Igreja: Comunidade
terapêutica
Um dos grandes
desafios que temos pela frente é viver bem nesta sociedade denominada pelos
estudiosos de pós-moderna. Algumas de suas características peculiares como
competitividade, consumismo, utilitarismo, agressividade, perda de valores
absolutos, relativização da verdade, etc., têm gerado indivíduos enfermos do
ponto de vista da alma e dos relacionamentos.
Somos uma sociedade
enferma. Que desaprendeu a amar, que estabeleceu a desconfiança como condição
"sine qua non" na relação pessoal, que não sabe mais desenvolver
relacionamentos saudáveis e profundos, que vive deprimida e angustiada, que
perdeu a dimensão da comunidade e solidariedade, dando lugar a um estilo de
vida egoísta, que não sabe mais construir pontes de comunicação que levem ao
encontro do outro para a celebração da vida em verdade e em amor.
A igreja na
sociedade pós-moderna também está enferma. Na ânsia de crescer numérica e
financeiramente começou a priorizar os grandes projetos e as realizações de
mega eventos, deixando de lado a importância dos relacionamentos. Tornou-se uma
igreja realizadora, mas pouco relacional.
Como conseqüência, suas
reuniões tornaram-se superficiais, sendo mais uma oportunidade para consumo de
artigos religiosos e menos oportunidade para relacionamentos que possam curar
as feridas e gerar vida em abundância.
As manifestações
solidárias do Corpo de Cristo que expressavam preocupação pelo outro deram
lugar à busca egoísta pelas bênçãos especiais e imediatas, as quais normalmente
são entendidas como bem estar emocional e prosperidade material.
De um modo geral as
igrejas perderam a visão de sua vocação como comunidade terapêutica. Deixaram
de desenvolver programas que priorizem e facilitem relacionamentos, que ajudam
no desenvolvimento da potencialidade de seus membros, que busquem a
integralidade de cada um.
É justamente sob
esta preocupação que fomos motivados a escrever este trabalho. Depois de onze
anos no pastorado é mais forte ainda a convicção de que as igrejas relevantes
deste século serão aquelas que tiverem como filosofia de ministério o objetivo
de se desenvolverem como comunidade terapêutica, como parte de sua missão
integral. Igrejas relacionais farão a diferença nesta geração.
O propósito deste
trabalho é oferecer uma reflexão sobre a vocação terapêutica da igreja, a
partir da necessidade de saúde integral de todo ser humano.
Procuraremos
mostrar que as conseqüências da desintegração/separação impostas ao ser humano
a partir da queda pode ser restaurada à medida que a igreja desenvolve
programas que enriqueçam os relacionamentos e promovam cura.
Veremos que o
ministério de Jesus foi um ministério de sanidade, à medida que promovia cura e
salvação ao mesmo tempo, restaurando indivíduos em sua integralidade.
Finalmente, e esta
talvez seja a parte mais importante deste trabalho, iremos refletir sobre o
papel do pastor na transformação de uma igreja local em comunidade terapêutica.
Veremos a relevância do ministério pastoral equipando a igreja para a sua
missão de gerar cura para a nossa sociedade pós-moderna.
Esperamos que este
trabalho de caráter essencialmente prático possa encorajar e ajudar outros a
desenvolverem uma filosofia de ministério que priorize a igreja como comunidade
do relacionamento.
2 – QUEM SOMOS NÓS
– UM PERFIL DA NOSSA SOCIEDADE
A nossa sociedade
pós-moderna apresenta muitos desafios para o ser humano neste novo século.
As características
de uma sociedade utilitarista e acumuladora de bens têm levado indivíduos e
famílias inteiras a fazer novas opções de valores, prioridades e estilo de
vida. Não só isso, mas também a uma série de conseqüências que atingem
diretamente a vida humana.
Gostaríamos de
tentar traçar um perfil da sociedade em que vivemos e, conseqüentemente,
daqueles que fazer parte da comunidade cristã, denominada igreja.
Solidão: As pessoas
vivem sós no contexto urbano atual. Muitas têm imensa dificuldade em
compartilhar suas vidas, temores e angústias. Apesar de necessitarem e até
desejarem relacionamentos profundos, não conseguem romper com as barreiras e ir
ao encontro do outro.
Permanecem assim
como uma ilha, mesmo em meio a um sem número de pessoas. Buscam resolver
sozinhas seus próprios conflitos e tentam satisfazer a si próprios.
O problema é que
sozinho o indivíduo se torna mais vulnerável, fragilizado e na busca por
satisfação pessoal ele encontrará mais angústia.
Numa era
tecnológica como a que estamos vivendo, de rápida e fácil comunicação com o
mundo, as pessoas ainda vivem o drama de se sentirem solitárias.
Competição: Nossa
sociedade assumidamente capitalista e consumista tem gerado um conceito
utilitarista das pessoas, fazendo-as crer que só terão valor se possuírem bens
e estiverem participando da produção de outros bens.
O valor passa a ser
no que se tem e não no que se é como pessoa.
Em função disso, as
pessoas se tornam altamente competitivas, desconfiadas em seus relacionamentos,
vendo o outro como franco adversário.
Logicamente, tal
postura levou o ser humano a um isolamento planejado e destruidor, gerando um
estilo egoísta de viver somado à atitudes nada humanas do ponto de vista da
bondade e da generosidade para com o outro.
Descartabilidade:
Numa sociedade consumista as pessoas se tornam descartáveis à medida que não
conseguem produzir bens como antes. Tornam-se inaptas para o grande mercado.
A idéia da
descartabilidade gera um sentimento de desvalor e inutilidade existencial, o
qual desemboca em angústias, depressões e outras enfermidades da alma.
Nesse ponto, a
maior necessidade do indivíduo é sentir-se capacitado e qualificado para viver
com propósitos, desenvolvendo relacionamentos significativos.
Padrões errados de
comportamento: Não é raro encontrarmos no aconselhamento pastoral pessoas
honestas que lutam contra padrões inadequados de comportamento que adquiriram
na infância por modelos ruins, os quais desembocam em alguns desvios, como
práticas sexuais distorcidas, no hábito de mentir, dificuldade de desenvolver
relacionamentos profundos e saudáveis, dificuldade em amar e ser amado, vícios,
reações extremamente negativas, temperamento de difícil convivência, caráter
falho, etc.
São as enfermidades
que muitos tentam esconder ou racionalizar como se fosse algo normal.
Traumas interiores:
Pessoas que não foram amadas quando pequenas, sentimentos de rejeição, crítica
excessiva por parte dos pais, disciplina violenta, abuso sexual, lares
desajustados, são algumas das situações que fazem as pessoas se sentirem presas
a um passado triste e opressor, que as paralisa, bloqueando todo seu potencial
de crescimento.
Tais pessoas gastam
grande parte do seu tempo e energia tentando administrar seus traumas
interiores, ficando assim sem energia para buscar o crescimento pessoal.
Medos/Temores/Ansiedade:
Vivemos no século da ansiedade e de todos os tipos de medo.
Nunca se consumiu
tantos tranqüilizantes como antes, mesmo entre a população mais jovem.
É grande o número
de pessoas que precisam lidar diariamente com seus medos e inseguranças, desde
os mais simples e insignificantes até aqueles mais assustadores. O medo da
morte, do desemprego, da doença, da perda da família, de ficar sem dinheiro, de
ser assaltado, de ser rejeitado, são alguns exemplos de medos que tomam conta
da nossa sociedade hoje.
Desintegração
familiar: Já é sabido que a família não desempenha mais um papel central em
nossa sociedade e nem é vista com a mesma importância de antes.
Isso não diminui,
no entanto, o caráter integrador da família na vida de qualquer pessoa, sendo a
instituição que ensina limites, forma o caráter, gera o senso de pertencer, dá
identidade e equilíbrio emocional ao indivíduo. Mas o que se vê, porém, são
pessoas vivendo sob o mesmo teto, sem compartilhar suas vidas e seus
sentimentos mais profundos.
Poderíamos destacar
ainda outras características da nossa sociedade pós-moderna e suas
conseqüências para os nossos dias. No entanto, nosso objetivo é mostrar que as
características acima apresentadas são nada mais que expressões do pecado na
vida humana, os quais por sua vez levam a uma desintegração do ser.
Para aprofundarmos
esta questão tentaremos no próximo ponto definir alguns conceitos importantes
do ponto de vista bíblico e teológico, a fim de enriquecer nossa reflexão.
3 – SAÚDE INTEGRAL:
UMA ANÁLISE BÍBLICO-TEOLÓGICA
Ao tratarmos desse
assunto, contamos com as anotações de Larry Crabb (1998, p.42) o qual faz uma
análise teológica muito interessante. A partir da noção de pecado como
resultado da separação, sugere o autor que existe na experiência humana a
realidade de quatro separações: separação de Deus (problemas espirituais),
separação dos outros seres humanos (problemas sociais e de relacionamentos
interpessoais), separação da natureza (problemas ecológicos e físicos) e
separação de si mesmo (problemas psicológicos).
Podemos dizer que
os cristãos que vivem em comunidade tiveram resolvido o problema da primeira
separação – a de Deus – no entanto ainda existem algumas a serem superadas.
A chave
hermenêutica para entendermos este processo de enfermização do ser humano é
justamente o cenário da queda. Entender esta questão, segundo Uriel Heckert,
"é muito importante para entender-se a situação atual da humanidade e de
cada um de nós. Está aí a raiz de toda ambivalência e inautenticidade que
experimentamos". (1985, p.12).
A partir da queda
de Adão e Eva um processo de desintegração tomou conta do ser humano. Até então
ele vivia em perfeita harmonia com seu Criador, com o outro ser humano e
consigo mesmo. Podemos dizer que ele gozava de saúde plena, já que havia esta
integração completa entre criatura-Criador, criatura-criatura,
criatura-natureza.
O Dr. Zandrino nos
diz que tal integração era perfeita e perceptível na ausência dos dois
principais sintomas de enfermidade: a dor – sintoma de enfermidade física e o
medo – sintoma de enfermidade psíquica (1986, p. 31).
O pecado trouxe
conseqüências desastrosas concretas para o ser humano. "A desobediência do
primeiro homem trouxe como conseqüência morte espiritual ou separação de Deus,
o que também inclui morte física, que por sua vez também está relacionada com
enfermidade, dor e perda da vida" (op.cit., p.38).
A enfermidade tem
uma relação direta de causa e efeito com o pecado, o qual agiu como fator de
desestabilização do ser humano.
A opção do ser
humano em buscar sua autonomia e tornar-se o centro do universo fez dele um ser
rebelado, enquanto negava sua condição de dependência de Deus negava também a
razão de sua própria existência. Abre-se então o caminho para o pecado e o ser
humano passa a viver um estilo de vida errando continuamente o alvo para o qual
foi criado: a plenitude da comunhão com Deus. Como conseqüência ele se vê agora
separado do seu Criador, separado do outro, e em crise consigo mesmo.
Separado de Deus,
do outro e de si mesmo, o ser humano se viu enfermado do ponto de vista de sua
existência, do sentido e propósito de vida. Desse modo, estar vivo é
experimentar diariamente a dor e o peso da enfermidade.
O plano redentor de
Deus, por sua vez, objetiva trazer de volta o ser humano ao seu estado original
de integridade. Tal plano de redenção que encontramos em toda a Palavra de Deus
inclui, ora salvação, ora cura para as enfermidades físicas.
A saúde integral,
portanto, tem a ver com a plenitude da vida humana, no nível individual e
coletivo, nas ralações harmoniosas e amorosas com Deus, com outros e com a
natureza.
Se alguém
perguntasse a resposta de Deus ao pecado, a resposta seria: salvação e saúde.
Se perguntasse a respeito da resposta de Deus à enfermidade, a resposta seria:
salvação e saúde também!
O conceito de saúde
da Organização Mundial de Saúde é: "um estado de completo bem estar
físico, mental e social".
No entanto, Uriel
Heckert, citando Kingma, sugere um conceito cristão: "Saúde é um estado
dinâmico de bem estar do indivíduo e da sociedade; um bem estar físico, mental,
espiritual, econômico, político e social; em harmonia com os outros, com o meio
ambiente e com Deus". (1985, pp.12-16).
Tal conceito amplia
a idéia de saúde como algo que transcende a experiência humana individual e
alcança uma dimensão coletiva, ecológica e espiritual.
É interessante
quando analisamos alguns termos bíblicos relacionados, em sua raiz, à mesma
idéia.
"Shalom":
expressa, além de ‘paz’, também ‘saúde’ num sentido bem amplo, ‘renovação
espiritual’, ‘reabilitação social’.
Também a palavra
"Soteria" – "salvação" no grego, pode indicar ‘totalidade
da pessoa’, ou simplesmente ‘saúde’; ou seja, na soteriologia de Deus não está
contemplada apenas a dimensão espiritual, senão também a totalidade do ser
humano.
Como exemplo
bíblico podemos citar a expressão "a tua fé te salvou", pronunciada
por Jesus no evangelho de Lucas. A mesma aparece quatro vezes em Lucas: em 8:48
= mulher curada de hemorragia; em 17:19= a cura dos dez leprosos; em 18:42 = a
cura da cegueira de Bartimeu; mas em 7:50 = perdão dos pecados da mulher.
Na verdade esta
separação entre saúde e salvação que encontramos em nossa teologia é algo que
faz parte apenas da nossa mentalidade ocidental, a qual adotou o dualismo grego
da matéria e do espírito em sua filosofia e cosmovisão.
Para o médico e
teólogo Anthony Allen o prejuízo desta opção é imenso, pois com isso "de
uma só tacada tanto ‘saúde’ como ‘salvação’ deixaram de ter seu verdadeiro
significado! Este dualismo prejudicou o cuidado integral da pessoa pelos
serviços médicos. Também minou a missão declarada da espiritualidade em geral,
e da igreja em particular, de proclamar e facilitar a verdadeira ‘salvação’ de
pessoas." (1998, p.27).
Na prática, para a
visão dualista ocidental os conceitos de pecado e salvação foram
"espiritualizados e moralizados. A salvação foi relegada a um cenário
forense ou judicial(...)salvação do pecado envolve nada mais do que
arrependimento, perdão, punição vicária, transformação moral e a busca da
perfeição moral (santidade)" (op.cit, p.29). Allen termina dizendo que
"a salvação das escrituras é transformadora. Na bíblia, ser salvo
significa ser transformado(...)cura é transformação total; então, salvação e
cura são uma e a mesma coisa" (op.cit., p.30).
Da mesma forma,
Jaques Ellul, citado por Ricardo Zandrino diz: "a cura é juntamente
corporal e espiritual. Cura e salvação são conceitos associados com
freqüência" (1986, p.38)
Saúde e salvação,
portanto, são termos superpostos e paralelos na teologia bíblica da redenção. A
teologia da salvação está certamente ligada à teologia da saúde!
4 – A IGREJA – DE
SEUS DRAMAS À COMUNIDADE TERAPÊUTICA
Lembro-me de ter
lido certa vez a respeito da igreja como sendo uma grande embarcação em alto
mar, que vai resgatando muitos náufragos à medida que vai cortando o oceano.
Pessoas que estavam morrendo afogadas têm assim a possibilidade de serem resgatadas
da morte trágica.
Sendo assim, aquele
se torna o navio dos ex-náufragos, habitado por pessoas que têm viva na memória
a lembrança do seu salvamento, enquanto o navio continua sua missão de resgatar
vidas.
No entanto,
poderíamos dizer que esta é apenas parte do trabalho de resgate. Há um outro
aspecto quanto aos resgatados que envolve seus ferimentos, lembranças
infelizes, hematomas, fraturas, incapacidade para viver aquela nova situação,
sofrimentos que precisam de cura....
Esta ilustração nos
faz entender que a igreja é um lugar de pessoas salvas do pecado, mas que ainda
carregam as conseqüências nefastas das expressões do pecado em suas vidas.
São distorções da
personalidade por causa de uma má formação infantil, hábitos prejudiciais,
patologias, sintomas psicológicos, padrões de comportamento inadequados, e uma
série de fatores que levam os indivíduos a reconhecerem que, embora resgatados
por Deus, ainda precisam de cura. Usando uma expressão teológica: "foram
salvos, mas continuam sendo salvos a cada dia".
Após traçar o
perfil para entender nossa sociedade e conhecer as características daqueles que
se chegam para nossa comunidade, precisamos pensar em como a igreja os recebe,
ou então, no tipo de ambiente que eles encontram. Via de regra, as igrejas não
estão preparadas para receber as pessoas (os ex-náufragos) como comunidade de
cura e geradora de saúde integral.
Se por um lado as
pessoas chegam procurando um ambiente de amor, aceitação e cura para seus
dramas, por outro lado encontramos muitas comunidades legalistas, rigorosas e
de relacionamentos superficiais, o que de fato não ajuda em nada no
estabelecimento de um ambiente propício para se abrirem à cura de Deus.
No entanto, entre
muitas vocações, uma das que a igreja possui é a de ser comunidade terapêutica.
No seu livro,
"Curar também é tarefa da igreja", o argentino Ricardo Zandrino deixa
bem claro este chamado à comunidade terapêutica que o próprio Deus fez à
igreja.
A grande chave para
entender tal vocação é a imagem bíblica da igreja como Corpo de Cristo, cujos
membros são habitados pelo Espírito Santo e dotados de dons espirituais a fim
de equipar e preparar os crentes para o serviço e edificar o próprio Corpo.
Segundo Collins,
"um dos propósitos principais do Corpo de Cristo é ajudar as pessoas
(COLLINS: 1990, p.138).
Existem ainda
outras imagens bíblicas da igreja que podem potencializar sua missão de ser um
centro de cura, libertação, crescimento e potencialização, para o cumprimento
de sua missão no mundo:
A igreja como Povo
de Deus (2Co 6:16) – uma comunidade de cuidado mútuo unida por um pacto com
Deus.
A igreja como
comunidade do Espírito Santo (At 10:44-47) – uma comunidade redentora e
curativa, através da qual o Espírito vivo pode atuar num mundo grandemente necessitado
(CLINEBELL, 1987, p.61).
A igreja se
caracteriza portanto como uma comunidade ajudadora, que otimiza o potencial de
crescimento de seus membros, proporcionando às pessoas libertação de muitas
questões que as impedem de crescer.
Ao oferecer um
ambiente de comunhão, amor, serviço e crescimento, a igreja estará dando passos
no sentido de cumprir sua vocação terapêutica.
Nossas necessidades
mais profundas deveriam ser supridas na igreja, a partir de relacionamentos
saudáveis entre seus membros.
Encontramos na
Palavra de Deus cerca de 27 mandamentos recíprocos (daqueles que incluem a
expressão "uns aos outros" no final). Todos eles têm a ver com o
relacionamento, alguns para gerar, outros para proteger, outros para restaurar
os relacionamentos. Quando vividos no contexto da igreja local, tais
mandamentos produzirão libertação e cura para muitos.
A igreja local é
responsável pela saúde integral de seus membros, e não apenas por sua vida
espiritual como muitos pensam. É equivocada aquela idéia de que se alguém tem
problemas físicos precisa ir ao médico, se problemas psicológicos tem que ir ao
psicólogo, se problemas espirituais, precisa ir à igreja. Como já vimos
anteriormente, o salvação de Deus alcança o ser humano na sua totalidade e não
apenas espiritualmente.
A atividade da
igreja não pode ser reduzida a um mero exercício cognitivo de aprendizagem
intelectual, que a impede de desenvolver um programa de alcance integral do ser
humano.
Para a igreja,
entender a sua vocação terapêutica é ter a consciência de ser canal da graça
curadora de Deus, a qual liberta o indivíduo para uma vida de crescimento e
realizações.
A igreja de Cristo
é, portanto, lugar das muitas manifestações terapêuticas e libertadoras de Deus
em relação ao ser humano.
São muitos os
testemunhos que ouvimos de pessoas que foram curadas do ponto de vista da alma,
das emoções, na igreja e pela igreja; pessoas que receberam cura ao serem
amadas, aceitas, tocadas, valorizadas.
Há que se dizer que
a igreja, com todas as suas falhas, tem se tornado a única opção de
relacionamentos terapêuticos dentro de uma sociedade secularizada e insensível
para com as necessidades do outro. Nossa sociedade sofre de uma grande
dificuldade em estabelecer relacionamentos saudáveis e profundos.
Poderíamos dizer
que mesmo a família, para muitos, já não oferece um ambiente de ajuda e alívio,
de modo que as esperanças de muitos vão se canalizando para aquelas igrejas que
possuem uma proposta terapêutica de vida em comunidade, que de alguma forma responda
às necessidades mais básicas do ser humano.
Não seria exagero
afirmar, a partir de algumas observações pessoais, que algumas pessoas só
recebem um abraço, ou um beijo, na sua comunidade local e em nenhum outro
local, sendo que ali tais pessoas se sentem valorizadas e por isso ali
permanecem.
Os estudos a
respeito da relação membro-igreja nos tem mostrado que os membros permanecem
numa determinada igreja local mais pelos relacionamentos e menos pela confissão
doutrinária, ainda que esta última tenha a sua importância na vida de qualquer
cristão. Em função disso, as igrejas que conseguirem desenvolver um ambiente
que gere relacionamentos profundos e saudáveis estarão à frente para se
tornarem relevantes nesse mundo pós-moderno.
Desenvolver a integralidade
humana é o objetivo da igreja. Em razão disso, Clinebell defendeu que "a
missão da igreja(...)é ser um centro de vida em abundância, um lugar em que se
liberta, sustenta e potencializa vida em toda a sua plenitude, em indivíduos,
em relações íntimas e na sociedade e suas instituições". (op. cit., p.27).
A igreja, na sua
função terapêutica, precisa desenvolver várias qualidades básicas. Ricardo
Zandrino sugere algumas para nossa reflexão (ZANDRINO, 1986, p.67)
1ª) Aceitação – a
aceitação é necessidade básica no desenvolvimento da personalidade de qualquer
ser humano. É a base do indivíduo.
A argumentação
bíblica para esta atitude é o fato de que fomos aceitos por Deus em Sua
família, através de Cristo. Se na família tal aceitação é importante, na igreja
ela possibilita vida e alegria.
2ª) Confissão –
trata-se de uma prática pouco desenvolvida na igreja. "A confissão a Deus
encarnada no ouvido atento e perdoador do irmão é um recurso poderoso para
promover saúde nos membros da igreja". (op. cit., p.68).
O próprio Davi
descreveu as conseqüências físicas e emocionais de se carregar pecados sem
jamais confessá-los (Salmo 32). A verdadeira confissão gera crescimento e saúde
no Corpo de Cristo.
3ª) Perdão – a
prática do perdão traz saúde ao indivíduo culpado, senso de libertação e
renovação da própria vida. Livra-nos da culpa que paralisa e impede o
crescimento para o qual fomos criados.
Uma igreja que
pratica o perdão ensina a seus membros sobre a graça de Deus de uma forma mais
eficaz. Proporciona ao outro um novo recomeço e a possibilidade de tentar mais
uma vez. A igreja é o lugar dos recomeços!
4ª) Oração
intercessória – orar/interceder por alguém traz saúde a quem quer que seja.
Demonstra interesse e valorização, faz-nos aproximar do outro, movidos pela
sensibilidade da dor e do sofrimento que alcança pessoas a quem amamos e que
estão à nossa volta.
5ª) Contato físico
– há uma necessidade de toque físico em cada um de nós. Toque que gera
aceitação, manifesta carinho e cuidado. É o toque curador do abraço, do aperto
de mão, do braço sobre o ombro do irmão.
Há um mistério no
contato físico que pode consolar, encorajar, tirar a dor e até mesmo curar.
6ª) Louvor – O ato
de louvor expressa atitude contrária à enfermidade. No louvor não há medo, nem
recriminação, nem tristeza.
"O louvor
provém de um coração alegre e de um povo agradecido". (op. cit., p.76).
A ordem bíblica é
bem clara: "Cantai ao Senhor um cântico novo" (Salmo 96:1).
"Bom é render
graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó altíssimo" (Salmo 92:1).
"Uma igreja
que louva reflete maturidade e saúde e gera saúde e maturidade entre seus
membros." (op.cit., 76).
"Está alguém
alegre? Cante louvores." (Tiago 5:13b).
7ª) Outras
expressões de serviço – à medida que como membros ajudamos uns aos outros nas
mais diversas tarefas, mesmo naquelas pequenas, domésticas, suprimos
expectativas daqueles que estão à nossa volta e assim geramos saúde para nós,
para o outro e na comunidade local.
5) JESUS COMO
MODELO PARA UMA PASTORAL
Jesus, nosso mestre
e Senhor, é também o grande modelo que a igreja tem para o cumprimento da sua
missão integral no mundo.
Sendo assim, Jesus
é também o modelo para uma poimênica que busca promover a saúde integral no ser
humano e na sociedade.
O termo
"poimênica" vem do grego "poimen" que significa
"pastor". Sendo assim, a poimênica tem a ver com o trabalho pastoral
de um modo geral.
Jesus relacionou
seu ministério à questão da sanidade do indivíduo. Os seus milagres eram
milagres de saúde, de sanidade física, psíquica ou mesmo espiritual.
Encontramos nos evangelhos inúmeras narrativas que descrevem a ação salvadora
de Jesus em direção às pessoas, curando-as de muitas maneiras.
Ao ser questionado
pelos discípulos de João Batista sobre sua messianidade, Jesus respondeu:
"...os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos
ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres anuncia-se-lhes o
evangelho" (Lc 7:22).
Mais uma vez a
sanidade é descrita como evidência da presença do reino de Deus entre as
pessoas. Confirma-se assim a premissa de que o plano redentor de Deus está
voltado para o resgate da integralidade do ser humano.
O próprio Jesus é
um modelo de saúde para todos nós, a começar pelo fato dele não ter sofrido a
desintegração causada pelo pecado. Podemos, encontrar em sua vida e ministério
alguns aspectos para uma poimênica libertadora e geradora de vida para muitos.
Um modelo pastoral curador. Vejamos então alguns desses aspectos:
1º - olhar empático
sobre as pessoas – no texto que narra a multiplicação dos pães a cena é
precedida por um olhar compassivo de Jesus, que via a multidão como ovelhas sem
pastor. Houve então uma identificação com aqueles que sofriam por alguma razão.
Essa empatia leva ao segundo ponto.
2º - Atitude
solícita – Jesus era alguém solícito, pronto, com um coração aberto para novos
fatos e novas situações. Sua grande agenda eram as pessoas. Ele podia até abrir
mão de um descanso pessoal em função da demanda de uma só pessoa ou de todo um
grupo.
3º - atitude de
aceitação – Jesus foi reprovado por várias autoridades religiosas exatamente
por ter uma postura que aceitava muitos excluídos e enfermos da sociedade.
Almoçava com pecadores, tinha discípulos nada convencionais e conversava com as
prostitutas. Tal ação era profundamente libertadora.
4º - Atitude de
perdão – Jesus era a expressão maior da graça de Deus e, portanto, do perdão
divino. Sua reação para com a mulher pega em adultério (João 8) revela um Deus
perdoador que dá a segunda chance concedendo libertação da culpa que aprisiona
e impede o crescimento.
5º - Quebra de
preconceitos – Jesus rompeu barreiras, questionou e quebrou paradigmas sem
preocupar-se com as conseqüências para sua vida. Conversar com a mulher
samaritana (João 4) além de romper a barreira cultural, curou a enfermidade do
preconceito e gerou sanidade para toda uma aldeia.
6º - Através do
serviço – provavelmente, o maior sinal de saúde integral de Jesus foi o fato de
ter assumido uma posição de servo, que procurava estar entre as pessoas,
aproveitando situações para servir e ministrar graça àqueles que dela
necessitavam (Marcos 10:35-45). Lavar os pés dos discípulos é evidência clara
de que a cura inicia-se com gestos concretos de serviço.
7º - Amar até a
própria morte – paradoxalmente, a morte também gera vida, muita vida (Jo:
12:24). Jesus tomou sobre si nossas enfermidades (Is 53), compartilhou das
nossas chagas e maldições por amor. Sua morte produziu sanidade na vida de muitos.
O Seu amor pelos discípulos foi até o fim (Jo 13:1).
A pessoa e a
presença de Jesus eram por si só expressões de sanidade e geradores de saúde
para aqueles que com Ele conviviam. Sua capacidade de amar, Sua compaixão, Suas
ações com o propósito de gerar integralidade na vida das pessoas, se tornaram
pistas importantes para uma poimênica nos nossos dias, cujo objetivo deve ser
levar a igreja a desenvolver modelo semelhante ao de Jesus, tornando-se assim
uma comunidade de salvação e cura, de libertação para o desenvolvimento das
potencialidades de seus membros
6) PASTOR NERVOSO,
IGREJA NEURÓTICA - o ministério pastoral e a igreja terapêutica.
Queremos agora
conversar sobre o papel do pastor na construção de uma igreja cuja vocação
terapêutica encontre expressão concreta no seu dia a dia.
Já é um fato
conhecido que, como conseqüência das funções desempenhadas, o pastor constitui
uma figura com destaque e influência, O pastor influencia e molda opiniões,
transmitindo uma visão de mundo aos seus ouvintes.
De modo muito
natural, o pastor participa diretamente da vida das pessoas, intervindo,
aconselhando, emitindo opiniões, etc.
Conforme Almir
Linhares de Faria, no seu artigo "Implicações psicológicas da tarefa
pastoral", a figura do pastor concentra um certo poder; assim, "a sua
pessoa, seu modo de vida, seus sermões e suas diversas atividades pastorais
fornecem padrões de referência para o comportamento e atitude de muitas
pessoas." (1985, p.17).
Vemos então que o
pastor está numa ampla esfera de influência na vida da comunidade. Esta, por
sua vez, refletirá o estilo de vida e ministério do seu pastor.
Sendo assim, cabe
ao pastor a responsabilidade de trabalhar a vida da igreja a fim de levá-la a
desenvolver relacionamentos saudáveis, curadores, e gerar ambiente de
solidariedade na igreja local.
Segundo Clinebell,
"a poimênica e o aconselhamento pastoral são eficazes na medida em que
ajudam as pessoas a aumentar sua capacidade de relacionar-se de maneiras que
fomentem a integralidade nelas mesmas e nas outras pessoas." (CLINEBELL,
1987, P.30).
Na verdade, para o
autor, o próprio objetivo da poimênica é a integralidade do ser humano. Isso
significa que um ministério pastoral que não desemboque em cura,
relacionamentos mais profundos e verdadeiros, ambiente de aceitação, etc, está
absolutamente desfocado quanto à sua missão.
Um pouco antes,
Clinebell declarara: "Poimênica é o ministério amplo e inclusivo de cura e
crescimento mútuos dentro de uma congregação e de sua comunidade, durante todo
o ciclo da vida." (op.cit., P.25).
Nesse sentido,
alguns estudiosos têm proposto algumas funções no ministério pastoral, porque
geram integralidade. Senão vejamos:
1) O pastor como
aquele que cura/cuida – trata-se do processo de sarar as feridas, gerando saúde
física, emocional e espiritual, levando o indivíduo ao crescimento e
restituindo-o à sua integralidade.
2) O pastor como
aquele que sustenta – é o ato de ajudar alguém a suportar uma situação
aparentemente impossível de ser transformada. Ex: uma doença incurável.
Trata-se aqui do consolo e encorajamento para experimentar graça em meio ao
caos.
3) O pastor como
aquele que orienta – é o processo de dar conselho, dirigir e funcionar como uma
autoridade. Ajudar as pessoas a aprenderem por si mesmas, ajudando-as também a
fazer escolhas convictas e confiantes em situações que terão desdobramentos
importantes no futuro.
4) O pastor como
aquele que reconcilia – procura levar o ser humano a reconciliar-se com Deus,
com o outro e consigo mesmo, seja através do perdão, da disciplina ou de uma
consciência viva de pertencer ao povo de Deus.
5) O pastor como
aquele que nutre – seu objetivo, segundo Clinebell, "é capacitar as
pessoas a desenvolver as potencialidades que lhes foram dadas por Deus."
(op.cit., p.40). Ao mesmo tempo significa nutrir com amor as pessoas, a cada
dia, na totalidade de suas vidas.
À medida que
entendemos que a igreja é uma comunidade terapêutica, uma comunidade da
poimênica, que "presta assistência, promove cura e possibilita crescimento"
(op.cit., p.33), então é certo dizer que também cabe ao pastor a tarefa de
treinar a igreja nesta vocação, a fim de que seus membros desenvolvam na
prática a verdade do ‘sacerdócio universal de todos os santos’, sendo ministros
uns dos outros. "O papel do pastor consiste em treinar, inspirar e
supervisionar as pessoas leigas no ministério de poimênicas destas."
(op.cit., p.33).
Podemos perceber
então a importância do trabalho pastoral na transformação de uma igreja local
em comunidade terapêutica. Pastores saudáveis e equilibrados, ou pelo menos
conscientes de suas limitações e em busca de sua integralidade, saberão
orientar os membros rumo ao crescimento. Por outro lado, pastores sem esta
consciência, desfocados de sua integralidade, dificultarão e prejudicarão o
desenvolvimento dos membros de sua comunidade.
Poderíamos dizer
então que, neste caso, pastores nervosos gerarão igrejas neuróticas.
Quão grande é a
responsabilidade do pastor quanto ao bem estar e crescimento da igreja rumo ao
cumprimento de sua missão integral!
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Refletir sobre a
vocação terapêutica da igreja é também refletir sobre as mais variadas
prioridades que, como igreja, vamos elegendo ao longo da nossa caminhada.
Perguntas como: "O que é importante para nós?" e "Que tipo de
igreja estamos construindo?" vão surgindo enquanto refletimos e requerem
uma resposta.
Procuramos mostrar
neste trabalho a necessidade premente pela busca de uma igreja relacional, cujo
ambiente de amor e aceitação possa gerar esperanças e encorajamento no coração
daqueles que da igreja se aproximam. Para que isso aconteça a igreja precisa
ser uma comunidade mais de relacionamentos e menos de realizações.
Como alcançar este
propósito? São muitas as maneiras, mas talvez possamos oferecer algumas pistas:
1ª) Ser uma igreja
relacional deve fazer parte da declaração de missão da igreja;
2ª) Esta convicção
deve fazer parte da convicção ministerial do pastor, bem como de toda a
liderança;
3ª) Desenvolver
programas que facilitem o encontro e o relacionamento entre seus membros, de
modo que os mandamentos recíprocos encontrem ambiente para serem praticados. P.
ex., grupos pequenos, ministério de discipulado, encontros acampamentos, etc.
4ª) Promover
ambiente alegre e informal nas reuniões, nos cultos, sem contudo perder a
reverência e o respeito que os momentos exigem;
5ª) Ministrações à
igreja sobre relacionamentos através do púlpito, boletins, aconselhamento
pessoal, estudos bíblicos, etc.
6ª) Começar pela
liderança maior da igreja. A relação pastor-líderes deve ser uma relação de
amor, aliança e cumplicidade, não permitindo que as tensões normais do dia a
dia da igreja ganhem contornos de problema de relacionamento entre a liderança.
É sempre bom
lembrar que uma igreja jamais irá além de onde está sua liderança, portanto,
tudo começa e termina com os líderes!
7ª) Treinar os
membros para que desenvolvam seus dons espirituais a fim de ministrarem uns aos
outros e desenvolverem eles próprios seu ministério de poimênica;
8ª) Avaliação
constante da saúde da igreja. Certamente existem bons materiais para isso, no
entanto gostaria de indicar o capítulo 12 do livro "Creating a healthier
church – family systems theory, leadership and congregational life", de R.
W. Richardson (1996, pp.159-183), onde o autor oferece parâmetros para tal
avaliação.
Entendemos que há
ainda muito a se discutir sobre este tema, no entanto, coube-nos a tarefa de
despertar a atenção dos líderes para este aspecto tão importante para a vida da
igreja.
Lembro-me de ter
ouvido certa vez, em meio a um congresso sobre a batalha espiritual na qual
estamos inseridos, uma frase que acentuou ainda mais esta nossa convicção
quanto à vocação terapêutica da igreja: "A igreja, antes de ser um quartel
general é a comunidade do amor!"
Este é o nosso
desejo e assim esperamos que seja.
Amém!
Luiz Henrique
Solano Rossi
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