Crise de Santidade
Casando-se Com o Sistema!
Eu tinha apenas sete anos de idade quando minha mãe aceitou
a Cristo numa denominação pentecostal. Lá se vão quase cinqüenta anos! A
exigência de se viver um padrão cristão e a disciplina rígida a que nos
submetemos desde os primeiros dias da Escola Dominical marcaram nossas
vidas. Hoje consigo perceber os
resultados no seio da família: Cansada e numa cadeira de rodas, mamãe não
consegue dimensionar o rastro de seu testemunho: 1 filho pastor e escritor, uma
filha esposa de pastor e pregadora, seis netos no ministério em tempo integral,
afora tantos outros filhos, noras, genros, netos e bisnetos comprometidos em
suas congregações com o evangelho de Cristo Jesus!
No decorrer dos anos entendi que o mundo olha para a igreja
esperando nela ver um diferencial, um estilo de vida que contraste com o
estilo de vida da sociedade.
O mundo costumava ver a igreja sob a ótica do respeito, de
vida transformada, de gente diferente, de pessoas de bens - de cujo seio saiam
empregados submissos, donde empregadas domésticas eram requisitadas, de gente
que pagava em dia suas contas - em que o dono do armazém vendia fiado na
caderneta sabendo que receberia seu dinheiro.
No dizer de Pedro, sem amoldar-se às paixões da vida mundana que
tínhamos antes de receber a Cristo (1 Pe 1.14). No dizer de Paulo, viver sem
conformar-se com esse mundo (Rm 12.2) mostrando ao mundo “como se deve proceder
na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (1
Tm 3.15).
Recordo-me que em 1962 quando a igreja pentecostal foi
grandemente perseguida em Porto Alegre pelos meios de comunicação contrários à
realização de uma campanha evangelística, um cidadão foi para o rádio defender
os crentes. Sua defesa: os crentes eram seus melhores funcionários!
No entanto, no decorrer dos anos a igreja incorporou em seu
seio os valores mundanos, a filosofia do mundo, seus modismos, deixando-se
levar ao sabor do sistema. Confundiu contextualização com contemporização -
não soube trabalhar no contexto da sociedade e acomodou-se à sociedade que ela
tanto insiste em mudar.
Ainda hoje o mundo espera ver na igreja o diferencial entre
aquilo que frustradamente vive e o que espera encontrar na igreja - e quase não
o encontra! Os pastores, antes serviçais, em cujas casas os pobres do bairro
encontravam lenitivo e alimento, escassearam!
No lugar desses surgiram pastores sonhadores de riquezas,
profetas balaônicos de olho nos presentes de Balaque; ricos, abastados, vivendo
em condomínios fechados, alienados da própria membrezia, vivendo na opulência e
no fausto. Alguns optaram por uma teologia de prosperidade que contrasta com a
simplicidade de se viver o evangelho.
Vivem longe de suas paróquias, enquanto no passado o certo
era viver entre os paroquianos, entre as pessoas do mesmo bairro. O pastor
outrora tão presente no lar dos fiéis, são vistos de longe, e na imensidão de
seus templos parecem figuras minúsculas gesticulando no púlpito, a menos que
sejam projetados no telão ou vistos na tela da tevê. A nova geração de crentes - cujos avós eram
tão pobres, mas fiéis - melhorou de vida, subiu socialmente para a classe média
e, até mesmo alguns ricos despontaram no cenário evangélico. Membros de
igrejas, antes considerados proletariados, prosperaram, e hoje fazem parte da
nata industrial e comercial da nação, no entanto, muitos deles se esqueceram
dos exigentes padrões bíblicos: tratam seus funcionários da mesma maneira -
quando não pior - que os patrões mundanos.
Aliás, alguns empresários que não se confessam cristãos têm
ótima reputação dos seus funcionários; por outro lado, alguns crentes sequer
querem trabalhar para empregadores evangélicos. Da mesma forma, os empregados
evangélicos perderam o respeito e já não se submetem aos patrões como é
ensinado no Novo Testamento. Costumam ser piores do que os descrentes.
Para encobrir o que somos, criamos a moda gospel, buscando
parecer que o estilo de vida cristã, sua música e mensagem tenham adquirido
nova roupagem. Pelo menos existe o charme glamouroso (desculpe-me o pleonasmo)
na substituição do termo em português pelo inglês! E a geração gospel vai para
a televisão falar de Cristo e do novo nascimento, literalmente sem roupagem
alguma!
Mulheres sensuais e seminuas com um palavreado profano -
não que queiramos que todos aprendam o evangeliquês - afirmam ser membros dessa
ou daquela igreja. Não apenas as mulheres, mas também os homens confundem pelo
visual e palavreado a mensagem do evangelho!
Apesar da obscenidade e do mundanismo que repugna o mais
vil pecador, seus pastores sorriem e caladamente consentem, afinal o nome de
sua igreja e seus nomes podem ser ouvidos pela mídia nacional. Outros, vestindo
a roupagem tradicional dos evangélicos, sugam dos pobres o dinheiro e os bens
em troca de um compromisso com Deus!
Além destes, surgiram pastores, pregadores e cantores, em
todas as denominações, que mesmo sem aquela extravagante aparência, sem as
requebradas coreografias e palavreado mundano - mantendo a antiga forma de vestir
e o visual tradicional dos crentes - mas que em nada diferem em seu
comportamento e moral daqueles que não conhecem a Jesus, nem por ele foram
transformados, agregam-se à classe vil protagonizada por Jezabel e Balaão.
Seus cachês são os mais altos e seu comportamento, pior!
São pessoas que, mesmo mantendo a postura evangelical, a aparência
tradicional, repito, encaixam-se perfeitamente no perfil traçado por Pedro e
Judas (2 Pe 2.10-22 e Jd 8-16).
A opção de ser crente, de ser um fiel discípulo de Jesus -
às vezes uma decisão difícil sabendo-se que há um preço a ser pago em seguir a
Jesus - já não é levado em conta por boa parte dos que se dizem cristãos, por
pessoas que dão péssimo testemunho, pois seu comportamento no campo de sua
atividade profissional contradiz seu palavreado e suas afirmações de fé. E isso
vai do carpinteiro ao artista, da empregada doméstica ao famoso atleta, do
estudante ao político.
Algumas igrejas parecem ter perdido o rumo. A quantidade de
divórcios entre seus membros é testemunha gritante de como o evangelho
diluiu-se no meio de uma sociedade paganizada. A santidade de alguns jovens que
se propõem viver castos até o casamento é motivo de chacota no seio da própria
congregação.
À essas igrejas, aos seus pastores, cantores, líderes e
políticos cristãos, o profeta ergue a voz em protesto!
A mensagem de Amós precisa ecoar novamente na igreja, pois
tem uma palavra de alerta aos membros da comunidade da fé. Ele não apenas diria
“afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias
da tua lira” (Am 5.23), acrescentaria:
“Afaste de mim o palavreado das mensagens que você prega,
pois fecho os ouvidos quando você sobe no púlpito; cerro os olhos para não ler
o que você escreve; detesto quando você menciona o meu nome; sua música é
muito linda, sua banda é perfeita, sua voz belíssima, mas o som de sua melodia
chega aos meus ouvidos desafinado pelo estilo de vida perverso que você tem; o
cheiro que você exala provoca-me náuseas...”.
Amós clama pelas ruas:
“Vocês oprimem o pobre e o forçam a dar-lhes trigo” - (Am
4.11), isto é, sugam dos pobres todo o dinheiro que eles têm para satisfazer os
desejos pessoais de vocês, para construir suntuosas catedrais e comprar aptos.
e terras. “Vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça
ao pobre nos tribunais” (4.12b), isto é, vocês os mantêm sob o jugo da
autoridade, ameaçando-os e intimidando-os com a possibilidade de exclusão
pública do rol de membros. A opressão da vara do pastor, de todas, é a pior!
Amós clama na igreja:
“Vocês se deitam em camas de marfim e se espreguiçam em
seus sofás” (6.4), enquanto os pobres da igreja dão duro e trabalham; enquanto
seus obreiros andam em ônibus lotados, à pé, suando para fazer a obra de Deus,
vocês como líderes, do alto de sua autoridade, descansam no sofá repassando um
a um as centenas de canais de tevê, deleitando-se em viagens, dormindo nos mais
caros hotéis e freqüentando os shoppings da moda. Ele diz aos cantores e grupos que cobram
altos cachês para se apresentarem nas igrejas:
Vocês “dedilham suas liras como Davi e improvisam em
instrumentos musicais” (Am 6.5), mas não têm o coração de Davi; buscam, isso
sim, seu próprio bem-estar e, depois de cantarem e louvarem nos cultos das
igrejas ou nos festivais, fecham atrás de si as portas do quarto de hotel e
deleitam-se na fartura da melhor comida e das bebidas mais caras, quando não em
orgias sexuais!
“Vocês bebem vinho em grandes taças - não apenas vinho mas
toda sorte de bebidas caras e finas nas festas de gente ímpia que detesta o
nome de Cristo - e se ungem com os mais finos óleos - têm aparência de possuir
grande unção e poder, confundem poder e unção com habilidade e
profissionalismo; fazem do ministério seu ganha-pão - mas não se entristecem
com a ruína de José - isto é, vocês não choram, nem clamam, nem jejuam, nem se
importam com a ruína da igreja e do mundo! Pensam apenas em vocês mesmos! (Am
6.6).
A bússola da verdade deve urgentemente ser consultada para
que a igreja ande na rota traçada por Deus! Quando isso acontecer, o mundo
voltará a olhar a igreja como uma sociedade séria, diferenciada; como
sociedade que tem rumo próprio.
Políticos evangélicos, firmem-se na verdade, pois o mesmo
Deus que vocês alegam que servem, haverá de sacudir os fundamentos da estrutura
política, como tantas vezes o fez, expondo-lhes à ignomínia. A mídia que vocês
tanto amam é laço que lhes prenderá os pés; mordaça que lhes impedirá de falar;
espinho que lhes cegará os olhos - essa mesma mídia impedir-lhes-á a caminhada,
mas por certo, se vocês tiverem temor de Deus, haverão de se firmar no Senhor,
servindo-lhe e apenas a ele de todo o seu coração! “Ouçam esta palavra, vocês (...) que estão no
monte de Samaria - Os políticos.
Vocês que estão em posição de autoridade, nas
casas do povo - vocês que oprimem os pobres e esmagam os necessitados - cujos
altos salários contrastam com o pobre salário mínimo, e com o baixo reajuste
salarial dos velhos e velhas aposentados, vocês que dizem - tragam bebidas e
vemos beber - isto é, que vivem em festas, no meio da fartura (Am 4.1). Ganham altos salários para fazer pequenos
discursos nas Assembléias e Câmaras do povo. Até quando suportará Deus o hálito
das festas e da embriagues?
As eleições estão chegando e teremos que suportá-los
novamente bafejando o odor do mundo de Maquiavel sobre os púlpitos de nossas
igrejas! Será insuportável, uma vez mais, observar pastores, cantores e
líderes seguindo o curso do mundo governado pelo diabo - seguindo a carreira do
mundo! Que Deus tenha misericórdia de
nós e abra-nos os olhos para enxergarmos na sua bússola o Norte a seguir. Que a
igreja volte a andar no caminho da santidade e se diferencie do mundo ao seu
redor!
João A. de Souza Filho
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