sábado, 14 de maio de 2022

O Casamento

 

O casamento é uma instituição de Deus ou apenas uma invenção humana?

 

Com a desvalorização do casamento em nossa cultura, junto com a relativização dos valores morais e a tendência contra tudo aquilo que é estabelecido, muitos cristãos nutrem esta ideia curiosa de que a Bíblia não ensina sobre o casamento, o qual se resume num acordo mútuo de duas pessoas viverem juntas.

Pronto! Estão casadas diante de Deus.

Com isso, não é pequeno o número de evangélicos que tem uma vida sexual ativa.

Alguns anos passados, ficamos impressionados com uma estatística publicada por uma revista evangélica após entrevistas feitas com jovens evangélicos de 22 denominações. Esses jovens, a grande maioria composta de solteiros, haviam nascido em lar evangélico e eram frequentadores regulares de igrejas. De acordo com a pesquisa, 52% deles já haviam tido sexo.

Destes, cerca da metade mantinha uma vida sexual ativa com um ou mais parceiros. A idade média em que perderam a virgindade era de 14 anos, para os rapazes, e 16, para as moças. Essa reportagem foi publicada em setembro de 2002, mas desconfiamos que os números são ainda mais estarrecedores se forem atualizados para os dias atuais.

Não vamos, aqui, ocupar muito espaço defendendo o que, acreditamos, a maioria dos nossos leitores já sabe, que é nossa posição: sexo é uma bênção a ser desfrutada somente no casamento. Namorados que praticam relações sexuais estão pecando contra a Palavra de Deus.

Mesmo que não tenhamos um versículo que diga: “É proibido o sexo pré-marital” (desnecessário à época em que a Bíblia foi escrita, visto que, na cultura do antigo Oriente, não existia namoro, noivado, ficar, etc.), é evidente que a visão bíblica do casamento é de uma instituição divina, da qual o sexo é uma parte integrante e essencial.

Alguns textos que mostram que contrair matrimônio e casar era uma instituição oficial entre o povo de Deus, e o ambiente próprio para desfrutar o sexo:

• “Nem contrairás matrimônio com os filhos dessas nações” (Dt 7.3).

• “Aumentai muito sobre mim o dote e a dádiva, e darei o que me disserdes; dai-me somente a moça por mulher” (Gn 34.12).

• “... e lhe dará uma jovem em casamento...” (Dn 11.17).

• “Respondeu-lhes Jesus: Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles?” (Mt 9.15).

• “... nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento...” (Mt 24.38).

• “Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galileia, achando-se ali a mãe de Jesus. Jesus também foi convidado, com os seus discípulos, para o casamento” (Jo 2.1,2).

• “Estás livre de mulher? Não procures casamento” (1Co 7.27).

• “Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento...” (1Tm 4.1-3).

• “Se um homem casar com uma mulher, e, depois de coabitar com ela, a aborrecer, e lhe atribuir atos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Casei com esta mulher e me cheguei a ela, porém não a achei virgem...” (Dt 22.13,14).

• “Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério” (Mt 5.32).

• “Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar” (Mt 19.10).

• “Caso, porém, não se dominem, que se casem; porque é melhor casar do que viver abrasado” (1Co 7.9).

• “Mas, se te casares, com isto não pecas; e também, se a virgem se casar, por isso não peca” (1Co 7.28).

• “A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor” (1Co 7.39).

• “Ao que lhe respondeu a mulher: Não tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade” (Jo 4.17,18).

• “Aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes” (Tt 1.6).

• “Quanto ao que me escrevestes, é bom que o homem não toque em mulher; mas, por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido.” (1Co 7.1,2)

• “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros” (Hb 13.4).

Essas passagens (e haveria muitas outras) mostram que casar, ter esposa, contrair matrimônio é o caminho prescrito por Deus para quem não quer ficar solteiro ou permanecer viúvo. O casamento era sim uma instituição oficial para o povo de Deus. As relações sexuais fora do casamento nunca foram aceitas, quer em Israel, quer na Igreja primitiva, a julgar pela quantidade de leis contra a fornicação e a impureza sexual e pelas normas e exemplos que fortalecem o casamento como instituição para o povo de Deus em todas as épocas.

O ônus de provar que namorados podem ter relações sexuais como uma coisa normal é dos libertinos. Alguém pode se justificar biblicamente diante de Deus por viver com sua namorada como se ela fosse sua esposa, não sendo casados? Como tal pessoa lidaria com a evidência massiva de que o casamento é a alternativa bíblica para quem não quer ficar solteiro ou viúvo?

O que existe, na verdade, é aquilo que Judas menciona em sua carta, sobre pessoas ímpias que transformam a graça de Deus em libertinagem (Jd 4). Os argumentos do tipo: “Quem casou Adão e Eva?” demonstram o grau de má vontade e a disposição do coração de continuar na prática da fornicação, mesmo diante da resposta: “O caso de Adão e Eva não é nosso paradigma, a não ser que você tenha sido feito diretamente do barro por Deus e sua namorada tenha sido tirada de sua costela. Se não foi, então, você deve se sujeitar ao paradigma que Deus estabeleceu para toda a raça humana, para os descendentes de Adão e Eva, que é contrair matrimônio, casar-se, assumindo, assim, um compromisso público diante das autoridades civis”.

Os demais argumentos, como este, por exemplo, “é melhor que os namorados cristãos tenham sexo responsável entre si do que procurar prostitutas”, entre outros, nem merecem resposta. O que falta realmente é domínio próprio, castidade, submissão à vontade de Deus, amor à santificação.

Chegamos a tal ponto que rapazes e moças cristãos têm vergonha de dizer, até mesmo em reuniões de mocidade e adolescentes, que são virgens. Temos compaixão dos jovens e adolescentes de nossas igrejas, mas sentimos uma santa ira contra os libertinos, que pervertem a graça de Deus, pessoas ímpias, que desviam nossa juventude para este caminho.


O caso de Isaque e Rebeca serve de base para se viver junto sem casamento?

 

Alguns queridos amigos têm apelado para o episódio do encontro de Isaque com Rebeca como base para a posição de que, na Bíblia, o casamento é a decisão de duas pessoas de se unirem diante de Deus e terem relações sexuais. Não precisa de cerimônia pública, compromisso formal, testemunhas, pais, parentes, autoridades, etc. A passagem é a seguinte:

“E Isaque trouxe-a para a tenda de sua mãe, Sara, e tomou a Rebeca, e foi-lhe por mulher, e amou-a. Assim, Isaque foi consolado depois da morte de sua mãe” (Gn 24.67).

O argumento é que o casamento de Isaque e Rebeca foi simplesmente terem tido relações na tenda, sem nenhuma formalidade. Entendemos que os defensores desta tese adotaram o versículo errado, como sempre, empregando um texto fora do contexto (embora não haja na Bíblia um versículo sequer que proporcione fundamento para se defender o casamento nesses termos). Basta lermos o capítulo 24 de Gênesis integralmente para percebermos que, na verdade, quando Isaque e Rebeca se encontraram, e tiveram relações sexuais na tenda, já eram casados. Casados!

Abraão mandou seu servo ir até a casa de seus parentes na Mesopotâmia para, de lá, “tomar uma esposa” para seu filho Isaque (Gn 24.4). Para isso, ajuramentou o servo, que foi como seu representante, ou procurador (Gn 24.2-4,8,9). Naquela época, os casamentos, geralmente, eram arranjados pelos pais e, por vezes, se usava a figura de um representante legal. Aliás, até hoje, é possível casamento por procuração.

O servo-procurador fez seu percurso orando para que Deus mostrasse quem seria a esposa para Isaque (Gn 24.12-14). Quando ficou claro que era Rebeca, o servo-procurador lhe entregou presentes, que já apontavam para um pedido oficial de casamento (como alianças de noivado, por exemplo), e pediu para conhecer a família dela (Gn 24.22-26).

A família era composta da mãe e do irmão Labão, o patriarca da família (o pai havia morrido), o que, naquela época, significava aquele que fazia o papel do líder religioso e civil. É só verificar o episódio mais adiante, em que ela casa as suas duas filhas, Lia e Raquel, com Jacó (Gn 29).

Voltando ao relato. Diante da mãe e do irmão de Rebeca, o servo-procurador fez a proposta de casamento, repetindo a missão que lhe fora dada: achar uma esposa para Isaque (Gn 24.28-49). Houve a permissão da mãe e do irmão (Gn 24.50,51) e, em seguida, perguntaram a Rebeca: “Queres ir com este homem?”. Ao que ela respondeu: “Irei” (Gn 24.57,58). Algo bastante parecido com: “Você aceita este homem como seu legítimo esposo?”. Resposta: “Sim. Aceito”. E não faltou nem a bênção: Labão, como patriarca da família, abençoou Rebeca na saída: “E abençoaram a Rebeca, e disseram-lhe: Ó nossa irmã, sê tu a mãe de milhares de milhares, e que a tua descendência possua a porta de seus aborrecedores!” (Gn 24.60). A frase, “ó nossa irmã”, sugere que foi Labão quem deu esta bênção. Mais casados do que isto, impossível.

Portanto, quando, depois da longa viagem, Rebeca encontra Isaque, e o servo-procurador relata tudo o que aconteceu (Gn 24.61-66), quem Isaque leva para a tenda para ter relações sexuais é sua legítima esposa e não uma jovem que ele havia encontrado vagando pelo campo.

Logo, o episódio envolvendo Isaque e Rebeca é, na verdade, mais uma evidência de que o casamento em Israel não era simplesmente ir para uma tenda ter relações.



escrito por Augustus Nicodemus

 

Vida Familiar

 Vida Familiar

 

Referindo-se ao casamento, Jesus disse:

 

"Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o homem seu pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem." (Mt.19:4-6)

O Senhor Jesus não se referia apenas ao casamento de cristãos quando declarou que se tratava de uma união divina; Ele falou genericamente e abrangeu o matrimônio de cada ser humano. Assim, revelou o casamento como instituição de Deus.

A Palavra de Deus ensina os princípios que devem reger o casamento e a vida familiar, e queremos apresenta-los de forma resumida.

 

O relacionamento marido/mulher

 

1) O marido deve amar a esposa - O marido deve amar sua esposa assim como Cristo amou a sua igreja. Amar é um verbo. É mais que um sentimento, é uma decisão e um investimento.

"Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela." (Ef.5:25)

"Maridos, amai a vossas esposas, e não as trateis com amargura." (Cl.3:19)

"Tendo consideração para com a vossa mulher, como parte mais frágil, tratai-a com dignidade..." (I Pe.3:7)

2) A esposa deve submeter-se ao seu marido - Isto não significa que o homem deva ser autoritário, mas ele tem seu lugar como cabeça do lar.

"As mulheres sejam submissas a seus próprios maridos, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres estejam em tudo submissas a seus próprios maridos" (Efésios 5:22-24)

"Esposas, sede submissas aos próprios maridos, como convém no Senhor." (Colossenses 3:18)

"A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio." (I Timóteo 2:11,12)

3) Vida sexual - A vida sexual do casal é para seu prazer, e não só para gerar filhos. É dádiva de Deus e tem a sua benção. Vejamos alguns princípios bíblicos:

a) Intimidade - "...viu que Isaque acariciava Rebeca, sua mulher". (Gn.26:20). Este texto fala de uma intimidade que deve ser cultivada entre marido e mulher.

b) Honra - "Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e os adúlteros" (Hb.13:4). Honramos o matrimônio através de nossa fidelidade e dedicação, mas mesmo entre casados pode haver impurezas, por isso o conselho bíblico afirma que também é necessário conservar o leito sem mácula; ou seja, sem pecado.

c) Sexo só no casamento - "mas, por causa da impureza, cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido" (I Co.7:2). A poligamia é pecado. Toda relação fora do casamento é adultério, e não deve ter lugar na vida do cristão.

d) Não privar o cônjuge - "O marido conceda à esposa o que lhe é devido, e também semelhantemente a esposa ao seu marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e, sim, o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e, sim, a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicardes à oração e novamente vos ajuntardes, para que Satanás não vos tente por causa da incontinência" (I Co.7:3,4). Este texto revela vários princípios. Paulo chama a relação sexual de dever. Não faz isto com propósito de roubar o romantismo, mas sim de enfatizar a responsabilidade de cada um quanto ao assunto. Depois, mostra que a autoridade do corpo pertence ao cônjuge, para poder enfatizar que o casal não deve se privar da vida sexual; um não deve se negar ao outro. A abstinência sexual só é aconselhada por um período curto de tempo, com o consentimento de ambos, e com uma única finalidade: dedicar-se à oração. Nestes versículos, Paulo mostra uma intensidade sexual na vida do casal que certamente é muito mais do que procriação!

e) Deleite - "Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher de tua mocidade, corça de amores, e gazela graciosa. Saciem-te os seus seios em todo o tempo; e embriaga-te sempre com suas carícias" (Pv.5:18,19). Há uma vida amorosa, de deleite para o cristão no casamento. A intimidade física faz parte do plano de Deus e deve ser vivida intensamente no lar cristão.

4) Uma só carne - A Bíblia diz que o homem e mulher tornam-se uma só carne por meio do matrimônio, pois o casamento é uma mistura de vida. "Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne" (Ef.5:31).

5) Aliança - "...o Senhor foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade... sendo ela tua companheira e a mulher da tua aliança" (Ml.2;14). O casamento tem seu aspecto legal que deve ser respeitado, mas ele é mais do que um contrato! É uma aliança. Um pacto. Não é algo que se faz hoje e se desfaz amanhã. E Deus mesmo é testemunha desta aliança que devemos honrar. A aliança do matrimônio é mistura de vida, e não pode ser rompida; o divórcio separa legalmente as pessoas, mas não anula a aliança.

 

A criação dos filhos

 

"E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor" (Efésios 6:4).

Além do respeito dos pais para com os filhos, a Bíblia enfatiza a necessidade de que os pais corrijam e disciplinem seus filhos e que os eduquem nos caminhos do Senhor. Embora a igreja participe deste processo de educação cristã, a responsabilidade de fazê-lo pertence aos pais e não deve ser transferida! "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele"(Pv.22:6). Há vários textos do livro de Provérbios que falam sobre a correção dos filhos; o primeiro deles diz que Deus nos corrige como um pai corrige a seu filho, mostrando que a disciplina é algo santo: "Filho meu, não rejeites a disciplina do Senhor, nem te enfades da sua repreensão. Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem" (Pv.3:11,12). Um outro texto fala sobre corrigir com moderação: "Castiga a teu filho, enquanto ainda há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo" (Pv.19:18). Os filhos não devem crescer sem a correção dos pais: "A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela" (Pv.22:15). "Não retires da criança a disciplina, pois se a fustigares com vara não morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno" (Pv.23:13,14). "A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe. Corrige o teu filho, e te dará descanso, dará delícias à tua alma" (Pv.29:15 e 17). Se a vara da correção for poupada, o prejuízo será grande!

A forma de ensinar e corrigir dos pais deve ser sábia e amorosa, para que seus filhos não desanimem: "Pais, não irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados" (Cl.3:21). A conduta dos pais cristãos deve ser estimulante. Muitos pais em vez de encorajarem seus filhos a andarem com Deus, os desanimam. Não devemos agir assim, mas estimulá-los a servir ao Senhor de todo coração.

 

O comportamento dos filhos

 

Os filhos devem aos seus pais não apenas obediência e submissão, mas também honra. A Bíblia deixa claro que a benção do Senhor seguirá aos obedientes, e implicitamente diz que a maldição virá sobre o que desonra seus pais. "Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo. Honra a teu pai e tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra" (Ef.6:1-3). Há um texto bíblico que deixa claro o aspecto da maldição sobre os que desonram seus pais: "A quem amaldiçoa a seu pai ou sua mãe, apagar-se-lhe-á a lâmpada nas mais densas trevas" (Pv.20:20).

Honrar os pais não é algo que se faz apenas com palavras, mas principalmente com a conduta: "O filho sábio alegra a seu pai, mas o filho insensato é a tristeza da sua mãe" (Pv.10:1). Os filhos devem aprender a valorizar seus pais como pessoas e também por sua missão: "Coroa dos velhos são os filhos dos filhos; e a glória dos filhos são seus pais" (Pv.17:6). "Ouve a teu pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe, quando vier a envelhecer"(Pv.23:22).

Não se deve obedecer aos pais apenas por querer agradá-los, mas principalmente para se agradar ao Senhor. "Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor" (Cl.3:20).

 

O sacerdócio do lar

 

"É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento; e que governe bem a sua própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo respeito (pois se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?) (I Timóteo 3:2-5).

Antes de ser sacerdote na igreja, o homem tem que ser sacerdote na sua própria casa. O sacerdócio começa no lar. Não é porque vai governar a igreja que o bispo tem que ter um bom lar, mas sim o contrário. Ter um lar pastoreado é o ministério básico de todo homem, e se não souber exercê-lo, o homem não poderá crescer na sua responsabilidade espiritual e ministerial. Acerca deste assunto, a Palavra de Deus ainda diz: "alguém que seja irrepreensível, marido de uma só mulher, que tenha filhos crentes que não são acusados de dissolução, nem são insubordinados" (Tt.1:6). O homem tem que ser o pastor do seu lar; isto é requisito não só para quem ingressa no ministério, mas é exemplo de vida cristã. Pais crentes não terão filhos crentes se não investirem na vida espiritual deles; é necessário ministrar e ensinar cada um deles a andar com Deus.

 

 

 

 

Namoro

 

O que conhecemos hoje como namoro, não está na Bíblia; porém, vemos isto mais como uma tradição cultural do que um princípio espiritual. Reconhecemos que o padrão de namoro deste mundo não condiz com o que a Bíblia ensina sobre a santidade do corpo (I Ts.4:3-8). Mesmo guardando-se virgens até o matrimônio, os jovens cristãos devem ter uma relação onde haja limites claros para o contato físico. Excesso de carícias tornam-se um laço para quem está procurando agradar a Deus. O livro de Provérbios aconselha: "Tomará alguém fogo no seu seio, sem que as suas vestes se incendeiem? Ou andará alguém sobre brasas, sem que se queimem os seus pés?" (Pv.6:27,28). Paulo disse aos tessalonicenses que se alguém defraudar a seu irmão nesta matéria, deve saber que Deus é vingador destas coisas.

Entendemos que os jovens devem ser cautelosos e criteriosos quanto à assumirem compromissos, pois são muito impulsivos nesta fase de sua vida. "Quanto aos moços, de igual modo, exorta-os para que, em todas as cousas, sejam criteriosos" (Tt.2:6). É necessário gastar tempo em oração e buscar a orientação e conselho dos líderes espirituais em vez de precipitar-se. A benção dos pais é importantíssima, e a temos como requisito básico para estabelecer o relacionamento.

 

Noivado

 

O noivado já se encontra na Bíblia, e é aquele nível de relacionamento onde o compromisso e planos para o casamento se estabelecem.

Antes do casamento, há determinados critérios exigidos pelas Escrituras: "Cuida dos teus negócios lá fora, apronta a lavoura no campo, e depois edifica a tua casa" (Pv.24:27). Note que não se começa edificando a casa, mas preparando trabalho e os meios de subsistência; neste capítulo abrangemos o trabalho e sustento como sendo algo essencial na vida do cristão. Os jovens não poderão casar pensando em ser sustentados pelos pais, pois serão uma nova família, e o cordão umbilical deve ser cortado. A Bíblia diz que "deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher" (Ef.5:31). A partir do casamento, devem se manter sozinho.

Temos um ministério de acompanhamento aos noivos, onde os princípios da vida familiar são ministrados durante um bom período antes do casamento, para melhor prepará-los em Deus para a vida do lar.

 

Casamento

 

O casamento não é um sacramento a ser realizado na igreja, embora seja uma instituição divina. Na Bíblia, não existe nada sobre celebração religiosa de casamentos; tudo o que a Palavra fala é sobre as bodas (ou festa). Quando Jesus esteve num casamento, participou da festa, nada sugere uma celebração religiosa. Não nos opomos à ela, e também a realizamos, mas nosso ponto de vista é de apenas uma solenidade importante para aqueles que querem Deus no centro do lar; não vemos tal cerimônia como sendo a união espiritual. Reconhecemos o casamento quando ele está em conformidade com a lei dos homens, que deve ser obedecida (Rm.13:1,2). Os que se chegam a Cristo e estão apenas "ajuntados", devem regularizar sua situação. E, compreendendo os princípios de aliança, pactuarem-se sob juramento.

O cristão não deve se unir pelos laços do matrimônio a um incrédulo. "A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor" (I Co.7:39). O detalhe de casar só no Senhor deve ser ressaltado, pois o cristão é proibido de se colocar debaixo do mesmo jugo que os incrédulos: "Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos, porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão da luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e o maligno? Ou que união do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse; Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Por isso, retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor, não toqueis em cousas impuras e eu vos receberei" (II Co.6:14-17). Este princípio também se aplica a qualquer outro tipo de sociedade, mesmo que comercial.

Vale ressaltar que cada pessoa tem o direito de casar com quem quiser (I Co.7:39), mas tem que ser no Senhor.

 

O divórcio

 

"Porque o Senhor Deus de Israel diz que odeia o repúdio... portanto cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis" (Malaquias 2:16).

A palavra repúdio é o mesmo que divórcio. Deus odeia o divórcio. O divórcio não deve ser uma opção para os crentes, exceto em situações específicas que a Bíblia menciona.

"Vieram a ele alguns fariseus, e o experimentavam, perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? Então respondeu ele: Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher, e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Replicaram-lhe: Por que mandou então Moisés dar carta de divórcio e repudiar? Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio. Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério [e o que casar com a repudiada comete adultério]" (Mateus 19:3-9).

No Velho Testamento, sob a lei que Deus deu a Moisés, foi permitido o divórcio devido à dureza dos corações dos homens. Naquele período, as pessoas não experimentavam o novo nascimento, nem tinham o Espírito Santo dentro de si; mas o plano de Deus para os homens nunca envolveu o divórcio. E mesmo sendo o divórcio permitido, não significa que era o melhor de Deus ou que era encorajado, pois o Senhor mesmo disse aos que estavam sob a lei que Ele abomina o divórcio. O plano de Deus para o casal é a aliança eterna; é a fusão de uma só carne. E Jesus deixa claro que além da morte, só uma coisa tem o poder de romper a aliança de um casal: o adultério. Assim como a aliança é consumada com a relação sexual dos noivos, é destruída com o adultério. E mesmo assim, o perdão e restauração devem ser buscados. Esta é a única exceção em toda a Bíblia que autoriza o divórcio, uma vez que a aliança já foi quebrada. Porém, assim como Deus nos perdoa se rompemos nossa parte na aliança e procura a nossa restauração, também nós devemos ter um espírito perdoador e buscar a restauração da aliança.

"Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case, ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher." (I Coríntios 7:10,11).

O divórcio não é uma opção, mas sim uma exceção. E neste caso, não se deve partir para uma nova relação, e sim permanecer sozinho ou reconciliar-se com o cônjuge. A única situação que se excetua a este padrão é o princípio acima abordado por Jesus, quando do caso de adultério (e neste caso só tem este direito a vítima, e isto quando não há reconciliação).

"Aos mais digo eu, não o Senhor: Se algum irmão tem mulher incrédula, e esta consente em morar com ele, não a abandone; e a mulher que tem marido incrédulo, e este consente em viver com ela, não deixe o marido. Porque o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte vossos filhos seriam impuros, porém, agora, são santos. Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz." (I Coríntios 7:13-15).

 

Naqueles dias dos apóstolos, na cultura em que viviam, podia ser o fim de um casamento se só um dos cônjuges se convertesse, pois muitos não aceitariam partilhar uma fé diferente, e, em muitos casos, o cônjuge incrédulo se sentiria profundamente ofendido. Mas Paulo disse que isto não era motivo de separação; independentemente da fé professada e das práticas espirituais, nunca será o cônjuge cristão que se contaminará (mesmo na relação íntima do casal) e sim o não cristão que será santificado. Este texto não fala que um é salvo pela fé do outro, pois não é de salvação que ele está falando, e sim de pureza ou contaminação. E quanto aos filhos, serão abençoados em função daquele que serve ao Senhor e não herdarão contaminação daquele que não serve a Deus. Mas se na conversão de um cônjuge, o outro vier a abandoná-lo por causa disto, então o irmão ou a irmã abandonados não estão debaixo de jugo (ou seja, não estão mais presos ao cônjuge), pois o divórcio não foi procurado por eles; e no caso de seu cônjuge afastado procurar novo casamento, estará em adultério, mas o irmão ou a irmã não; valerá para eles o princípio ensinado pelo Senhor Jesus em Mateus 19:9.

 

Novo casamento

 

Além das situações acima mencionadas, a única outra situação em que o novo casamento é admitido é no caso de viuvez.

"Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. De sorte que será considerada adúltera se, vivendo ainda o marido, unir-se a outro homem; porém, se morrer o marido, estará livre da lei, e não será adúltera se contrair novas núpcias." (Rm.7:2,3). O apóstolo Paulo disse o mesmo aos coríntios: "A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor" (I Coríntios 7:39).

 

Observe novamente a instrução de casar-se só no Senhor, ou seja, com alguém que sirva ao Senhor.

Há uma diferença entre o crente não se casar com um incrédulo para não se pôr debaixo de jugo desigual, e se converter estando já casado com um incrédulo. Na segunda situação ele não está em pecado, na primeira sim, pois desobedece a Palavra. Na situação de divórcio e novo casamento, também entendemos assim. O crente não tem o divórcio como uma opção, mas aquele que já se converte numa relação adúltera de novo casamento e se arrepende, é perdoado pelo Senhor; e como diz a Bíblia: "Deus não leva em conta o tempo da ignorância" (At.17:30 e I Tm.1:13).

 

 

 

Trabalho

 

O trabalho é uma ordem bíblica. É o meio de o homem sustentar sua casa e viver dignamente; além disto, por meio do seu ganho ele também poderá servir ao reino de Deus e ao necessitado.

"Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado" (Efésios 4:28).

Ninguém que diz servir a Cristo deve negligenciar o cuidado de sua casa, pois as Escrituras declaram: "Ora, se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos de sua própria casa, tem negado a fé, e é pior do que o descrente" (I Tm.5:8). A Palavra de Deus também diz acerca daquele que não trabalha: "Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: Se alguém não quer trabalhar, também não coma. Pois, de fato, estamos informados de que entre vós há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando; antes se intrometem na vida alheia. A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando tranqüilamente, comam o seu próprio pão" (II Ts.3:10-12).

Paulo se orgulhava de nunca ter sido um peso para ninguém, e de suas próprias mãos (seu trabalho) terem lhe provido o sustento (At.20:34). A igreja deve socorrer as viúvas que não tem condições de sustento, mas quando há alguém na casa que pode trabalhar para trazer o sustento, então a igreja é instruída a não sustentar este lar, mostrando a importância e o dever do trabalho:

"Honra as viúvas verdadeiramente viúvas. Mas, se alguma viúva tem filhos, ou netos, aprendam, primeiro a exercer piedade para com a sua própria casa, e a recompensar os seus progenitores; pois isto é aceitável diante de Deus" (I Tm.5:3,4).

E em seu trabalho, cada cristão deve fazer o melhor, para o Senhor e não para os homens:

"Servos, obedecei em tudo aos vossos senhores segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-só agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor. Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo coração, como para o Senhor, e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo; pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas" (Cl.3:22-25).

De igual modo, os que são patrões devem honrar os seus funcionários: "Senhores, tratai aos servos com justiça e com equidade, certos de que também vós tendes Senhor no céu" (Cl.4:1).

Vivendo assim, o Senhor será honrado!

O Adorno da mulher cristã

 

O "Adorno" da Mulher Cristã:
proibição ou privilégio?

 

 É certo uma mulher cristã se enfeitar? Na maioria das igrejas contemporâneas são raros os pastores que sobem ao púlpito para dizer que não. Reconhecemos, porém, que existem algumas comunidades cristãs que sinceramente consideram que as mulheres devem evitar o uso de jóias, maquiagem e roupas vistosas e que controlam até o corte e o penteado dos seus cabelos. 

Qual a legitimidade dos adornos femininos?1 Qual a expressão real da modéstia cristã? E o que isso tem a ver com a percepção daquilo que a Bíblia realmente ensina sobre a natureza, o propósito e especialmente o valor das mulheres cristãs — tanto as do passado quanto as do presente? 

Ao pesquisarmos, verificamos que a interpretação dos textos pertinentes ao assunto tem sido, muitas vezes, afetada por pontos de vista preconcebidos, tanto pelos que aceitam quanto pelos que rejeitam adornos externos nas mulheres.

 

I. O DILEMA

Será que é possível uma mulher usar adornos externos ou um pastor temente a Deus permitir que as senhoras e moças da sua igreja se enfeitem sem ir de encontro às duas passagens bíblicas citadas para proibir o uso de todos ou certos adornos? Elas parecem ser tão claras e específicas!

1 Timóteo 2.9-10 diz: ... que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).

1 Pedro 3.3-6 declara: Não seja o adorno das esposas o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus. Pois foi assim, também, que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seus próprio maridos, como fazia Sara, que obedeceu a Abraão, chamando-lhe senhor, da qual vós vos tornastes filhas, praticando o bem e não temendo perturbação alguma.

Quantos dos pastores que acatam os adornos femininos nos cultos podem dar uma explicação clara sobre essa atitude às suas igrejas? Quantos de nós têm certeza absoluta daquilo que estamos "aprovando," implicitamente, pelo uso? Ou estamos abrigando "dúvidas" e ainda assim procedendo por causa de comodidade ou vaidade? A Bíblia é clara quando diz que a falta de certeza sobre o nosso comportamento indica que estamos pecando, embora estejamos fazendo algo que talvez não seja pecaminoso em si (Rm 14.12, 22-23).

Existem centenas e milhares de mulheres no Brasil e pelo mundo afora, que amam a Deus de todo o coração, mas que sentem uma fisgada de desconforto e culpa quando lêem essas passagens. Perguntam a si mesmas se estão sendo carnais, se estão falhando na sua espiritualidade. Numa era em que seus maridos ou namorados estão cercados de mulheres que combatem a celulite, a gordura, as rugas e os cabelos brancos como inimigos mortais e na qual a humanidade valoriza intensamente a aparência física, elas não conseguem evitar arrepios ao pensar nas possíveis conseqüências de deixar de lado os próprios esforços em prol de uma aparência agradável. A maioria chega à conclusão que ficariam sem condições emocionais e sociais para continuar convivendo e trabalhando adequadamente nas esferas onde Deus as colocou. Ao olhar ao redor de si, notam que nenhum líder na sua igreja está advogando a abstenção dos adornos e cosméticos. Concluem que essas pessoas devem ter entendimento mais apurado do assunto e continuam como estão. Mas o sentimento de culpa continua, especialmente quando alguém lhes aponta esses versículos e lhes conclama a uma auto-defesa.

Enquanto isso, há outras tantas mulheres que realmente praticam a abstinência de qualquer enfeite externo (dentro dos limites estipulados por suas igrejas). Tendo entregue a vida a Deus, conseguem conviver relativamente bem com essa situação, especialmente porque encontram um sistema de apoio mútuo dentro dos seus círculos eclesiásticos. As suas vidas se entrelaçam quase inteiramente com o seu lar e com a sua igreja e as atividades desta. Sofrem muito, entretanto, quando tentam passar essas mesmas proibições às suas filhas que têm que conviver diariamente com um mundo que se nega a dar-lhes valor e que ri da sua falta de adornos e das suas roupas diferentes, nas escolas e nos empregos. Filhas que sofrem e olham para outras mulheres cristãs que não se abstêm e perguntam — "Porque elas podem, e eu não?" — e que são prontamente admoestadas por sua falta de amor a Deus e exortadas com frases do tipo "Enganosa é a graça e vã a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada" (Pv 31.30) ou "Nós não queremos que a nossa filha seja confundida com uma Jezabel!"2

 

II. A Necessidade de Aprofundamento na Questão

É, portanto, urgente que haja uma verificação mais aprofundada do significado e da importância dos textos principais que se referem a esse assunto. É extremamente relevante também porque o texto de 1 Timóteo está enraizado nas orientações específicas de Paulo a respeito do comportamento de homens e mulheres nas igrejas, especialmente na área de liderança. A outra determinação se encontra em meio aos conselhos de Pedro, a ambos os sexos, sobre a vida no lar. Trata-se de áreas extremamente polêmicas nas igrejas e no mundo em que vivemos porque muitos têm chegado à conclusão de que esses versos eram condicionados a um tempo que já passou e portanto não se aplicam aos dias de hoje.3 Como evitar o desprezo de parte de uma passagem se nós mesmos não conseguimos explicar a razão pela qual seguimos ou não seguimos a aparente instrução da outra parte?

Existe muita confusão a respeito da autoridade masculina na igreja e no lar porque a liderança masculina nas igrejas tem, vezes demais, se mostrado indiferente ao valor, sentimentos e dons das mulheres com que convivem, deixando pouco ou nenhum espaço para a sua expressão, inclusive na área dos adornos. Começando pelos Pais da Igreja, passando por expoentes da Reforma e por grande número de teólogos e comentaristas de renome, verificamos negligência e omissão em algumas áreas do seu lidar com a metade feminina do povo de Deus.4 Em muitas ocasiões, a legítima liderança amorosa masculina se deteriorou num domínio arrogante e agressivo, baseado em pressuposições errôneas de superioridade.5 Se tivessem sido mais compreensivos e dado igual atenção nos seus sermões e escritos ao exemplo de Jesus quando lidava com as mulheres e às orientações de Pedro (e de Paulo também – Ef 5.25-33; Cl 3.19) para os homens,6 a situação atual talvez fosse bem diferente.

 

III. Preconceitos, Prescrições e Omissões

A. A Tendência Judaica

 

Os Pais da Igreja não se desviaram da opinião judaica a respeito de mulheres, prevalecente no período apostólico. Filo de Alexandria, um contemporâneo de Paulo e Pedro, declarou:

…a fêmea é imperfeita, sujeita, vista mais como o parceiro passivo do que o ativo. E já que os elementos dos quais consistem a nossa alma são dois – a parte racional e a parte irracional – a parte racional pertence ao sexo masculino, sendo a herança de intelecto e razão; mas a parte irracional pertence ao sexo feminino, e também os sentidos externos. E a mente é em cada respeito superior ao sentido externo, como é o homem à mulher."7

Na compilação das tradições orais preservadas pelos judeus, os homens eram encorajados a agradecer a Deus diariamente por não tê-los feito "nem gentio, nem mulher, nem escravo."8 No templo em Jerusalém as senhoras não podiam passar do átrio das mulheres,9 um isolamento até considerado natural pela maioria dos comentaristas, mas que, na realidade, não existia no plano divino para o tabernáculo (1 Sm 1.9-10) e nem no primeiro templo (1 Cr 28.11,19; 1 Rs 5-8), refletindo tão somente o preconceito do judaísmo. Paradoxalmente, os adornos parecem ter sido amplamente utilizados nesse período.10

 

B. A Tendência Patrística

 

Não existe registro de como os lideres das igrejas que receberam as cartas de Paulo e Pedro interpretaram e aplicaram as suas palavras nos textos já mencionados. Mas os Pais da Igreja dos séculos subseqüentes tornaram-se totalmente contrários ao uso do adorno feminino. Tertuliano (160-220 DC) reclamou sobre as mocinhas: "Elas consultam o espelho para ajudar a sua beleza, gastam a pele do rosto de tanto lavar, tentando tornar o mesmo sedutor com cosméticos, arrogantemente jogam uma capa por cima dos ombros, colocam seus apertados sapatinhos multiformes e levam bem mais acessórios quando vão ao banho."11 Cipriano (c. 250 DC) ensinou que "os adornos e as roupas vistosas e as seduções da beleza pertencem apenas a prostitutas e mulheres desenvergonhadas, e a vestimenta mais cara acompanha aquela cuja modéstia é a mais barata."12 Jerônimo (340-420 DC) perguntou: "Qual o lugar de ruge e chumbo branco no rosto de uma senhora crista?… Servem apenas para inflamar as paixões dos homens jovens, para estimular a lascívia e para indicar uma mente impura."13 Eram homens de peso na história da igreja cristã — mas quase todos com tendências ascéticas.

 

C. Nosso Propósito

 

Neste ensaio, tentaremos estabelecer que Paulo e Pedro não estavam proibindo o uso de adornos pelas mulheres, mas que, ao contrário, eles estavam contrastando o legítimo adorno externo com algo bem mais valioso – o adorno interno.

Verificaremos de forma resumida e geral o que a igreja tem ensinado a respeito disso durante os dois milênios que se passaram. Examinaremos os versos nos seus contextos histórico, bíblico, teológico e textual. Ao mesmo tempo, procuraremos conhecer um pouco melhor tanto as intenções dos apóstolos quanto a natureza das mulheres da época, para podermos nos aproximar mais da sua realidade e então compará-la à nossa situação atual.

 

IV. O CONTEXTO HISTÓRICO DAS PASSAGENS

As passagens polêmicas fazem parte integral de duas cartas escritas pelos apóstolos Paulo e Pedro no início dos anos 60 D.C.14 Paulo endereçou a sua carta ao seu filho na fé Timóteo, que se encontrava na cidade de Éfeso supervisionando as igrejas da Ásia,15 enquanto que os eleitos … forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia receberam os conselhos e admoestações de Pedro (1 Pe 1.1), quase ao mesmo tempo. Em circulação entre essas pessoas provavelmente já estavam as cartas de Paulo aos Gálatas, Efésios, Colossenses e a Filemom, como também a carta de Tiago "às doze tribos que se encontram na Dispersão" (Tg 1.1).

 

A. O Império Romano

 

Nesse período, na cidade de Roma (onde Paulo esteve e Pedro estava), o desequilibrado imperador Nero (37-68 DC) manipulava o Império Romano. Existia uma sensação de instabilidade muito grande.16 Apesar da existência de leis e de um sistema de justiça tão bom que formou a base de muitos códigos civis da nossa atualidade, sabia-se que a vida de um ser humano valia muito pouco para os conquistadores.17 Outra evidência da degradação humana reinante podia ser vista nos divertimentos oferecidos nas principais cidades do império, onde os romanos haviam construído anfiteatros ou estádios. Eram violentos e brutais. Nos combates entre feras, milhares de animais morriam anualmente. Mas o gosto pelo derramamento de sangue se satisfazia mais terrivelmente ainda com a luta entre gladiadores, onde prisioneiros de guerra, escravos e criminosos eram armados e forçados a lutar até o fim. O vencido era morto.18

Em 64 DC, haveria um incêndio enorme em Roma. Muitos responsabilizariam Nero. Ele, por sua vez, acusaria os cristãos da cidade. Assim, a mando de Nero, apenas dois ou três anos depois de Paulo e Pedro terem escrito essas cartas, muitos cristãos seriam lançados às feras ou colocados, desarmados, para enfrentar gladiadores diante de milhares de espectadores nos anfiteatros de Roma.19 Seria o início de perseguições esporádicas pelo governo romano que durariam dois séculos e meio. Diz a tradição que os dois apóstolos foram mortos durante as perseguições neronianas.20

Na sociedade romana sob a influência de Nero (e dos seus antecessores), havia uma constante procura por excelência na qualidade e na estética, como também um interesse por novidades. Sendo grande amante das artes, Nero dava grande valor às coisas e pessoas bonitas. Nunca usava a mesma roupa duas vezes.21 Assim, a alta sociedade da época se preocupava com a sua aparência ainda mais que as gerações anteriores , e isto ocorria não somente na cidade de Roma mas em todo o império. Os gostos e costumes das mulheres romanas tornaram-se "chiques." Conhecer e satisfazer as tendências e as preferências romanas era vital para todos aqueles na Ásia Menor que trabalhavam com o comércio e também para aqueles que se destacavam na alta sociedade.

 

B. Ásia Menor

 

A província romana da Ásia se encontrava na enorme península denominada subseqüentemente como Ásia Menor, hoje conhecida como Turquia. Ponto, Galácia, Capadócia e Bitínia eram outras províncias romanas nessa mesma península. Juntamente com a Ásia, abrangiam a quase totalidade da Ásia Menor, excetuando a área costeira do sul.22

O fato pode surpreender, mas a província da Ásia foi a parte mais próspera do Império Romano durante os dois primeiros séculos da era cristã. Era a maior fonte da riqueza de Roma e várias rotas de caravanas que traziam os tesouros do Oriente (como algodão e seda) findavam na sua capital, Éfeso, centro político, comercial e cultural da área.23 Militares e governantes eram enviados de Roma até lá regularmente para manter as leis e a ordem, e também para supervisionar o comércio. Alguns traziam as suas famílias.

Tanto a Ásia quanto grande parte da Ásia Menor daquele período (especialmente no litoral) gozavam de um passado e presente cultural do mais alto nível. Para dizer a verdade, esse não seria igualado novamente no mundo ocidental até a renascença européia dos séculos XV e XVI.24 Apesar de já estar sob domínio romano por quase dois séculos (desde 133 AC), a península era essencialmente grega, pois havia sido colonizada pelos gregos no século VIII AC. Muitos dos filósofos, cientistas e artistas da antigüidade que admiramos e conhecemos como "gregos" realmente não eram do continente europeu, mas daqui, já bem antes do período apostólico.25 Algumas das esculturas "gregas" mais conhecidas através da história foram feitas por artistas da Ásia Menor.26 Três das "Sete Maravilhas do Mundo Antigo" encontravam-se na Ásia. 27

 

V. AS MULHERES DA ÁSIA MENOR

 

Já que ambas as missivas se destinaram primariamente a cristãos da Ásia Menor, cabe analisarmos as mulheres dessa área, citadas nominalmente nos escritos neo-testamentários, como representantes daquelas que estavam sendo instruídas pelos dois apóstolos. Dentre essas, encontramos Eunice, Priscila, Lídia, Áfia e Ninfa. Todas tinham ligações concretas com as igrejas ou províncias que receberam as instruções originais sobre o verdadeiro adorno feminino. Provenientes das quatro principais culturas que já estavam convivendo lado a lado na Ásia Menor por dois séculos ou mais, eram de ascendência romana, grega, judaica ou autóctone, com variado grau de integração com as culturas nas quais viviam. Um exame mais aproximado fará com que elas e as suas irmãs em Cristo possam tornar-se mais reais e relevantes para nós.

 

A. Mulheres Diversas com Personalidades Marcantes

 

Eunice (mãe de Timóteo) era uma mulher judia instruída e inteligente, com uma fé exemplar, casada com um incrédulo grego, de classe alta, que morava numa colônia romana da Ásia Menor e convivia com pessoas simples do interior (os licaônios) (At 16.1; 2 Tm 1.5, 3.15).28

 

Priscila representa uma mulher romana ou judia, de classe média ou alta, forte, inteligente e corajosa, provavelmente poliglota e instruída, bem casada com um judeu da Ásia Menor que, por causa da sua fé, enfrentou perseguições e aprendeu a viver bem em Roma, na Grécia e na Ásia Menor, absorvendo e refletindo aspectos significativos das três culturas (At 18.1-26; Ro 16.3-5; 1 Co 16.19; 2 Tm 4.19).29

 

Lídia (At 16.12-40) era uma mulher grega proveniente da cidade de Tiatira, na Ásia Menor. Ela vivia numa colônia romana e seguia a religião judaica. A sua profissão era ligada ao vestuário dispendioso (a venda de púrpura). Quando converteu-se à religião cristã, ela aparentemente conservou a sua profissão e atividades.

 

Deduzimos que Ninfa (de Laodicéia – Cl 4.15) e Áfia (de Colossos – Fm 1.2) eram mulheres ricas pois tinham casas suficientemente grandes para hospedarem igrejas. Conviviam com escravos cristãos (Cl 3.22-4.1). Provavelmente, eram de origem local (frígia – já bem aculturadas) ou grega.30

 

Observamos que todas essas cinco senhoras foram mencionadas com carinho e admiração por Paulo ou Lucas. Outros tipos de mulheres também se faziam presentes nas igrejas citadas. Além das esposas de homens descrentes ou infiéis (especificamente endereçadas nas instruções de Pedro) também estavam as filhas, mães ou irmãs destes. E não devemos supor que todas as mulheres participantes dos cultos eram convertidas, pois poderiam estar ali por convite das amigas, por obrigação (em submissão aos pais ou maridos) ou até terem sido batizadas após a conversão do homem da casa). Realmente não eram tão diferentes das senhoras e moças da atualidade, como pode nos parecer à primeira vista.

 

B. A Moda Romana

 

Ao nosso ver, as técnicas e produtos daqueles dias podem parecer muito artesanais e simples, comparados aos atuais. Mas as mulheres da Ásia Menor estavam vivendo num clima de crescente criatividade e desenvolvimento cultural. Este duraria até o declínio do império romano e não voltaria por mais mil anos.31 O exército romano mantinha a paz – a famosa Pax Romana – na maior parte do império. Produtos e pessoas cruzavam terra e mares com maior facilidade. O mercado para os tecidos e corantes asiáticos crescia e os comerciantes e os fabricantes tinham que inovar e melhorar para continuar garantindo o seu espaço no mercado mundial. Nota: A cidade de Laodicéia era famosa por sua lã negra e lustrosa, proveniente de ovelhas negras. Colossos era conhecida pela lã peculiarmente arroxeada. Tiatira era especializada em tinturaria.32 O nome para bordador em Roma era phrygio, de tão famoso que eram os bordadores da área de Frígia.33 Também era importante o controle dos produtos que chegavam mais e mais de países distantes (Pérsia, Índia, China) pelas caravanas. Ao mesmo tempo, as mulheres romanas tinham mais e melhores condições para acompanharem os seus maridos, trazendo consigo as últimas novidades.34 O conhecimento da última moda romana chegava constantemente a todas as principais cidades do império através das esposas e filhas dos governantes e militares de cada província e país. Como lavadeiras, costureiras, escravas, empregadas domésticas ou artesãs, como esposas ou filhas de comerciantes e artesãos, ou como parte da alta sociedade local, a maioria das mulheres tinha contato direto ou indireto com os costumes romanos.

Em meio a todas elas estavam muitas mulheres cujos maridos certamente eram fabricantes, comerciantes ou transportadores de roupas e produtos de beleza há anos. A renda da família poderia depender tanto dos produtos locais quanto daqueles que passavam pelas rotas das caravanas ao longo das quais estavam localizadas quase todas as cidades visitadas por Paulo. Considerando que o mercado principal era o romano, grande parte das mulheres locais já havia se adaptado ao domínio e às práticas romanas (com a exceção provável de umas poucas judias recém-imigradas35 e algumas mulheres nas áreas mais afastadas). O intercâmbio cultural era intenso e se não chegavam a seguir todas as tendências, pelo menos sabiam delas e muitas vezes viviam delas. Assim sendo, podemos imaginar a filha de um comerciante de tecidos tentando convencer o pai de que precisava de alguns metros do linho fino importado, ou a de uma costureira deslizando os dedos sobre uma seda macia enquanto sonha com o olhar apaixonado de um belo rapaz. Enquanto isso, as escravas das mulheres ricas ou aspirantes receberiam ordens para descobrir os segredos da "beleza" das romanas. Nas reuniões e festas, status e aceitação poderiam depender da sua aproximação aos valores ditados pela moda romana. Lídia e Priscila e as nossas outras três mulheres sempre haviam convivido com essa situação. Paulo também a conhecia.

 

VI. O EFEITO DO CRISTIANISMO NAS MULHERES DA ÁSIA MENOR

 

Era essa, pois, a situação em que se encontravam as mulheres cristãs da Ásia Menor. Várias raças, diversas línguas, religiões e culturas, modernidade ao lado de "atraso," e luxo e riqueza emparelhados com simplicidade ou pobreza. Mulheres nascendo, casando, criando filhos, enviuvando, trabalhando, sonhando, criando. Algumas haviam nascido em religiões variadas que não satisfaziam e que pouco se preocupavam em prover-lhes felicidade e sentido para a vida, especialmente por serem mulheres.36 Outras, como Eunice, já conheciam e respeitavam o Deus verdadeiro desde pequenas. Mas até para ela, e talvez principalmente para ela, a mensagem salvadora dos apóstolos significaria uma imensa e maravilhosa transformação e alegria.

O cristianismo estava tendo implicações enormes na estrutura das sociedades nas quais entrava. A pregação dos apóstolos significava uma mudança de vida tão radical que eles foram acusados de estarem transtornando o mundo, enquanto estavam na Grécia (At 17.6). E era verdade! Pela primeira vez na história humana, barreiras tradicionais que sempre haviam existido estavam sendo abertamente derrubadas. Analfabetas, letradas, escravas, servas, donas de casa, artesãs, esposas de comerciantes, "socialaites" e até ex-prostitutas poderiam estar sentadas lado a lado para adorar ao mesmo Deus e para aprender como agradá-lo. Maltratadas e bem-cuidadas, cansadas e animadas, ricas e pobres, solteiras, casadas e viúvas – elas repentinamente faziam parte da mesma família. Eram irmãs, filhas adotadas por um mesmo Pai da maneira como elas eram. E não somente as barreiras sociais estavam sendo desfeitas: também as culturais e nacionais haviam de ser esquecidas no convívio entre gregas, judias, romanas e locais. Paulo resumiu tudo isso na sua carta aos Colossenses (habitantes da província da Ásia), quando disse que na igreja "não importa a nacionalidade, a raça, a educação ou a posição social de alguém: estas coisas não significam nada. O que importa é se a pessoa tem Cristo ou não..." (Cl 3.11, Bíblia Viva)

Timóteo e os outros pastores estavam confrontando situações jamais vistas antes. Com a quebra dessas barreiras, um grande número de pessoas (e de senhoras) talvez estivesse sem entender os limites da sua nova liberdade. As epistolas de Paulo, Pedro e Tiago lidam com muitos dos problemas que surgiram. E um deles é o assunto do qual estamos tratando — com Paulo e Pedro determinando qual deveria ser o comportamento das mulheres nas igrejas e nos lares da Ásia Menor.

 

VII. A APROVAÇÃO IMPLÍCITA DE ORNAMENTOS NA BÍBLIA

 

Antes de voltarmos aos textos de 1 Timóteo e de 1 Pedro, interessa, em primeiro lugar, verificar o que indicam algumas das muitas referências sobre jóias, adornos e a beleza feminina constantes da revelação divina encontrada no restante da Bíblia.

Abraão, marido de Sara, aquela que Pedro elogia como exemplo de mulher santa, enviou jóias e vestidos para a futura esposa do seu filho, Isaque. "Tomou o homem um pendente de ouro de meio siclo de peso, e duas pulseiras para as mãos dela, do peso de dez siclos de ouro…Tirou jóias de ouro e de prata, e vestidos, e os deu a Rebeca" (Gn 24.22,47,53). Deus abençoou todos os passos para a realização desse matrimônio.

Deus permitiu que os israelitas recebessem jóias e roupas do povo do Egito (Ex 12.35) e aceitou com agrado a contribuição voluntária de uma parte destas para serem transformadas em utensílios e enfeites para o tabernáculo, o lugar em que ele seria adorado (Ex 35.22, 23; 28.17-20). Moisés transmitiu a mensagem: "Tomai, do que tendes, uma oferta para o Senhor; cada um, de coração disposto, voluntariamente a trará por oferta ao Senhor: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura, carmesim, linho fino, pêlos de cabras, peles…, pedras de ônix e pedras de engaste…(Ex 35.5-9). Êxodo 35 a 39 descreve a beleza desse tabernáculo e os detalhes das vestes dos sacerdotes, tudo do melhor e do mais bonito. Ouro, linho, pedras preciosas, anéis, argolas, coroa... Quando os israelitas tiraram o espólio do povo de Canaã, Deus nunca deu ordens para que deixassem de lado as jóias e roupas bonitas que estariam entre as riquezas que poderiam levar, nem que as aproveitassem de outra maneira. "Voltais às vossas tendas com grandes riquezas, com … prata, ouro,… e muitíssima roupa, reparti com vossos irmãos o despojo dos vossos inimigos" (Js 22.8).

No livro de Cantares de Salomão, que por muitos é considerado tanto um poema sobre o amor humano quanto uma expressão do amor entre Deus e o seu povo, Salomão falou à sua amada: "Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares" (Ct 1.10). Em Provérbios 11.9 e 25.12 a instrução dos pais e a palavra do sábio repreensor foram comparadas a um "diadema de graça para a tua cabeça, colares para o teu pescoço, e pendentes e jóias de ouro puro." A tão admirada mulher virtuosa de Provérbios 31 vestia-se de "linho fino e de púrpura" (v. 22) e conseguiu vestir a sua família com uma vistosa "lã escarlate" (v. 21). Seu valor excedia o de "finas jóias" (v. 1).

Quando Deus descreveu o seu amor para com o povo de Israel (Ez 16.8-14), ele disse:

Também te vesti de roupas bordadas, e te calcei com peles de animais marinhos, e te cingi de linho fino e te cobri de seda. Também te adornei com enfeites, e te pus braceletes nas mãos e um colar a roda do teu pescoço. Coloquei-te um pendente no nariz, arrecadas nas orelhas, e linda coroa na cabeça. Assim foste ornada de ouro e prata; o teu vestido era de linho fino, de seda, e de bordados;... eras formosa em extremo e chegaste a ser rainha. Correu a tua fama entre as nações por causa da tua formosura, pois era perfeita, por causa da minha glória que eu pusera em ti.

Em Isaías 61.10, a beleza da salvação foi comparada à da "noiva que se enfeita com as suas jóias," enquanto que em Apocalipse 21.2 a Nova Jerusalém está "ataviada como noiva adornada para o seu esposo." As pérolas foram consideradas coisas de valor por Jesus em Mateus 7.6 e por Deus em Apocalipse 21.21.

É verdade que as citações acima são descritivas e não prescritivas. Deus, nessas passagens, não fez nenhuma declaração específica aprovando ou encorajando os adornos femininos. Mas é importante notar que ele também não os proibiu. Nas passagens em que Deus castiga as mulheres do seu povo, tirando os seus adornos, a razão dada é que elas os haviam usado de maneira imprópria (Ez 16). Não há declaração de que esses sejam errados em si. No mesmo capítulo, a mulher que representa Judá seria despida dos seus vestidos enquanto que as suas finas jóias seriam tomadas por causa da sua lascívia e prostituição. Não somente seus vestidos de luxo seriam tirados, mas toda a roupa, pois ela ficaria completamente nua e descoberta (v. 39), e ninguém disputa a propriedade de se usar roupa.

Também em Isaías 3.16-24 "as filhas de Sião" estavam sendo altivas, andando de pescoço emproado, de olhares impudentes, e de maneira vergonhosa (como as de Sodoma). Deus então catalogou uma lista completa dos objetos para embelezamento que ele iria tirar delas – uma lista que tem sido usada por muitos comentaristas do passado para resumir tudo que pensam que Deus não aprova (apesar de falar também de mantos, espelhos, bolsas e véus). Mas basta reler o início de Ezequiel 16 para sentir como Deus estava validando e se identificando com o profundo anseio das mulheres que ele mesmo imaginou e criou de serem bonitas e admiradas. Observemos que é com os lindos objetos de adorno que ele completa a perfeição da formosura dessa mulher que representa o seu povo amado. Aquela mulher bonita (e adornada), entretanto, não deveria se esquecer de que a sua beleza foi dada e permitida por Deus com o propósito de ser usado para refletir a sua glória: "Correu a tua fama… por causa da minha glória que eu pusera em ti" (v. 14). Foi quando as mulheres se desviaram desse propósito e confiaram na sua própria formosura que os adornos foram retirados.

As passagens acima demonstram que se Deus tivesse aversão ao adorno externo feminino, ele teria usado essas ocasiões, que seriam óbvias, para avisar ao seu povo que ele não queria o uso desses enfeites. De fato, personagens bíblicas deram, usaram e receberam jóias, enfeites e roupas bonitas sem recriminação da sua parte. Ele embelezou o seu tabernáculo e os sacerdotes com jóias e adornos. O maior exemplo do significado das sublimes bênçãos divinas, que ele mesmo mencionou, é o do homem que procura satisfazer à sua amada, cobrindo-a de adornos por inteiro. Ele conclui a sua revelação aos seus filhos descrevendo a beleza da sua igreja e da futura Jerusalém, usando a noiva enfeitada como a ilustração mais adequada.

 

VIII. ANÁLISE DOS TEXTOS DA CONTROVÉRSIA

 

Voltemos agora aos textos da controvérsia. Paulo e Pedro, falando a senhoras e moças nas igrejas recém-formadas, compararam dois tipos de "adornos." Aparentemente, os dois condenaram o primeiro tipo, o "adorno exterior." Mas olhemos, com muita atenção, algumas outras passagens da Bíblia (escolhidas dentre muitas) em que também são feitas comparações ou contrastes.

 

A. Comparações em Outros Textos

 

No Antigo Testamento, em Gênesis 45.8, José falou: "...não fostes vós que me enviastes para cá, e, sim, Deus…" Assim, à primeira vista, poderíamos concluir que os irmãos de José não o mandaram para Egito. Mas, um pouquinho antes (no v. 4), José já havia dito: "Eu sou José, vosso irmão, a quem vendestes para o Egito."

No Salmo 51.16-17, o rei Davi expressa a sua imensa contrição pelos pecados de adultério e de homicídio cometidos por ele e faz as seguintes declarações ao seu Deus: "Pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus."

No Novo Testamento, podemos estranhar algumas declarações de Jesus. Em Lucas 14.12 ele ensina: "Quando deres um jantar ou uma ceia, não convides os teus amigos... nem teus parentes... antes convida os pobres..." Depois, em João 6.27, ele aconselha: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna..." Falando de Lázaro em João 11.4, Jesus diz: "Esta enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus."

Por que Davi falaria que Deus não se compraz com sacrifícios e holocaustos quando todos nós sabemos que a "Bíblia" dele estava repleta de instruções sobre como e quando oferecê-los?37 Podemos concluir que Jesus proibiu que convidemos os nossos amigos para jantar em nossa casa quando ele mesmo freqüente e alegremente aceitou convites para jantar (Lc 7.36; Jo 12.2) e organizou a "última ceia" para celebrar a Páscoa com seus amigos mais íntimos (Lc 22.7-23)? Se não devemos trabalhar pelo nosso sustento, Paulo estaria contradizendo Jesus quando ele ordenou que aquele que não quisesse trabalhar não deveria ser alimentado e exortou as pessoas preguiçosas a trabalharem para comer (2 Ts 3.10-12)? Se Lázaro não morreu, como explicar a revelação posterior de Jesus (Jo 11.14) quando afirmou claramente: "Lázaro morreu"?

 

B. Expressões Idiomáticas nas Línguas Semíticas

 

A resposta ao enigma aparente é simples. Acontece que estamos lidando com expressões idiomáticas freqüentemente usadas pelos judeus.38 Em muitas ocasiões, quando queriam comparar ou contrastar duas coisas, eles deixavam de lado as palavras limitadoras e falavam coisas opostas para enfatizarem o que queriam dizer. Muitas vezes diziam "não... mas" ou "não... sim," quando o significado real era "nem tanto... mas muito mais" ou "não primariamente (ou meramente ou apenas)... mas especialmente (ou muito mais ou também)."39 Todo mundo quase sempre entendia isso da maneira como deveria ser entendido. Mas a nossa língua não funciona assim e quando a Bíblia foi traduzida para o português (e para muitas outras línguas), os tradutores, nesses casos, deixaram o entendimento para o nosso bom senso, em vez de adicionar palavras àquelas que se encontravam no texto original.

 

1. Aplicação aos Outros Textos

 

Podemos e devemos concluir que há uma expressão idiomática nessas passagens. Voltando ao Salmo 51, lemos logo depois, no versículo 19: "Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos holocaustos e das ofertas queimadas; e sobre o teu altar se oferecerão novilhos." Davi estava ciente de que, naquela hora, "Deus não poderia se agradar de meros sacrifícios externos — das ofertas de sangue em si, desacompanhadas da expressão de penitência genuína."40 Eis a palavra chave com a qual o primeiro versículo pode fazer sentido. Assim, podemos parafrasear o texto da seguinte maneira: "Pois não te comprazes em meros sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas meramente de holocaustos. Sacrifícios muito mais agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus."

Voltando aos outros versículos, colocaremos as palavras que farão com que as declarações tenham mais sentido em nossa língua:

 

"Assim não fostes (apenas, meramente ou tanto) vós que me enviastes para cá, mas muito mais (em primeiro lugar) Deus."

 

"Quando deres um jantar... não convides (apenas ou sempre) os teus amigos, ... mas convida especialmente os pobres."

 

"Trabalhai, não (primariamente ou meramente) pela comida que perece, mas especialmente pela que subsiste para a vida eterna."

 

"Esta enfermidade não é (somente ou primariamente) para morte, mas especialmente para a glória de Deus."

 

 

 

 

 

2. Aplicação aos Textos de 1 Timóteo e 1 Pedro

 

Seguindo nessa mesma linha de raciocínio, os nossos versículos sobre o adorno poderiam ser entendidos da seguinte maneira:

Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não tanto com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, mas muito mais com boas obras...

Não seja o adorno das esposas primariamente o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; mas muito (infinitamente!) mais o homem interior do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus...

Pode-se, entretanto, argumentar que essas cartas foram escritas em grego e que, se isso é uma expressão idiomática semítica, por que estaria presente nessa língua? É preciso, porém, observar que existem outras passagens gregas no Novo Testamento que chamam para si interpretações semelhantes, indicando que essa questão é muito mais de estrutura de pensamento hebraica, que permanece inalterada mesmo quando os autores se expressam em grego, do que uma questão linguística. O apóstolo João em 1 João 3.18 declara: "Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade." O mesmo ocorre com a declaração de Paulo em 1 Coríntios 15.10.

Ao examinarmos na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento usada nas sinagogas da Ásia Menor) os textos anteriormente citados (Salmo 51 e Gênesis 45), verificamos que ela traslada para o grego, de forma semelhante e com os mesmos negativos utilizados por Pedro, a expressão idiomática que está presente no texto hebraico. Sabemos, também, que Paulo e Pedro não somente nasceram e cresceram usando o hebraico/aramaico, mas que continuavam constantemente tendo contato com pessoas que usavam e falavam esses idiomas.41 Resumindo, pois, constatamos que (pelo menos à exceção dos textos em debate) não há proibição do uso de adornos em nenhum lugar da Bíblia e que há ampla descrição da existência e do uso desses entre o povo de Deus. Observamos, também, que a adição de certas palavras tem sido necessária, às vezes, em várias porções da Palavra, para que não haja distorções na mensagem de Deus. Provamos que existe a possibilidade de que Paulo e Pedro42 tenham utilizado a maneira semítica usual para enfatizar esse contraste entre o "adorno" físico e o espiritual. Vamos, agora, analisar outras interpretações desses textos, e observar o contexto geral das Escrituras sobre as questões do legalismo e da beleza, para concluirmos que o nosso entendimento da questão realmente se enquadra na intenção dos autores.

 

IX. ANÁLISE DE OUTRAS INTERPRETAÇÕES

 

A. Interpretações que Proíbem os Adornos Femininos

 

Os dois escritores do Novo Testamento poderiam realmente estar transmitindo uma nova orientação de Deus ou, talvez, uma orientação mais clara ou abrangente. Conseqüentemente, uma das marcas das mulheres participantes da Nova Aliança seria uma completa (ou quase completa) ausência de adornos e enfeites. Assim, os termos decência e modéstia (1 Tm 2.9) acabavam de ser melhor definidos.

Como já vimos, essa tem sido a conclusão de muitos teólogos e comentaristas desde os primeiros séculos da era cristã até aos dias de hoje.43 Outros procuram amenizar a aparente força das palavras de Paulo e Pedro observando que Paulo estava falando primariamente sobre as mulheres no culto e Pedro sobre as esposas, e assim sugerem que as diretrizes talvez se limitem aos dois ambientes citados.44

Alguns nutrem a noção de que Pedro e Paulo realmente estavam proibindo os adornos, mas que essas instruções dos apóstolos tratavam de situações restritas àquele tempo e portanto não são normativas para as mulheres cristãs dos séculos XX (e XXI).45 Para concluir, existem ainda aqueles que questionam tanto a própria autoria de Paulo e Pedro quanto a divina inspiração das suas cartas. Para esses que desconsideram a autoridade eterna da Palavra, não existe nenhuma dificuldade ou utilidade maior no texto além da avaliação do efeito histórico.46

 

B. Interpretações que Permitem (ou Toleram) os Adornos Femininos

 

Por outro lado, temos Kistemaker e outros que concluem que Paulo e Pedro não tinham a mínima intenção de fazer com que as mulheres se abstivessem do embelezamento pessoal, ou que andassem fora da moda, mas que não explicam como então ler o texto sem ignorá-lo. Ele escreve: "Pedro não diz que a mulher deve se abster dos adornos. Ele não proíbe o uso de cosméticos, nem o uso de trajes atraentes. A ênfase de Pedro não é na proibição mas num senso apropriado de valores."47 Mas não explica! Hendriksen deixa um espaço aberto para os adornos externos quando traduz o início de 1 Timóteo 2.9 "que as mulheres se adornem com trajes de adorno com modéstia e bom senso…", e completa: "É claro, portanto, que o apóstolo não condena o desejo da parte de moças e mulheres – um desejo criado nas suas almas por seu Criador – de se adornarem, de usarem de ‘bom gosto’."48 Mas não explica!

Com relação à autoria e autoridade das epístolas, nos unimos àqueles que consideram que os ensinamentos desses textos bíblicos procedem realmente de Paulo e Pedro, sob a inspiração do Espírito Santo, e que continuam sendo normativos. Temos certeza, porém, de que eles não estavam iniciando uma nova fase na qual qualquer tipo de adorno era categoricamente proibido às mulheres tementes a Deus. Cremos que, realmente, estamos lidando com uma expressão idiomática semítica em ambos os textos, e que o adorno externo não estava sendo proibido. A seguir, citamos algumas razões.

 

X. UMA AVALIAÇÃO MAIS AMPLA

 

A. As Proibições não Condizem com os Outros Ensinamentos de Paulo e Pedro

 

A proibição categórica contra os enfeites femininos não condiz com qualquer outro ensino registrado dos dois apóstolos. Em nenhum outro lugar, Paulo e Pedro proibiram ou exigiram qualquer ação ou atitude que não fosse ligada especificamente à ordem da criação ou à lei moral de Deus.49 Na mesma carta a Timóteo (4.1-5), Paulo já alertou contra aqueles que "proíbem o casamento,50 exigem abstinência de alimentos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graça, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável, porque pela palavra de Deus, e pela oração, é santificado." Chegou a dizer que as pessoas que ensinam a prática do ascetismo terão apostatado da fé, por terem obedecido "a espíritos enganadores e a ensinos de demônios" (v.1).

 

1. O Perigo do Ascetismo e do Legalismo

 

Sob a orientação do Espírito (o Espírito afirma expressamente, 1 Tm 4.1), Paulo estava preparando os novos crentes para não se perderem num novo legalismo. Tanto os homens quanto as mulheres teriam que aprender a se preocupar primariamente com o espírito da lei – a lei do amor a Deus e ao próximo. Ele empreendeu uma campanha tremenda contra o legalismo dos judaizantes e contra aqueles que pretendiam introduzir ou impor o ascetismo (a auto-negação) na nova fé cristã. Romanos 14 ilustra muito bem a sua atitude. Falando sobre a questão de comidas oferecidas aos ídolos e da observação de dias, Paulo disse: "Eu estou persuadido no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura…. Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (vv.14, 17). Enquanto isso, no Concílio de Jerusalém, Pedro também lutou contra o legalismo judaico (At 15.7, 10).

 

2. A Liberdade Cristã

 

Em 1 Coríntios 8-10, Paulo trata do mesmo assunto: "Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus" (10.31).51 Colossenses 2.20 é muito forte:

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens?… Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa humildade, e rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade.

Na carta aos Gálatas, ele escreve: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão" (5.1). Na subseqüente lista das obras da carne (5.19-21), encontramos somente atitudes e ações diretamente proibidas na lei moral ou que implicam em uso exagerado de algo que é legítimo (como glutonarias).

Continuando com o raciocínio de Paulo, poderíamos parafrasear Romanos 14.3,13-23:

Tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão... Nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera... Quem usa adornos, para o senhor os usa, porque dá graças a Deus; e quem não usa adornos, para o senhor não os usa, e dá graças a Deus. Porque o reino de Deus não consiste de jóias, penteados, roupas chiques ou cosméticos, mas de justiça, e paz, e alegria no Espirito Santo... Quem usa adornos não despreze a que não usa; e a que não usa não julgue a que usa, porque Deus a acolheu... Seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros. Não destruas a obra de Deus por causa dos seus adornos... É bom não fazer qualquer coisa com que teu irmão venha a tropeçar (ou se ofender, ou se enfraquecer)… Bem-aventurada é aquela que não se condena naquilo que aprova. Mas aquela que tem dúvidas é condenada, se usar, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém de fé é pecado.

 

B. A Capacidade Humana de Apreciar a Beleza é um Dom Divino

 

1. A Percepção da Perfeição

 

Em segundo lugar, não devemos nos esquecer nunca de que foi Deus quem nos deu a capacidade de reconhecer, apreciar e desejar a beleza, como também de criá-la,52 ainda que de maneira imperfeita e finita. Faz parte da imagem de Deus em nós, distorcida pelo pecado, mas ainda existente nos seres que ele criou. É através da beleza, da perfeição e da precisão de sua criação que ele comunica a sua existência, personalidade e glória a nós, seres humanos (Salmo 19). E, apesar da nossa distorcida apreensão moral, ele continua nos dotando com os cinco sentidos, com os quais podemos e devemos perceber e nos encantar com a perfeição de cores e simetria, melodia e harmonia, fragrância e aroma, leveza e maciez, sabor e doçura. Somente os seres humanos têm essas percepções. Todas essas qualidades podem ser personificadas numa única mulher, especialmente quando ela desenvolve os dois lados do seu ser – completando e aperfeiçoando a sua formosura e elegância exterior com a graça e excelência do seu espírito interior.

 

2. A Percepção da Imperfeição

 

Também faz parte da imagem de Deus em nós a rejeição inata, pelos nossos sentidos, das coisas imperfeitas — desbotadas ou assimétricas, destoantes ou desarmoniosas, mal-cheirosas ou sufocantes, grosseiras ou ásperas, insípidas ou amargas. A imperfeição e deformação nunca foram obra nem desejo de Deus. São resultados do pecado, do trabalho de Satanás no mundo. Ele nos mutilou não somente na alma, mas também na nossa aparência. É raro não termos algo desproporcional, torto ou até feio em nosso rosto ou corpo. E quando, porventura, nascemos e crescemos belos, em pouco tempo o clima, as doenças, os vícios e a velhice começam a devastar a nossa beleza . Alguém filosofou que "começamos a morrer no dia em que nascemos." Por isso, em Eclesiastes 12, Salomão alerta os jovens quanto à efemeridade da vida e à importância de dar valor ao seu relacionamento espiritual, descrevendo de maneira inesquecível e marcante a triste deterioração do corpo que acompanha o envelhecimento.

 

3. O valor da beleza na Bíblia

 

É interessante notar que Deus inspirou Moisés a registrar que as esposas amadas pelos três pais da fé — os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó — foram todas lindas. Sara era sobremaneira formosa ao ponto de ser cobiçada por reis, Rebeca mui formosa de aparência e Raquel formosa de porte e de semblante (Gn 12.14; 24.16; 29.17). Enquanto isso, Lia tinha os olhos baços e a diferença na beleza física é a única razão (registrada, pelo menos) para o fato de que Jacó amou mais a Raquel do que a Lia — a quem até desprezou (Gn 29.17, 30, 31). Deus também deixou registrada a importância e o impacto que a beleza física de mulheres, esposas e noivas teve nos reis, como Davi e Salomão (1 Sm 25.3; 2 Sm 11.2; 1 Rs 11; Ct 1.10). Tudo concorre para indicar que os homens realmente refletem a capacidade divina de apreciar a harmonia e a estética da beleza externa e, também, que tendem a procurar e apreciar companheiras belas.53

Na sua palavra, Deus usa o contraste entre a perfeição e a imperfeição física, tanto a estética quanto a corpórea, para ilustrar não somente a miséria do nosso pecado mas especialmente a beleza da nossa restauração espiritual. Já vimos a passagem em Ezequiel 16 em que Deus descreve como ele vestiu e adornou a mulher representando Judá, e como ele a deixou feia e nua por causa do seu pecado. E Paulo foi divinamente inspirado, na sua carta aos Efésios, a comparar a igreja que Cristo está preparando para si à maneira como muitas mulheres sonham ser na sua aparência externa, e que muitos homens almejam encontrar nas suas companheiras54 — "gloriosa, sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito" (Ef 5.27).

 

4. Roupas práticas, ou bonitas também?

 

Existe, portanto, na mente humana, a capacidade de imaginar e reconhecer a aparência ideal, bela ou perfeita. A aparência agradável, porém, é atingível numa infinita variedade de combinações por causa da criatividade do nosso Deus. Visualizamos essa criatividade não somente nos seres humanos mas também no resto da criação. É Jesus quem chama a nossa atenção para a beleza das flores no campo, falando, curiosamente, sobre a nossa preocupação com o que vestimos (Mt 6.28-30):

E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé?

Jesus diz que podemos confiar em Deus para providenciar tudo que precisamos, inclusive as roupas. E ele nem nos leva a refletir sobre a utilidade dos nossos trajes no sentido óbvio e esperado de proteção contra nudez, calor e frio.55 Em vez disso, ele fala da beleza das flores – uma beleza tão grande que tira o fôlego de qualquer um que realmente pára com o propósito de olhá-las, tanto de perto quanto de longe. E ele nos pergunta quanto mais não deveríamos esperar daquele que veste assim as flores que são tão transitórias e tão insignificantes em termos de valor real.

 

5. A Superioridade da Beleza Interior

 

Deus, portanto, criou e permite a beleza do universo e da humanidade. Faz parte da nossa natureza apreciá-la e querer estar na presença dela. Mas, muitas vezes, nós não a temos por completo e nem temos acesso a todos os recursos necessários para alcançá-la. Quando, porém, somos filhos de Deus, começamos a compreender que não foi apenas a beleza externa que foi corrompida pelo pecado. O nosso espírito — a nossa personalidade, o nosso caráter, as nossas atitudes — tudo ficou horrivelmente desfigurado com a queda de Adão e Eva. Isso afetou os nossos relacionamentos — tanto o vertical quanto os horizontais. A nossa redenção, a nossa volta à perfeição, começa internamente quando confessamos Jesus como nosso Salvador e Senhor. Deus espera que a nossa maior preocupação agora seja com o desenvolvimento e a expressão do nosso lado espiritual – o homem interior do coração demonstrando a sua piedade pelas boas obras (1 Pe 3.4: 1 Tm 2.10). O crescimento espiritual faz com que, apesar de sermos muito mais sensíveis à beleza que pode ser encontrada em tantas coisas e seres que nos cercam, somos capazes de apreciá-la sem fazer questão de tê-la. O ter e o aparecer não têm mais a mesma importância, exceto quando nos são úteis em nosso serviço ao nosso precioso Deus. E o mais maravilhoso de tudo é que ainda que a beleza externa humana não exista ou se desvaneça com o passar do tempo, a beleza interna pode crescer e dar expressão agradável ao corpo.

 

XI. O ADORNO DAS "MULHERES PIEDOSAS"

 

A. As Exortações de Paulo

 

Existia muita oposição entre os gregos aos seguidores do "Caminho." Os gregos que se mantinham através dos negócios que envolviam o culto aos ídolos se viam ameaçados com a pregação da adoração a um único Deus (At 19.23-26). Os judeus não queriam aceitar Jesus como o Messias e consideravam a pregação paulina como blasfêmia.56 As mulheres romanas nas novas igrejas, estariam sendo coagidas por seus conterrâneos a prestarem culto também ao imperador Nero.57 Em meio a tantas dificuldades, quando muitas estavam sendo hostilizadas por suas próprias famílias e comunidades, elas necessitavam desesperadamente de união espiritual.

Em vez disso, pode ser que Paulo estivesse notando que certas irmãs estavam fazendo com que as outras se sentissem desprezadas. Já que elas estavam acostumadas a se arrumar quando iam para algum lugar importante (acontecimento talvez raro na vida de muitas delas), agora estavam querendo levar essa prática para as reuniões semanais (e, às vezes, diárias) da igreja. Afinal, a sua fé agora era a coisa principal nas suas vidas. Enquanto algumas tinham que usar roupas e adereços bem simples por força de tradição ou de pobreza, outras estavam chegando aos cultos totalmente "produzidas" conforme o estilo da época, tendo gasto tempo e dinheiro, dos quais as outras não dispunham, com seus penteados, roupas e jóias. Possivelmente, os cultos em alguns lugares estavam começando a parecer desfiles de moda! E isso poderia levar àquela acepção de pessoas tão condenada anteriormente pelo apóstolo Tiago quando ele alertou contra a tendência que havia no ser humano de tratar com deferência àquela pessoa que andava "com anéis de ouro nos dedos, em trajes de luxo" e desprezar o "pobre andrajoso" que também havia entrado para participar dos cultos (Tg 2.1-2). Em vez de gastarem os seus esforços na demonstração de amor, bondade, generosidade e compaixão, algumas irmãs estariam ficando orgulhosas, vaidosas, invejosas, insensíveis. Outras não respeitavam mais a opinião dos seus familiares e irmãos com relação àquilo que seria decente ou modesto. Não queriam abrir mão da vontade e prazer de ter status aos olhos das pessoas que lhes cercavam. Estava sendo difícil compreender que a sua liberdade cristã terminava logo que ela afetava o bem-estar de outras pessoas.

Paulo queria que elas entendessem que havia tempo e lugar para tudo. Isso não significava que as mulheres ricas tinham que andar com roupas de pobre ou alisar os cabelos toda vez que iam aos cultos.58 Também não seriam obrigadas a prender os cabelos e os vestidos com enfeites de qualidade inferior. Simplesmente, era necessário que entendessem que elas tinham que parar de ser vaidosas. Não deviam estar se preocupando com luxo e ostentação, enquanto deixavam passar as oportunidades para servir a Deus e à comunidade cristã com boas obras.

Da mesma forma, as mulheres tinham que respeitar não somente as suas irmãs em Cristo, mas também os irmãos presentes nos cultos, tanto os solteiros quanto os casados ou viúvos. Tinham que vestir-se "em traje decente,…com modéstia e bom senso" (1 Tm 2.9).59 Nada na sua aparência deveria desviar o pensamento dos irmãos (nem dos pastores) nem causar-lhes desconforto ou incômodo.

 

B. As Exortações de Pedro

 

Pedro, por outro lado, falou especificamente às esposas, judias e gentias. Algumas, com certeza, eram esposas ou filhas de pessoas que lidavam com produtos para o adorno. É interessante observar que o conselho sobre o exagero no adorno das esposas faz parte duma exortação sobre como "ganhar o seu marido descrente para Cristo." Ele começou dizendo (1 Pe 3.1-2):

Mulheres, sede vós, igualmente, submissas a vossos próprios maridos, para que, se alguns deles ainda não obedecem à palavra, sejam ganhos, sem palavra alguma, por meio do procedimento de suas esposas, ao observarem o vosso honesto comportamento cheio de temor.

Para muitas mulheres gentias, convivendo com a realidade da época em que era comum e aceito um homem ter uma amante e freqüentar casas de prostituição,60 Pedro estava abrindo (e não diminuindo) o leque de possibilidades para elas ganharem os seus maridos, não somente para Cristo, mas também para si. Elas poderiam aumentar ou completar a sua beleza, esforçando-se para adornar a sua alma, sendo submissas aos maridos e tendo um comportamento honesto. Ao desenvolver um espírito manso e tranqüilo no seu lidar diário com esses homens, bons ou ruins, crentes ou descrentes, elas poderiam esperar em Deus pelo resultado, sem temer perturbação alguma.

Todas poderiam tirar ânimo de Sara, que fez isso quando seu marido, Abraão, resolveu (duas vezes) não esperar em Deus e entregá-la aos caprichos de homens perversos e pervertidos (Gn 12.10-20 e Gn 20).61 Pedro não ensinou aqui que elas deveriam se descuidar da aparência e arriscar a perda do amor ou do respeito dos seus maridos. Nada disso. Nem elas deveriam jogar fora os seus vestidos bonitos e suas jóias, insistindo com seus maridos que não mais podiam acompanhá-los aos jantares sociais. Elas ainda podiam e deviam enfeitar-se com o propósito de agradar os seus esposos, mas não para se ostentar a despeito da opinião deles. Pedro insistiu, não que o aspecto exterior devesse ser negligenciado, mas que agora o desenvolvimento do seu caráter, e o agradar aos seus maridos, deveria ser item prioritário nas suas vidas e fazer com que elas alcançassem uma beleza mais completa, duradoura e satisfatória.

Pode ter sido também que algumas mulheres estivessem enlouquecendo seus esposos com a sua insistência em seguir a moda. Tinham que ter mais e mais dinheiro para comprar novos tecidos e jóias e, em vez de cuidarem das suas casas e famílias, gastavam seu tempo preparando e mantendo seus penteados e aparência. Seria realmente difícil para um marido daquele tempo dormir ao lado duma mulher tentando preservar um penteado igual a alguns que vemos nas estátuas da época! Podemos imaginar algum marido irado se queixando a Pedro sobre a sua experiência nesse sentido. Algumas simplesmente não estavam ligando mais para a opinião dos seus cônjuges, talvez por achar que não tinham mais autoridade por não serem crentes. Além disso, Pedro estava alertando-as de que as perseguições já em andamento iriam aumentar (com as perseguições de Nero, ver 1 Pe 4.12-19). Se elas se prendessem demais aos seus adornos e à sua posição social, não estariam prontas para renunciar a tudo por amor a Deus, na hora da provação.

 

CONCLUSÕES

 

A. A Mulher Cristã Pode se Enfeitar

 

Concluímos, então, que a Bíblia não apoia a proibição absoluta aos adornos femininos, nem nas duas passagens em questão e nem em qualquer outro lugar. Vimos que existem outras passagens que contêm comparações ou contrastes que necessitam receber uma leitura alternativa por representarem expressões idiomáticas semíticas. Examinamos as outras passagens sobre adornos e comprovamos que não contêm condenação. Verificamos o repúdio bíblico ao ascetismo e ao legalismo. Confirmamos que a apreciação do belo é algo que nos é dado por Deus. Percebemos que uma proibição não é compatível com o espírito e o exemplo de Paulo e Pedro. Assim sendo, podemos inferir que, nos textos principais examinados, realmente estamos lidando com uma peculiaridade de expressão idiomática-cultural, no contraste traçado entre os adornos exterior e interior, sem receio nenhum de estarmos torcendo a intenção das palavras inspiradas dos apóstolos.

 

B. A Beleza do Espírito Deve Ultrapassar a Beleza do Corpo

 

Mas não podemos nos empolgar demais com essa descoberta e esquecer que a parte mais importante (o "especialmente" ou o "muito mais") de ambos os versículos da controvérsia se encontra na outra metade. Há dois tipos de adornos, sim. Estabelecemos que não podemos dizer que um tipo está errado e o outro certo. Mas o contraste continua existindo, e esse contraste é entre uma beleza exterior e uma beleza interior ou entre um adorno inferior e um adorno muito superior. Todavia, não é interditando o primeiro que iremos chegar à plena realização do segundo.

 

C. Equilibrando as Duas Belezas

 

O nosso entendimento não deve, portanto, parar aqui, pois é exatamente esta compreensão (que a beleza interior é infinitamente superior à exterior) que torna uma comunidade cristã tão especial. Pessoas fisicamente feias ou deformadas são sinceramente respeitadas e amadas por seu caráter, dons e atitudes. Há lugar para todos. Não é preciso ser bonito, rico, elegantemente vestido ou adornado para ter aceitação entre nós.

Por outro lado, a beleza externa pode ser promovida e utilizada para glorificar a Deus, sempre dentro do contexto das palavras de Pedro — com decência, modéstia e bom senso. A beleza natural pode ser realçada, os defeitos ocultados, as marcas do tempo atenuadas, as gorduras e celulites combatidas, as roupas serem modernas, elegantes e combinadas. Mas quando a mulher que se diz cristã gasta mais tempo, dinheiro e esforço com a sua aparência física de que com o desenvolvimento do "fruto do espírito" (como a mansidão e a tranqüilidade que Pedro cita), algo está muito errado!

 

D. O Desafio Continua

 

Agora que conhecemos a situação das mulheres que receberam as orientações de Paulo e de Pedro sobre os seus adornos, penso que podemos nos identificar muito melhor com elas e aplicar as lições que elas tiveram que aprender às nossas vidas também. Sentadas nos bancos das nossas igrejas brasileiras, há uma diversidade igualmente grande de mulheres e moças. Somos pobres, ricas ou de classe média... Somos analfabetas, letradas, empregadas, patroas, profissionais, donas de casa... Somos solteiras, divorciadas, casadas, viúvas... Somos morenas, indígenas, brancas, orientais... Somos nordestinas, nortistas, paulistas, cariocas, gaúchas, estrangeiras... Algumas são crentes novas, enquanto outras cresceram na fé. Várias têm que conviver com maridos ou parentes descrentes. Juntas, temos oportunidades incríveis para mostrar e sentir amor e tolerância de maneiras inéditas e preciosas.

Como elas, vivemos numa sociedade onde há leis mas nem sempre a justiça está ao alcance de todos. Podemos gastar o nosso tempo e dinheiro ajudando e aliviando os irmãos que não conseguem aquilo que deveria ser seu direito. O nosso mundo, como o delas, está cheio de oportunidades para servir a Deus. Bem presente em nosso meio, também, está a falta de valorização da vida humana demonstrada na violência nas ruas e nos lares das nossas cidades. Agora, como então, precisamos nos engajar na pregação e no ensino das verdades bíblicas para que possa ser revertida essa situação lamentável em nosso país, através de vidas transformadas para a glória de Deus!

Do mesmo modo, algumas pessoas que não tem nada a ver conosco, como as mulheres romanas na Ásia Menor, ditam o corte dos nossos cabelos, o comprimento, a cor e a marca das nossas roupas e até o formato aceitável das nossas bijuterias, cintos e sapatos. Status, auto-estima e aceitação para muitas mulheres estão diretamente ligados aos caprichos dessa minoria. Querem mandar em cada pormenor do nosso visual, e fazem com que nós nos sintamos culpadas e incompletas quando algo em nós ou em nossas filhas não está em conformidade com os modismos da época. Da mesma forma que as asiáticas sob a pax romana, estamos começando a gozar de estabilidade econômica, com uma crescente oferta de produtos e serviços nacionais e importados destinados a melhorar o nosso exterior.

 

 

 

 

E. O Nosso Desafio é Maior

 

Nem tudo é igual, entretanto. Antigamente, não existiam os meios de comunicação dos quais desfrutamos hoje em dia. Os convites e as oportunidades para o embelezamento eram mais infreqüentes. Atualmente, o fascínio com a aparência externa é generalizado numa sociedade que maximiza a realização pessoal e a "perfeição" do corpo humano duma maneira nunca vista antes. Somos bombardeados por todos os lados. Até nas filas dos supermercados, os nossos olhos caem nas capas das revistas e objetos colocados estrategicamente para nos chamar a atenção. Somos convidados a partilhar dos segredos de beleza e da forma física de alguma atriz ou personagem televisiva, ou a experimentar o mais novo produto para disfarçar ou eliminar algo em nós que sabemos não ser atraente. Confusas, corremos de um produto para outro, enchendo os nossos armários com um sem número de frascos e potes rejeitados quando ainda quase cheios, sem coragem de colocá-los no lixo, pois isso confirmaria a nossa sensação de ter jogado dinheiro fora. Quando finalmente resolvemos comprar uma roupa ou um sapato para a nossa filha, ficamos estarrecidas em saber um mês depois que "ninguém mais usa isso, mãe!" É preciso, com certeza, muita sabedoria (e oração) para estabelecer os limites entre o necessário e o supérfluo e para saber quando, e o que, comprar ou fazer. Temos que ser cristãs criteriosas, exercendo bem a liberdade de escolha pela qual Paulo tanto lutou.

 

F. Corpo e Alma – a Serviço do Criador da Beleza

 

Quando realmente nos conscientizarmos de que existem valores superiores e que o nosso tempo e dinheiro são preciosas dádivas de Deus, daremos menos importância àqueles detalhes do nosso aspecto exterior que não podemos ou que talvez não devemos modificar, seja por razões financeiras, circunstanciais ou espirituais. Não conseguiremos mais passar horas a fio com cabeleireiros, manicuras ou em academias lutando unicamente para embelezar o nosso corpo enquanto muitos sofrem e morrem ao nosso redor. Mesmo assim, conseguiremos ser realmente lindas, felizes e realizadas com o desenvolvimento do nosso "adorno" interior — mesmo sendo imperfeitas, envelhecidas ou desgastadas externamente — se estivermos estudando e vivendo de acordo com o manual que o Criador da beleza nos deu para indicar e iluminar o caminho daqueles que o amam. Em contraste com muitas das nossas irmãs do passado, temos à nossa disposição não somente a Bíblia inteira como também acesso a inúmeras pessoas, cursos, livros e periódicos capazes de nos facilitar o crescimento espiritual.

De Paulo e Pedro aprendemos que não devemos deixar que haja luxo ou ostentação em nossa aparência que possa afastar ou entristecer alguma irmã. Não vamos gastar as nossas horas e economias para satisfazer apenas a nossa própria vaidade. Devemos ser modestas e decentes e assim não iremos prejudicar ou tentar os nossos colegas masculinos de trabalho ou de escola, ou os nossos irmãos e pastores na igreja, evitando o vestir e adornar a nós mesmas com o propósito de sermos "sexy" ou sensuais. Dediquemos os nossos corpos, inteiramente, ao Deus que nos deu propósito de vida e valor intrínseco e eterno. Usemos esses mesmos corpos para externar uma personalidade transformada por ele, com todas as qualidades que uma filha dele pode ter. Sejamos verdadeiras filhas de Sara (1 Pe 3.6), tendo o privilégio e a obrigação de procurar e complementar duas belezas legítimas enquanto nos esforçamos para cumprir a nossa missão terrena da melhor maneira possível, em gratidão àquele que nos "chamou das trevas para sua maravilhosa luz" (1 Pe 2.11).

"Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (1 Co 6.19-20).

 

 

 

 

 

 

 

English Abstract

In this article, the author deals with the two portions of Scripture (1 Tm 2 and 1 Pe 3) that seem to specifically forbid external adornment for women. She points out the importance of a proper interpretation of these passages since both exhortations are woven into apostolic instructions as to the roles of men and women in worship and in the home. Therefore, if Christians are led to believe that God does not really forbid women to beautify their outward appearance (without scriptural substantiation for this deduction) then the next logical conclusion is that God perhaps does not mean what the texts appear to say about male leadership. Mrs. Portela proceeds to review the places in Scripture where adornments appear, pointing out their customary use by God´s servants and even by the Creator himself when he wished to illustrate the extent of his love for his people. Subsequently, she points out that in many places in Scripture, the inspired writers and speakers used the usual Semitic manner of comparing and contrasting in which a negative is used but not understood (v.g., Genesis 45.4,8 and Luke 14.12). This may be applied to the verses in debate so that the affirmations become a contrast between an inferior and a superior adornment rather between one that is forbidden and another that is acceptable. She continues by pointing out that a specific prohibition of women’s adornment does not fit in with the teachings of Paul and Peter, for they severely criticize and combat any form of legalism or asceticism. Furthermore, she establishes that the capacity to recognize, appreciate and desire beauty through the five senses continues to be a gift from God. She concludes that the apostles were not prohibiting external adornment but were warning against ostentation, immodesty and indecency. They were encouraging a perspective which only those who love God can have, in which the concern for the outward appearance becomes secondary to the development of the much more lovely and enduring fruit of the spirit — the inner adornment — of good works and considerate relationships, both within the home and in the church.

 

NOTAS

 

1 A pesquisa inicial que resultou neste ensaio atendeu a uma necessidade real e não meramente acadêmica. Foi em resposta a um pedido de socorro de uma amiga a respeito desse assunto. Ela considerava-se uma crente fiel e era supervisora entusiasmada de um grande número de vendedoras de cosméticos. Depois de anos de oração pela conversão do marido, Deus concedeu o seu pedido. Ele aceitou a Cristo com muita alegria e acolheu com entusiasmo as doutrinas da igreja na qual se converteu. Foi então que surgiu entre eles um desentendimento maior do que qualquer um anterior à sua conversão. Com a Bíblia na mão, ele começou a sugerir que ela deixasse a sua profissão e que ela mesma parasse de usar os seus cosméticos, como também as bijuterias, as calças compridas… Chorando, ela nos telefonou, querendo saber se ele tinha mesmo razão na sua interpretação.

 

2 2 Reis 9.30. Jezabel, mulher extremamente má, se pintou em volta dos olhos, enfeitou a cabeça… e foi jogada da janela pelos seus próprios servos.

 

3 Exemplos: A. Maude Royden, The Church and Woman (Nova York: George H. Doran, 1925?); Ruben Duffles Andrade, A Mulher na Igreja (São Paulo, 1995) – manuscrito não publicado; Zélia Fávero Maranhão, O Erro Monumental da Igreja Cristã (São Paulo, 1994).

 

4 Os mesmos homens merecem tremendo respeito e a eterna gratidão de todos na igreja cristã por seus esforços em outras áreas e até pelo desenvolvimento correto da perspectiva bíblica sobre os papéis distintos do homem e da mulher na igreja e no lar. Mas, ao tentar responder à amiga que solicitou o ponto de vista bíblico sobre adornos, foi muito frustrante verificar, enquanto pesquisava, que os comentaristas mais conceituados do passado (e alguns do presente) nunca tentam explicar os textos considerando um possível interesse feminino no assunto. Eles acatam as aparentes proibições friamente e depois passam páginas inteiras explicando o significado de modéstia, decência e, especialmente, submissão. Não preparam os pastores, que procuram compreender as passagens pela leitura dos seus comentários, para responder às "Priscilas" nas suas igrejas que são capazes de compreensões e deduções teológicas e que perguntam, por exemplo, sobre as outras passagens que falam sobre adornos. O tratamento antigo mais caridoso encontrado foi de Barnes (1798-1870). Ver Albert Barnes, Barnes’ Notes on the Old and New Testaments: Psalms (Grand Rapids: Baker Book House, 1964), 1135, 1415.

 

5 John Piper e Wayne Grudem, Homem e Mulher (São José dos Campos: Editora Fiel, 1996), 14-19. Esse livro tem um excelente tratamento sobre a perspectiva bíblica da masculinidade e da feminilidade, apontando também muitas coisas que a masculinidade madura não devem significar.

 

6 Os homens devem ter consideração para com as mulheres, tratando-as com dignidade como herdeiras da mesma graça (1 Pe 3.7).

 

7 Filo, As Leis Especiais, I, 201 (ênfase minha).

 

8 Talmude, Menahoth 43-44. Não temos certeza se os judeus já estavam orando assim nessa época, mas a oração não destoa dos seus outros ensinamentos (extra-bíblicos) a respeito de mulheres.

 

9 "Temple, Jerusalem," em The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975), V, 650.

 

10 "Potinhos e apetrechos para pintar o rosto, feitos de osso, marfim ou metal, assim com espátulas para espalhar cosméticos" estão entre os objetos mais encontrados nas escavações arqueológicas dessa época na Palestina, evidência de que eram usados regularmente pelas mulheres judias. Ver Henri Daniel-Rops, A Vida Diária nos Tempos de Jesus (São Paulo: Vida Nova, 1986), 197-198. No mesmo trecho, Daniel-Rops conta que no tratado Shabbath do Talmude (c. 35 DC), a norma "mais desagradável para as mulheres era com certeza aquela que impedia que trançassem, encrespassem ou pusessem fitas e ornamentos no cabelo no dia de descanso" (adornar-se era considerado "trabalho" – outra indicação de que era permitido em outros dias e ocasiões).

 

11 Tertuliano, O Véu das Virgens, Cap. 12.

 

12 Cipriano, A Vestimenta das Virgens, Cap. 12. No Cap. 8, ele cita as passagens em debate.

 

13 Jerônimo, Carta 54, 7.

 

14 Sem entrar em pormenores, partimos do ponto de vista de muitos expositores conceituados (Hendriksen, Tenney, Machen, Ryrie, Lenski, Guthrie, Grudem…) de que Pedro e Paulo foram os autores de 1 Pedro e 1 Timóteo. Também que Pedro mandou a sua carta de Roma e que Paulo escreveu a sua para Timóteo talvez da Macedônia, antes de ser preso e levado a Roma pela segunda vez. Isso explica por que Lucas, no livro de Atos, não se refere à presença de Pedro em Roma e por que Pedro não menciona Paulo juntamente com as saudações de Marcos (1 Pe 5.13).

 

15 1 Timóteo 1.3. Ver C.C. Ryrie, A Bíblia Anotada (São Paulo: Mundo Cristão, 1994), 1515.

 

16 A mãe, duas esposas e várias mulheres que recusaram os seus avanços – ou os maridos delas – foram forçadas a cometer suicídio ou morreram envenenadas ou pela violência de Nero. Suetônio, Vida dos Doze Césares: Nero, 32-37. O historiador Suetônio (c. 70-130 DC) é uma das fontes mais citadas sobre a vida de Nero. A outra é Tácito (c. 55-117 DC).

 

17 Além de ser cidadão romano era preciso, muitas vezes, ser rico, famoso ou poderoso e viver agradando os caprichos dos governantes para poder ter os direitos defendidos num tribunal. Até uma leitura superficial dos escritos de Tácito e Suetônio impressiona pela quantidade de pessoas ilustres que foram forçadas a se suicidar por Nero, inclusive o estadista e filosofo estóico Sêneca (Tácito, Anais, V, 60-64).

 

18 Edith Hamilton, The Roman Way to Western Civilization (Nova York: Mentor Books, 1959), 110-111. "A engenhosidade humana em inventar novos e mais divertidos tipos de carnificina finalmente se esgotou e o único recurso que sobrou para agradar os espectadores impacientes foi aumentar o número de participantes".

 

19 Suetônio, Doze Césares, VI, Nero, 38; Tácito, Anais, XV, 38-44.

 

20 De acordo com o historiador Eusébio, Pedro foi crucificado de cabeça para baixo e Paulo decapitado. Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 4, "Paul, the Apostle," 654; "Peter, Simon", 739.

 

21 Suetônio, Doze Césares: Nero, 30.

 

22 Não incluídas estavam a Lícia, a Panfília e a Cilícia. Encyclopaedia Britannica (Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1971), V. 2, "Asia Minor," 605.

 

23 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Asia," 364.

 

24 Funk & Wagnalls New Encyclopedia (Nova York: Funk & Wagnalls, 1979), V. 20, "Renaissance," 220. Hamilton diz (nos anos 30): "A nossa era mecânica e industrial é a única realização que pode ser comparada às da Roma durante os 2000 anos que se passaram." Roman Way, 151.

 

25 Como Homero e Heródoto, Esopo, Hipócrates e Galeno, Asclepíades, Pitágoras, Hipodamus de Mileto, observação substanciada em extensa pesquisa da autora.

 

26 Exemplos: a Vênus de Milo, o Gaulês Moribundo e a Nike de Samotrácia. Enciclopédia Britânica, V. 10, "Greek Art," 848.

 

27 Eram o Templo de Ártemis em Éfeso, o Colosso de Rodes e o Mausoléu de Halicarnasso. Funk & Wagnalls, V. 21, "Seven Wonders of the Ancient World," 270.

 

28 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 3, "Lystra," 1015.

 

29 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Aquila and Priscilla," 232; Michael Green, Evangelism in the Early Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 222-3.

 

30 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Apphia," 227; William Hendriksen, Colossians and Philemon (Grand Rapids: Baker, 1964), 193.

 

31 Enciclopédia Britânica, V. 19, "Roman History: II. The Empire," 536 cita a opinião do famoso historiador Edward Gibbon de que a humanidade nunca foi mais feliz do que nesse período.

 

32 Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Cloth," 893; V. 5, "Thyatira," 743.

 

33 Funk & Wagnalls, V. 8, "Embroidery," 492.

 

34 O governador romano Pôncio Pilatos foi morar na Palestina acompanhado por sua esposa (Mt 27.19) e Germânico, avô do imperador Nero, sempre esteve acompanhado pela esposa (e filhos) em todas as suas campanhas militares, inclusive na Ásia Menor (Tácito, Anais, Livro I, 40; Livro II, 54).

 

35 Algumas eram judias cristãs recém-chegadas após terem sofrido violentas perseguições pelos seus conterrâneos na Palestina que rejeitavam a nova "seita". Estavam tendo que conviver com línguas e costumes novos e estranhos e, enquanto as mais velhas provavelmente zelavam pelas tradições antigas, as mais novas estariam sendo tentadas a assimilar as novidades do seu lar atual. Mas, como vimos (nota 10), elas tinham as suas roupas bonitas, jóias e cosméticos.

 

36 Green, Evangelism in the Early Church, 118-119.

 

37 Por exemplo: Êxodo 29 e Levítico 22.

 

38 Ralph Woodrow, Women’s Adornment: What Does the Bible Really Say? (Riverside, CA: R. Woodrow, 1976), 17.

 

39 I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text, The New International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 583. Comentando uma outra passagem (Lc 10.20), na qual Jesus falou aos setenta discípulos que voltaram alegres porque os demônios estavam sendo expulsos por eles, dizendo "Alegrai-vos, não porque os espíritos vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus," ele esclarece: "O que foi dito provavelmente deve ser interpretado em termos de uma expressão idiomática semítica que significa, ‘Não vos alegreis primariamente porque… mas muito mais porque…’ (ver ainda 12.4; 14.12; 23.28; Jr 7.22; Os 6.6; 1 Co 1.17; Mt 10.20; Mc 9.37; Jo 7.16; 12.44)". Outro autor fala de semitismos no uso de antônimos referindo-se a Mt 10.37 e Lc 14.26 — Walter C. Kaiser, Jr., Towards Old Testament Ethics (Grand Rapids: Zondervan, 1983), 252. Podemos considerar, portanto, que existem negativos de exclusão e negativos de priorização, cuja identificação é extremamente importante para o correto entendimento do texto.

 

40 Barnes, Notes on the Old and New Testaments: Psalms, 90.

 

41 Na nossa própria experiência, como filha de pais holandeses radicados no Canadá depois de adultos, temos verificado a persistência de construções gramaticais características da língua holandesa no modo de expressar-se da geração imigrante, ainda após trinta, quarenta ou até cinqüenta anos de familiaridade com a língua inglesa, especialmente por aqueles que continuam convivendo nas igrejas reformadas de origem holandesa.

 

42 H.D.M. Spence e Joseph S. Exell, eds., The Pulpit Commentary, V. 22 (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 129, comentam sobre 1 Pedro 3.3 dizendo que Pedro estava utilizando um "hebraismo comum". Woodrow, Women´s Adornment, fala de "Hebrew idiom" — uma "expressão idiomática hebraica." Preferimos a terminologia de Marshall (nota 14), que se refere a uma "expressão idiomática semítica," por ser mais ampla, já que estamos tratando do hebraico e do aramaico.

 

43 Josué A. de Oliveira, A Mulher nos Planos de Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 1989), 96-123. Gordon D. Fee, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, 1 e 2 Timóteo, Tito (Deerfield, FL: Editora Vida, 1994), 81. "Há grande agregado de evidências, tanto helenísticas quanto judaicas, que fazem os ‘vestidos dispendiosos’ das mulheres eqüivaler à leviandade sexual, ou à insubordinação conjugal". Ele cita uma frase antiga: "Uma esposa que gosta de adorno não é fiel." Sextus, 513.

 

44 Exemplo: J.N.D. Kelly, I e II Timóteo e Tito: Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1963), 69.

 

45 Ver Nota 3.

 

46 A.T. Hanson, The Pastoral Epistles: New Century Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), 6-7, duvida da autoria de Paulo.

 

47 Simon J. Kistemaker, New Testament Commentaries: Exposition of the Epistles of Peter (Grand Rapids: Baker, 1987), 120. George H. Cramer, First and Second Peter (Chicago: Moody Press, 1967), 47, e H. A. Ironside, Timothy, Titus and Philemon (Neptune, NJ: Loizeux Bros, 1947), 66, e muitos outros, especialmente os que comentam ao nível de leigos, declaram impossível a proibição de adornos; também senhoras consagradas como Eugenia Price, De Mulher para Mulher (São Paulo: Mundo Cristão, 1987), 69.

 

48 William Hendriksen, I-II Timothy and Titus (Grand Rapids: Baker, 1972), 105-106.

 

49 Com uma exceção que pode ser explicada. No primeiro concílio eclesiástico da igreja nascente (Atos 15), os apóstolos reunidos em Jerusalém incluem a abstenção das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue e da carne de animais sufocados nas suas orientações aos gentios recém-convertidos (v. 29). Paulo, posteriormente, partindo da realidade vivida nos países fora da Palestina onde era extremamente difícil verificar se algo havia sido sacrificado a ídolos antes de ser vendido, reavalia a situação e dá novas orientações (Rm 14). Van Groningen diz que essa passagem de Atos 15 representa "uma aplicação temporária de uma verdade moral e perpétua a uma igreja numa situação histórica específica e temporária". G. Van Groningen, The Sabbath Sunday Problem (Geelong, Australia: Hilltop Press, 1968), 15.

 

50 A maioria dos subseqüentes Pais da Igreja durante os primeiros séculos teve problemas em seguir esse preceito. O dualismo grego já anteriormente adotado pelos judeus helenísticos, em que o corpo representava o maligno e o espírito o divino, lhes era muito atraente. Tertuliano (c. 150-220 DC) disse que Paulo ensinou que era "‘BOM que o homem não toque mulher.’ Segue que o MAL consiste em tocá-la, pois não há nada contrário ao bom além do mal" (Sobre Monogamia, Capítulo 3). A falta de continência que resultava em casamento era para ele uma "enfermidade" tolerada mas não aprovada por Deus. Cipriano (c. 250 DC) concluiu que a recompensa celestial das virgens era altíssima (sessenta por um – superada apenas pela dos mártires – cem por um), pois o dom da continência era ensinado por Paulo, e a virgindade enaltecida (A Vestimenta das Virgens, 21,4). Essa atitude levava, automaticamente, à condenação total do uso de adornos – já que esses fariam a mulher mais atraente e levariam a situações de tentação (Ibid., Capítulo 5). Os Pais da Igreja gastaram muito mais tinta e papel com recomendações às virgens do que para as esposas, pois, para a maioria deles, essas já se encontravam num estado espiritual de segunda categoria.

 

 

51 Machen diz, "O problema básico da conduta cristã é como aplicar os princípios elevados do evangelho à rotina da vida diária. Não é possível resolver detalhadamente esse problema para homem nenhum, pois os detalhes da vida são de uma variedade infindável; mas o método para a solução está em 1 Coríntios. J. Gresham Machen, The New Testament: An Introduction to its Literature and History (Edimburgo: Banner of Truth, 1976), 132.

 

52 Hendriksen, I-II Timothy and Titus, 106.

 

53 É verdade que houve complicações sérias nas vidas de todos eles por causa da importância extremada dada à beleza externa, por eles ou pelos outros. Não havia nesses casos a apreciação apropriada da beleza interior que Paulo e Pedro tanto destacaram nos seus textos, e eles sofreram as conseqüências. Destacamos, porém, que o homem não mudou, e que continua sendo natural ele apreciar a beleza externa nas representantes do sexo feminino. Esse fato se faz importante ao avaliarmos a legitimidade dos adornos femininos.

 

54 Por mais que homens crentes sejam consagrados a Deus e prontos para seguir a sua liderança na escolha da sua esposa, é a minha opinião que não há dúvida que eles primeiro olham as moças formosas de porte e de semblante (como Raquel em Gn 29.17). Eu mesma tenho 99% de certeza que meu próprio marido (que já se destacava pela fidelidade a Deus e que recebeu dele uma apreciação muito especial pela ordem, lógica, simetria e beleza da criação) não teria procurado conhecer e namorar uma estrangeira do outro lado do mundo se ela não lhe chamasse primeiro a atenção pela aparência externa que Deus permitiu que tivesse naquela época. (E o mesmo foi verdade para mim. É o Senhor Deus que vê primeiro o coração, mas o homem enxerga primeiro o exterior – 1 Sm 16.7). Por isso mesmo, nestes dias em que casamentos não são mais arranjados pelos pais, penso que Deus dá todo direito às moças que querem encontrar um marido cristão a se completarem e aperfeiçoarem com os adornos e cosméticos que lhes competem, com bom senso e modéstia, não no sentido de enganar, iludir ou ludibriá-lo, mas para que ele possa dar suficiente atenção a elas para perceber as suas outras qualidades mais duradouras e mais valiosas.

 

55 Edith Schaeffer, Hidden Art (Wheaton, Ill.: Tyndale House Publishers, 1977), 182-186. Edith Schaeffer foi esposa e colaboradora do já falecido filosofo e teólogo Francis Schaeffer. Depois de descrever, com detalhes minuciosos e lindos, seu prazer na grande beleza e variedade de cores, texturas e formas das flores que conhece, ela declara que é importante que o cristão viva estética, artística e criativamente, representando nas suas roupas aquele que desenhou, criou e vestiu as flores. Questiona se o Criador, que declara que seus filhos são ainda mais importantes do que essas belas flores, os obriga a esperar e procurar apenas roupas monótonas, sombrias ou feias das mãos dele.

 

56 Os judeus recém-convertidos devem ter sofrido muito com o preconceito e a oposição dos seus familiares e amigos nas comunidades em que viviam. Basta examinar com cuidado os relatos da primeira passagem de Paulo pelas cidades da Ásia Menor. Foi expulso de Antioquia da Pisídia (At 13.50) e apedrejado tanto em Icônio quanto em Listra (At 14.5, 19) por causa da oposição dos líderes judaicos.

 

57 Trabalho dos "asiarcas" citados no mesmo capítulo (19.31). A sua função principal era cuidar da adoração ao imperador e a Roma na província da Ásia (Zondervan Pictorial Encyclopedia, V. 1, "Asiarchs," 365).

 

58 Apesar de ser evidente que Paulo está falando especialmente sobre as mulheres nos cultos, nota-se que aquilo que é contrastado ao adorno externo são as boas obras (1 Tm 2.10), que seriam praticadas mais fora do que dentro da igreja per se. Assim sendo, as orientações são mais amplas, ao nosso ver.

 

59 Hendriksen, I-II Timothy and Titus, 105-106 diz que "modéstia indica um senso de vergonha, um recusar-se a ultrapassar os limites da propriedade, uma reserva apropriada. Bom senso literalmente significa sanidade mental … vestir-se com sensatez". Ele argumenta contra a tradução com decência e sugere que a mais correta seria em trajes de adorno (não por discordar que a decência também seja requerida por Deus das mulheres cristãs, mas porque acredita que Paulo estava alertando contra o exagero e não contra o adorno em si).

 

60 "Mantemos amantes para o nosso prazer, concubinas para o concubinato diário, mas esposas nós temos para produzir filhos legitimamente e para ter uma guardiã de confiança da nossa propriedade doméstica." O orador Demóstenes em Contra Neaera em Athenaeus of Naucratis, The Deipnosophists, Book XIII: Concerning Women (Loeb Classical Library, 1937). Internet: http://user42.blue.aol.com/heliogabby/deipnon/deipnon.htm.

 

61 Não é disso, certamente, que a maioria dos homens se lembra quando pensa em Abraão, mas é o que vem primeiro à mente de muitas mulheres quando pensam no relacionamento de Sara com ele. Junta-se a isso o fato de o amor de Abraão por Sara não ter feito com que ele se recusasse a dormir com Hagar (Gn 16.1-4) e temos um prato cheio para qualquer estudo feminino contemporâneo sobre esse casal patriarcal. Penso que esses acontecimentos e o registro da intervenção divina livrando e abençoando a Sara após todos os três vinham (e vêm) à mente das mulheres (até de homens crentes) que liam (e lêem) as palavras para esposas de maridos que não obedecem à palavra. Em contrapartida, ninguém duvida de que Sara se enfeitasse (nota 51) e assim o seu exemplo seria apenas no segundo tipo de adorno – o adorno superior – o homem interior do coração.

 

Elizabeth Zekveld Portela*