Onde o Juízo Deve
Começar
Em 1 Pedro 4.17, temos uma das
afirmações mais sérias do Novo Testamento: “Porque a ocasião de começar o
juízo pela casa de Deus é chegada”. Há muita incompreensão sobre este
texto, por causa do significado da palavra juízo. Geralmente as pessoas acham
que juízo refere-se ao futuro, como aquele do dia final, do grande trono branco
(Ap 20.11).
Quando a Bíblia fala a respeito
do juízo de Deus, precisamos verificar se está num contexto escatológico ou se
é para o momento atual. Nesta passagem, creio que o juízo a que se refere é
algo que ocorre no presente.
“A ocasião de começar o
juízo...” Isto foi escrito há muito
tempo atrás e Pedro estava certo de que aquela era uma ocasião apropriada para
o juízo. É ainda mais apropriada agora. Não há como escapar do fato de que a
questão do juízo faz parte integral da vida de um verdadeiro discípulo de
Jesus. Uma das razões por que precisamos tanto de avivamento hoje é justamente
por termos deixado tanto de lado esta questão de juízo e por o considerarmos
como algo tão irrelevante para a vida do cristão.
O texto, porém, não só declara
que a ocasião de começar o juízo já chegou, mas também identifica onde
deve começar. “Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é
chegada.” Se você examinar o texto no original, verá que na realidade diz
que é hora do juízo começar a partir da casa de Deus. Não é algo que
fica limitado dentro da casa de Deus. Começa ali e sai para fora também. Este é
um aspecto muito importante da verdade revelada aqui.
Precisamos observar que a palavra
usada neste texto é juízo, não castigo. Cristo já levou todo o seu castigo. O
mundo aguarda juízo no sentido de penalidade. Aqui é sobre aqueles que crêem e
tem o propósito de refinar e purificar. Ao ouvir a palavra numa reunião, ao ser
tocado pelo Espírito numa conferência, ou até num momento a sós com Deus, você
pode sentir a necessidade de purificar sua vida. Entretanto, aquele toque
especial passa e geralmente Deus precisa nos lembrar da decisão que tomamos ou
da mudança necessária que vimos naquela experiência. Deus usa seus juízos para
nos lembrar e alertar.
Três Esferas de Juízo
Ao falar sobre juízo para tratar
com o pecado, precisamos enxergar três esferas distintas de atuação. Em
primeiro lugar, o discípulo de Jesus precisa aprender a julgar a si mesmo. Há
um enorme acúmulo de iniqüidade dentro da igreja hoje porque a grande maioria
dos cristãos se omite neste assunto.
Em segundo lugar, existe a esfera
onde a igreja deve julgar. No plano de Deus, cada igreja deve julgar seu
próprio povo.
“Ah”, alguém vai dizer, “mas a
Bíblia diz que não devemos julgar, a fim de nós mesmos não sermos julgados (Mt
7.1).
Porém, a mesma Bíblia diz que
devemos julgar com reta justiça (Jo 7.24). Diz também que seremos julgados de
acordo com o mesmo critério com que julgamos aos outros.
A Bíblia não diz que a igreja não
deve julgar. Ordena que não se faça julgamentos injustos. Não devemos ser mais
severos com os outros do que somos conosco mesmos.
Portanto, a seqüência é esta: é
nossa responsabilidade julgar a nós mesmos. Se o indivíduo não julgar a si
mesmo, a igreja deve julgá-lo (ver 1 Co 5.9-13; 6.1-8). E, em último caso, se a
igreja não o quiser julgar, há ainda a terceira esfera de juízo, que é a esfera
de Deus.
Se você é líder ou pastor de
outras vidas, sua primeira tarefa é examinar sua própria vida. Tire tempo,
deixe Deus colocar sua luz em todas as áreas da sua vida e exercer o juízo do
Espírito Santo sobre tudo que ele quiser. À medida que estiver andando na plena
luz que Deus lhe deu, é hora de tratar com as pessoas sob seus cuidados de
forma graciosa e amorosa, mas também firme e justa. O juízo precisa começar com
a família da fé.
O Que Acontece Quando Não Se Julga?
Uma das passagens mais sérias
sobre este assunto é bem conhecida, por tratar da celebração da ceia do Senhor.
Está em 1 Coríntios 11.27-32: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o
cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor.
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice;
pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a
razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem.
Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando
julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o
mundo.”
De acordo com esta passagem, se
alguém persiste em não julgar a si mesmo, há grande chance de ser julgado junto
com o mundo. A pessoa contrita e arrependida, que tem a mente substituída (a
mente de Cristo), não tem interesse no pecado. Não é que não peca, nem que não
falha. Pode ser até que cometa terríveis erros, porém ela possui a mentalidade
do Espírito e julga a si mesma com severidade, a fim de não ser julgada com o
mundo.
Em 1 Coríntios 5.3-5, ao tratar
com imoralidade na igreja, Paulo declara o seguinte julgamento: “Ainda que
ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei... que o autor de
tal infâmia seja, em nome do Senhor Jesus... entregue a Satanás para a
destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus”.
Sem dúvida alguma, há muitas
pessoas na igreja hoje que precisam ser julgadas, para que seus espíritos sejam
disciplinados e suas almas salvas.
Em Êxodo 19 temos uma figura
muito forte do que estou querendo mostrar. Advertindo Moisés a não deixar o
povo tocar no monte Sinai, nem tentar ver o próprio Deus, que estava prestes a
se revelar de forma inédita na proclamação dos Dez Mandamentos, o Senhor usou a
seguinte expressão: “... para que o Senhor não se lance sobre eles”
(v.22). Outra versão diz: “... para que o Senhor não os fira”, e outra
ainda: “Se não se purificarem, eu os matarei”. Se eu não quiser julgar a
mim mesmo – e a igreja não tiver a coragem de me julgar – posso advertir
seriamente: o Senhor de fato há de se lançar sobre nós!
E quando a igreja tem medo de
enfrentar certas pessoas? Talvez seja um líder, talvez seja uma pessoa de
destaque, talvez todos se intimidem diante dele ou dela! Ninguém está acima da
necessidade de ser julgado. Pode ser que surja um problema ou um pecado na vida
de alguém, num momento crucial da sua vida, e esta pessoa não enxerga ou não
quer tratar com aquele problema. A minha oração é que não falhemos com nossos
irmãos, nem falhemos em relação a nós mesmos, no sentido de julgar e abandonar
o pecado; pois se falharmos, certamente o Senhor se manifestará em juízo entre
nós!
O Senhor já começou a se lançar
sobre nós! Para quem tem olhos para ver, estamos vendo a mão de Deus em juízo
há alguns anos. Eu não poderia neste espaço começar a falar sobre a retirada da
presença manifesta de Deus. Nem daria para mostrar em Jeremias 13, quando o
povo de Deus não julgava a si mesmo, nem uns aos outros, como Deus se
entristecia e entregava-os a um estado
de embriaguez espiritual. Você já se familiarizou com o livro de Jeremias? Já
viu como os juízos de Deus são multiformes e podem se manifestar de várias
maneiras?
Ouça estas palavras solenes em
Hebreus 12.25: “Tende cuidado, não recuseis ao que fala. Pois, se não
escaparam aqueles que recusaram ouvir quem, divinamente, os advertia sobre a
terra, muito menos nós, os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte.”
Estas palavras que vimos em Êxodo (“para que o Senhor não se lance sobre
eles”) foram dadas na terra. Devemos tomar cuidado com a advertência da voz de
Deus que vem dos céus, pois nosso Deus é um fogo consumidor. Não é de se
admirar que o salmista tenha declarado: “Arrepia-se-me a carne com temor de
ti, e temo os teus juízos” (Sl 119.120).
Se é com Dificuldade que o Justo é Salvo...
Vejamos novamente o texto em 1
Pedro 4.17,18: “Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é
chegada; ora, se primeiro vem por nós, qual será o fim daqueles que não
obedecem ao evangelho de Deus? E, se é com dificuldade que o justo é salvo,
onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador?”
Não parece implicar que somos
salvos por um triz, que por pouco não alcançaríamos a salvação? Isto não seria
uma afronta contra a obra de Cristo? Sua expiação mal deu para nos salvar? Não,
é claro que não está dizendo isto. A obra de Jesus foi totalmente suficiente. É
superabundante na sua eficácia para salvar a qualquer um e a todos. Pedro não
está questionando a suficiência da expiação para garantir uma ampla entrada no
reino eterno (ver 2 Pe 1.11).
O que está dizendo, então? Nosso
problema aqui é compreender a diferença entre ser justificados de uma vez por
todas e o processo de ser salvos ou transformados. É com dificuldade que o justo
é salvo. Eu já fui justificado, então sou justo aos olhos de Deus. A obra
está completa e não há mais nada a fazer. Mas o meu interior e a minha alma
estão num processo de salvação (ver 1 Pe 1.9). Não é um processo de esforço
humano, mas é um processo. E envolve esta questão, que nem sempre aceitamos ou
entendemos, de permitir que nossas vidas naturais sejam julgadas.
Esta questão de juízo não é um
assunto superficial ou leviano. É muito sério. Se aqueles que receberam uma
nova mentalidade em relação ao pecado muitas vezes não querem julgar a própria
vida, o que se dirá daqueles que nem aprenderam a ver o pecado com os olhos de
Deus?
E também é uma questão de
continuidade. Não é porque nossa vida já foi purificada e a faca de Deus já
cortou fora certos pensamentos, atitudes e hábitos impuros, que não precisamos
dia a dia, semana após semana, ano após ano, ser examinados e julgados pela luz
do Espírito. Temos uma tendência de nos acomodar, de passar a crise e voltar ao
“normal”. É difícil julgar a nós mesmos. E é mais difícil ainda julgar aos
outros com justiça.
Se a igreja não julga a si mesma,
se o juízo não começa na família da fé, Pedro aqui pergunta, que esperança
haverá para os ímpios e pecadores? Você percebe como estamos contribuindo à
condenação do mundo, quando nos recusamos a julgar a nós mesmos? Quando a
igreja se omite em julgar seu próprio povo, torna mais difícil ainda para o
mundo e os pecadores aceitarem o juízo de Deus que leva ao arrependimento.
Sete Ilustrações na Bíblia
1. Nadabe e Abiú Deus tinha visitado seu povo de uma forma profunda e
poderosa na consagração de Arão e seus filhos ao ministério sacerdotal
(Levítico 8 e 9). Foi uma das raras ocasiões quando Deus confirmou sua
aprovação sobrenaturalmente, enviando fogo do céu sobre o sacrifício (Lv 9.23, 24).
Mas dois dos filhos de Arão queriam fazer algo espetacular também e levaram
incensários e fogo estranho, que o Senhor “não lhes ordenara”, ao Santíssimo
Lugar (Lv 10.1).
“Então saiu fogo de diante do
Senhor, e os consumiu; e morreram perante o Senhor” (Lv 10.2).
Alguém vai logo perguntar: “Será
que eram convertidos?” Como posso saber? Eram filhos de Arão e estavam no
ministério sacerdotal. Deus exige que todos, sem exceção, o tratem como santo e
que, diante de todo o povo, o honrem.
Alguns apresentam o fogo estranho
de piadas e entretenimento do púlpito. Usam assuntos e idéias que pegaram da
televisão e, ao invés de chamar as pessoas para se separarem do mundo e
oferecer o alimento saudável da Palavra de Deus, as alimentam com o mundo. Fogo
estranho.
Há outros exemplos que poderíamos
dar, como alguns tipos de música “estranha” que oferecemos no lugar da
verdadeira adoração; também como vários tipos de apresentações e shows que
copiamos do mundo e que o Senhor “não nos ordenou”. Tomemos cuidado com fogo estranho!
2. Moisés No final do livro de Deuteronômio (Dt 32.48-52),
lemos como o Senhor ordenou que Moisés subisse num monte para avistar a terra
prometida e morrer, sem poder entrar junto com o povo. O que ele tinha feito de
errado?
Deus lhe havia ordenado que
falasse com a rocha diante de um povo que murmurava (Nm 20.8). Porém, Moisés
estava agitado. Permitira que as atitudes queixosas e vis do povo afetassem seu
espírito. Então agarrou a vara e golpeou a rocha. O juízo de Deus caiu sobre
ele.
“Você deveria ter mantido minha
santidade diante do povo”, Deus lhe disse (Nm 20.12). “Agora, como não o fez,
quero que compreenda que eu mesmo terei de defendê-la. Entretanto, será preciso
defendê-la à sua custa!”
Novamente alguém vai perguntar:
“Você está sugerindo que Moisés foi para o inferno?” Não, não estou sugerindo
que Moisés foi para o inferno! Mas isto não traz alívio para quem tem a mente
substituída, a mentalidade da glória de Deus. Se eu roubo a glória de Deus, é
pior para mim do que ir para o inferno. O propósito da minha existência é
derrotado quando peco e tomo de Deus a sua glória.
Que tenhamos uma consciência
renovada da nossa responsabilidade de sustentar a santidade de Deus diante do
povo e de levantar a sua glória diante de todos. Que nosso coração esteja firme
neste propósito, a fim de que Deus não seja obrigado a sustentá-la à nossa
custa. É hora que o juízo comece pela casa de Deus.
3. Sansão A história de Sansão encontra-se em Juízes 13 a 16.
Seu nascimento foi anunciado por anjos. Seus pais foram informados que seria um
nazireu desde o ventre materno, que não deveria beber vinho forte, nem comer
qualquer coisa imunda e que não passaria navalha na sua cabeça.
Lemos de ocasiões quando o
Espírito de Deus vinha sobre ele, porém a parte da sua história que mais
lembramos foi quando começou a brincar com Dalila. Dalila o fez dormir sobre
seus joelhos. Chamou um homem para raspar as sete tranças do seu cabelo e,
então, anunciou-lhe: “Os filisteus vêm sobre ti, Sansão!”
Despertando do sono, levantou-se,
achando que poderia se sacudir e sair como das outras vezes. “Ele não sabia
ainda que já o Senhor se tinha retirado dele” (Jz 16.20).
Receio-me de que muitos pastores
e obreiros estejam exatamente nestas circunstâncias, sem saber que o Espírito
do Senhor já os deixou. É hora que o juízo comece pela casa de Deus!
4. Eli e seus filhos O sacerdote Eli estava idoso e pesado. Engordara-se,
comendo as coisas proibidas que seus filhos pegavam, quebrando as leis de Deus.
Finalmente chegou o dia em que estava sentado numa cadeira, ao lado do caminho,
onde recebeu a notícia de que a arca de Deus fora tomada pelos filisteus. Eli
caiu da cadeira para trás, quebrou o pescoço e morreu (1 Sm 4.12-18). Nenhum
dos seus descendentes atingiu a velhice, nem ocupou aquele glorioso cargo
sacerdotal que Eli exercera. O que aconteceu? Eli não julgou a si mesmo, nem a
seus filhos, e Deus foi obrigado a julgá-lo.
5. Davi e Uzá A história de como Davi trouxe a arca para Jerusalém
está registrada em grandes detalhes em 1 Crônicas 13 a 17 e mais resumidamente
em 2 Samuel 6. Um moço levantou a mão para firmar a arca quando os bois que
puxavam a carroça tropeçaram. Deus feriu o moço e ele morreu. Davi ficou
desgostoso e chamou ao lugar Perez-Uzá – que significa “O Senhor
irrompeu contra Uzá”.
Por que isto aconteceu? Nem Davi,
nem o sacerdote, haviam julgado a si mesmos. Davi queria trazer a arca de
volta, mas não foi para as Escrituras descobrir como fazê-lo. Ao invés de
carregar a arca nos ombros dos coatitas, fizeram um carro novo e transportaram
a arca do mesmo modo como faziam os filisteus.
Davi não manteve a santidade de
Deus diante do povo. Deus foi obrigado a defendê-la à custa de Davi. Na
verdade, não foi Davi que morreu. Foi Uzá. Esta é uma das coisas surpreendentes
sobre Deus. Pode ser que alguém perto de você seja ferido no seu lugar, por
causa do seu pecado. Isto porque Deus ainda teria algum propósito para
sua vida, como teve no caso de Davi.
6. O rei Uzias Ele tinha 16 anos quando tornou-se rei de Judá. No
princípio, fez tudo certo aos olhos do Senhor. Deus o abençoou, porém está
escrito: “Havendo-se já fortificado, exaltou-se o seu coração para a sua
própria ruína” (2 Cr 26.16). Ele não quis julgar a si mesmo. Deus teve de
julgá-lo. Enquanto estava no Templo, fazendo algo errado, algo que não tinha
direito de fazer, recusando correção, a lepra apareceu na sua testa e seu
governo como rei foi acabado (2 Cr 26.16-23).
7. Ananias e Safira Esta história em Atos 5.1-11 mostra como um casal
entrou em acordo entre si para enganar a igreja e o Senhor. O juízo de Deus
caiu sobre eles.
É tempo que o juízo comece pela
casa de Deus e pela família da fé. É com grande dificuldade que o justo será
salvo, mas se escolhermos o caminho fácil ao invés do caminho da santidade, o
que acontecerá com os pecadores e incontritos? O que acontecerá já está
acontecendo! Estão morrendo aos milhões e uma igreja impotente sob o juízo de
Deus é incapaz de ajudá-los.
Existe alguma área na sua vida
que precisa de juízo? É hora de estarmos a sós com Deus para deixar que ele
trate com amor e firmeza onde for necessário. Seu juízo não é para castigar ou
condenar. É para purificar nossas vidas e trazer de volta a glória para si
mesmo. Não deixemos que o pecado continue roubando a glória de Deus. O Senhor é
capaz de nos deixar transformados e irrepreensíveis na sua presença!
Richard Owen Roberts
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