A
nossa era mecânica e industrial é a única
realização que pode ser comparada às da Roma durante os 2000 anos que se passaram."
Roman Way, 151.
25 Como Homero e Heródoto, Esopo,
Hipócrates e Galeno, Asclepíades, Pitágoras, Hipodamus de Mileto, observação
substanciada em extensa pesquisa da autora.
26 Exemplos: a Vênus de Milo, o Gaulês Moribundo e a Nike de
Samotrácia. Enciclopédia Britânica,
V. 10, "Greek Art," 848.
27 Eram o Templo de Ártemis em Éfeso, o Colosso
de Rodes e o Mausoléu de Halicarnasso.
Funk & Wagnalls, V. 21,
"Seven Wonders of the Ancient World," 270.
28 Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 3, "Lystra," 1015.
29 Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Aquila and Priscilla," 232;
Michael Green, Evangelism in the Early
Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 222-3.
30 Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Apphia," 227; William Hendriksen, Colossians and Philemon (Grand Rapids:
Baker, 1964), 193.
31 Enciclopédia Britânica, V. 19, "Roman History: II. The
Empire," 536 cita a opinião do famoso historiador Edward Gibbon de que a
humanidade nunca foi mais feliz do que nesse período.
32 Zondervan
Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Cloth," 893; V. 5,
"Thyatira," 743.
33 Funk & Wagnalls, V. 8,
"Embroidery," 492.
34 O governador romano Pôncio
Pilatos foi morar na Palestina acompanhado por sua esposa (Mt 27.19) e
Germânico, avô do imperador Nero, sempre esteve acompanhado pela esposa (e
filhos) em todas as suas campanhas militares, inclusive na Ásia Menor (Tácito, Anais, Livro I, 40; Livro II, 54).
35 Algumas eram judias cristãs
recém-chegadas após terem sofrido violentas perseguições pelos seus
conterrâneos na Palestina que rejeitavam a nova "seita". Estavam
tendo que conviver com línguas e costumes novos e estranhos e, enquanto as mais
velhas provavelmente zelavam pelas tradições antigas, as mais novas estariam
sendo tentadas a assimilar as novidades do seu lar atual. Mas, como vimos (nota
10), elas tinham as suas roupas bonitas, jóias e cosméticos.
36 Green, Evangelism
in the Early Church, 118-119.
37 Por exemplo: Êxodo 29 e
Levítico 22.
38 Ralph Woodrow, Women’s Adornment: What Does the Bible Really Say? (Riverside, CA:
R. Woodrow, 1976), 17.
39 I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text, The New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 583. Comentando
uma outra passagem (Lc 10.20), na qual Jesus falou aos setenta discípulos que
voltaram alegres porque os demônios estavam sendo expulsos por eles, dizendo "Alegrai-vos, não porque os espíritos
vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus,"
ele esclarece: "O que foi dito provavelmente deve ser interpretado em
termos de uma expressão idiomática semítica
que significa, ‘Não vos alegreis primariamente porque… mas muito mais
porque…’ (ver ainda 12.4; 14.12; 23.28; Jr 7.22; Os 6.6; 1 Co 1.17; Mt 10.20;
Mc 9.37; Jo 7.16; 12.44)". Outro autor fala de semitismos no uso de antônimos referindo-se a Mt 10.37 e Lc 14.26 —
Walter C. Kaiser, Jr., Towards Old
Testament Ethics (Grand Rapids: Zondervan, 1983), 252. Podemos considerar,
portanto, que existem negativos de exclusão
e negativos de priorização, cuja
identificação é extremamente importante para o correto entendimento do texto.
40 Barnes, Notes
on the Old and New Testaments: Psalms, 90.
41 Na nossa própria experiência,
como filha de pais holandeses radicados no Canadá depois de adultos, temos
verificado a persistência de construções gramaticais características da língua
holandesa no modo de expressar-se da geração imigrante, ainda após trinta,
quarenta ou até cinqüenta anos de familiaridade com a língua inglesa,
especialmente por aqueles que continuam convivendo nas igrejas reformadas de
origem holandesa.
42 H.D.M. Spence e Joseph S.
Exell, eds., The Pulpit Commentary, V. 22 (Grand Rapids: Eerdmans, 1980),
129, comentam sobre 1 Pedro 3.3 dizendo que Pedro estava utilizando um "hebraismo comum". Woodrow, Women´s Adornment, fala de "Hebrew
idiom" — uma "expressão idiomática hebraica." Preferimos a terminologia de Marshall (nota 14),
que se refere a uma "expressão idiomática semítica," por ser
mais ampla, já que estamos tratando do hebraico
e do aramaico.
43 Josué A. de Oliveira, A Mulher nos Planos de Deus (São Paulo:
Cultura Cristã, 1989), 96-123. Gordon D. Fee,
Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, 1 e 2 Timóteo, Tito (Deerfield, FL:
Editora Vida, 1994), 81. "Há grande agregado de evidências, tanto
helenísticas quanto judaicas, que fazem os ‘vestidos dispendiosos’ das mulheres
eqüivaler à leviandade sexual, ou à insubordinação conjugal". Ele cita uma
frase antiga: "Uma esposa que gosta de adorno não é fiel." Sextus, 513.
44 Exemplo: J.N.D. Kelly, I e II Timóteo e Tito: Introdução e
Comentário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1963), 69.
45 Ver Nota 3.
46 A.T. Hanson, The Pastoral Epistles: New Century Commentary (Grand Rapids:
Eerdmans, 1982), 6-7, duvida da autoria de Paulo.
47 Simon J. Kistemaker, New Testament Commentaries: Exposition of the Epistles of Peter
(Grand Rapids: Baker, 1987), 120. George H. Cramer, First and Second Peter (Chicago: Moody Press, 1967), 47, e H. A.
Ironside, Timothy, Titus and Philemon (Neptune,
NJ: Loizeux Bros, 1947), 66, e muitos outros, especialmente os que comentam ao
nível de leigos, declaram impossível a proibição de adornos; também senhoras
consagradas como Eugenia Price, De Mulher
para Mulher (São Paulo: Mundo Cristão, 1987), 69.
48 William Hendriksen, I-II Timothy and Titus (Grand Rapids: Baker, 1972), 105-106.
49 Com uma exceção que pode ser
explicada. No primeiro concílio eclesiástico da igreja nascente (Atos 15), os
apóstolos reunidos em Jerusalém incluem a abstenção
das coisas sacrificadas a ídolos, bem
como do sangue e da carne de animais sufocados nas suas orientações aos
gentios recém-convertidos (v. 29). Paulo, posteriormente, partindo da realidade
vivida nos países fora da Palestina onde era extremamente difícil verificar se
algo havia sido sacrificado a ídolos antes de ser vendido, reavalia a situação
e dá novas orientações (Rm 14). Van Groningen diz que essa passagem de Atos 15
representa "uma aplicação temporária de uma verdade moral e perpétua a uma
igreja numa situação histórica específica e temporária". G. Van Groningen, The Sabbath Sunday Problem (Geelong, Australia: Hilltop Press,
1968), 15.
50 A maioria dos subseqüentes
Pais da Igreja durante os primeiros séculos teve problemas em seguir esse
preceito. O dualismo grego já anteriormente adotado pelos judeus helenísticos,
em que o corpo representava o maligno e o espírito o divino, lhes era muito
atraente. Tertuliano (c. 150-220 DC) disse que Paulo ensinou que era "‘BOM
que o homem não toque mulher.’ Segue que o MAL consiste em tocá-la, pois não há
nada contrário ao bom além do mal" (Sobre
Monogamia, Capítulo 3). A falta de continência que resultava em casamento
era para ele uma "enfermidade" tolerada mas não aprovada por Deus.
Cipriano (c. 250 DC) concluiu que a recompensa celestial das virgens era
altíssima (sessenta por um – superada apenas pela dos mártires – cem por um),
pois o dom da continência era ensinado por Paulo, e a virgindade enaltecida (A Vestimenta das Virgens, 21,4). Essa atitude levava, automaticamente, à condenação
total do uso de adornos – já que esses fariam a mulher mais atraente e
levariam a situações de tentação (Ibid.,
Capítulo 5). Os Pais da Igreja gastaram muito mais tinta e papel com
recomendações às virgens do que para as esposas, pois, para a maioria deles,
essas já se encontravam num estado espiritual de segunda categoria.
51 Machen diz, "O problema
básico da conduta cristã é como aplicar os princípios elevados do evangelho à
rotina da vida diária. Não é possível resolver detalhadamente esse problema
para homem nenhum, pois os detalhes da vida são de uma variedade infindável;
mas o método para a solução está em 1 Coríntios. J. Gresham Machen, The New Testament: An Introduction to its Literature and History
(Edimburgo: Banner of Truth, 1976), 132.
52 Hendriksen, I-II Timothy and Titus, 106.
53 É verdade que houve
complicações sérias nas vidas de todos eles por causa da importância extremada
dada à beleza externa, por eles ou
pelos outros. Não havia nesses casos a apreciação apropriada da beleza interior que Paulo e Pedro tanto
destacaram nos seus textos, e eles sofreram as conseqüências. Destacamos,
porém, que o homem não mudou, e que continua sendo natural ele apreciar a
beleza externa nas representantes do sexo feminino. Esse fato se faz importante
ao avaliarmos a legitimidade dos adornos femininos.
54 Por mais que homens crentes
sejam consagrados a Deus e prontos para seguir a sua liderança na escolha da
sua esposa, é a minha opinião que não há dúvida que eles primeiro olham as
moças formosas de porte e de semblante (como Raquel em Gn 29.17). Eu mesma
tenho 99% de certeza que meu próprio marido (que já se destacava pela
fidelidade a Deus e que recebeu dele uma apreciação muito especial pela ordem,
lógica, simetria e beleza da criação) não teria procurado conhecer e namorar
uma estrangeira do outro lado do mundo se ela não lhe chamasse primeiro a
atenção pela aparência externa que Deus permitiu que tivesse naquela época. (E
o mesmo foi verdade para mim. É o Senhor Deus que vê primeiro o coração, mas o
homem enxerga primeiro o exterior – 1 Sm 16.7). Por isso mesmo, nestes dias em
que casamentos não são mais arranjados pelos pais, penso que Deus dá todo
direito às moças que querem encontrar um marido cristão a se completarem e
aperfeiçoarem com os adornos e cosméticos que lhes competem, com bom senso e
modéstia, não no sentido de enganar, iludir ou ludibriá-lo, mas para que ele
possa dar suficiente atenção a elas para perceber as suas outras qualidades
mais duradouras e mais valiosas.
55 Edith Schaeffer, Hidden Art (Wheaton, Ill.: Tyndale House Publishers, 1977),
182-186. Edith Schaeffer foi esposa e colaboradora do já falecido
filosofo e teólogo Francis Schaeffer. Depois de descrever, com detalhes
minuciosos e lindos, seu prazer na grande beleza e variedade de cores, texturas
e formas das flores que conhece, ela declara que é importante que o cristão
viva estética, artística e criativamente, representando nas suas roupas aquele
que desenhou, criou e vestiu as flores. Questiona se o Criador, que declara que
seus filhos são ainda mais importantes do que essas belas flores, os obriga a
esperar e procurar apenas roupas monótonas, sombrias ou feias das mãos dele.
56 Os judeus recém-convertidos
devem ter sofrido muito com o preconceito e a oposição dos seus familiares e
amigos nas comunidades em que viviam. Basta examinar com cuidado os relatos da
primeira passagem de Paulo pelas cidades da Ásia Menor. Foi expulso de
Antioquia da Pisídia (At 13.50) e apedrejado tanto em Icônio quanto em Listra
(At 14.5, 19) por causa da oposição dos líderes judaicos.
57 Trabalho dos
"asiarcas" citados no mesmo capítulo (19.31). A sua função principal
era cuidar da adoração ao imperador e a Roma na província da Ásia (Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1,
"Asiarchs," 365).
58 Apesar de ser evidente que
Paulo está falando especialmente sobre as mulheres nos cultos, nota-se que
aquilo que é contrastado ao adorno externo são as boas obras (1 Tm 2.10), que seriam praticadas mais fora do que
dentro da igreja per se. Assim sendo, as orientações são mais amplas, ao nosso
ver.
59 Hendriksen, I-II Timothy and Titus, 105-106 diz que
"modéstia indica um senso de vergonha, um recusar-se a
ultrapassar os limites da propriedade, uma reserva
apropriada. Bom senso
literalmente significa sanidade mental
… vestir-se com sensatez". Ele
argumenta contra a tradução com decência e
sugere que a mais correta seria em trajes
de adorno (não por discordar que a decência
também seja requerida por Deus das mulheres cristãs, mas porque acredita que Paulo
estava alertando contra o exagero e não contra o adorno em si).
60 "Mantemos amantes para o
nosso prazer, concubinas para o concubinato diário, mas esposas nós temos para
produzir filhos legitimamente e para ter uma guardiã de confiança da nossa propriedade
doméstica." O orador Demóstenes em Contra Neaera em Athenaeus of Naucratis, The
Deipnosophists, Book XIII: Concerning Women (Loeb Classical Library, 1937).
Internet: http://user42.blue.aol.com/heliogabby/deipnon/deipnon.htm.
61 Não é disso, certamente, que a
maioria dos homens se lembra quando pensa em Abraão, mas é o que vem primeiro à
mente de muitas mulheres quando pensam no relacionamento de Sara com ele.
Junta-se a isso o fato de o amor de Abraão por Sara não ter feito com que ele
se recusasse a dormir com Hagar (Gn 16.1-4) e temos um prato cheio para
qualquer estudo feminino contemporâneo sobre esse casal patriarcal. Penso que
esses acontecimentos e o registro da intervenção divina livrando e abençoando a
Sara após todos os três vinham (e vêm) à mente das mulheres (até de homens
crentes) que liam (e lêem) as palavras para esposas de maridos que não obedecem à palavra. Em
contrapartida, ninguém duvida de que Sara se enfeitasse (nota 51) e assim o seu
exemplo seria apenas no segundo tipo de adorno – o adorno superior – o homem interior do coração.
Elizabeth Zekveld Portela*
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