A
ATUALIDADE DOS DONS ESPIRITUAIS
INTRODUÇÃO
OS NOVE DONS EXTRAORDINÁRIOS
Nesta
mensagem, nos propomos a demonstrar a atualidade dos dons espirituais.
Desejamos comprovar que os dons extraordinários não cessaram com a ultimação do
Novo Testamento. Segundo alguns expoentes, os dons dividem-se em ordinários e
extraordinários. Na primeira classificação incluem-se os dons de natureza
comum. Na segunda encontramos aqueles dons de caráter sobrenatural. Na opinião
de muitos eruditos, alguns desses dons de natureza sobrenatural cessaram quando
o Novo Testamento foi completado. Esses dons extraordinários são aqueles nove
alistados em 1 Coríntios 12:8-10: (1) palavra da sabedoria, (2) palavra do
conhecimento, (3) fé, (4) curas, (5) operação de milagres, (6) profecia, (7)
discernimento de espíritos, (8) variedade de línguas, (9) interpretação de
línguas. Afirma-se que nos dias de hoje não devem existir esses dons, porque
eles tinham a função de causar efeito, autenticar a mensagem apostólica e
servir de sinal para a inauguração de uma nova era que estava surgindo no plano
dispensacional de Deus.
Para
levar a efeito nosso propósito, dividimos este ensaio em dois capítulos. Na
primeira parte apresentamos os pressupostos filosóficos que devem ser
vistos como evidências, e não como provas, da atualidade dos dons
extraordinários. É importante salientar que, toda vez que utilizarmos a
expressão "dons extraordinários" neste trabalho, estaremos nos
referindo aos nove dons alistados em 1 Coríntios 12:8-10. A segunda parte traz
argumentos escriturísticos extraídos das Sagradas Escrituras (Basearemos
nossos argumentos em uma única passagem bíblica: a passagem clássica de 1 Coríntios
13:8-13 onde, alguns supostamente encontram elementos para negarem a atualidade
dos dons extraordinários). Obviamente, nas Escrituras reside nossa melhor força
argumentativa, pois é dela que extraímos o material mais apropriado, sem,
contudo, desprezarmos as fontes extra-bíblicas, pois estas trouxeram grande
contribuição a este trabalho. Reconhecemos, entretanto, que qualquer outra
fonte, por melhor que seja, seria inútil se estivesse desassociada do
reconhecimento da superioridade, inerrância e infalibilidade das Escrituras
Sagradas. É, pois, da análise da Bíblia que ousamos apresentar provas incontestáveis
da atualidade dos dons extraordinários. A filosofia nos foi muito útil, mas
apenas como ferramenta de apoio, e não como prova cabal. A filosofia demonstra
as evidências. As Escrituras comprovam os fatos.
Apesar
da suficiência das Escrituras, era nosso desejo enriquecer este trabalho com
outras fontes, além dos argumentos filosóficos. Gostaríamos de ter apresentado
os fatos históricos, o que certamente abrilhantaria esta tese. Mas a
escassez de tempo e espaço nos obrigou a limitarmos nosso trabalho em apenas
duas fontes.
Não
temos a pretensão de sermos inéditos, pois em toda parte podemos encontrar, com
certa profusão, obras sobre o assunto. Também não
pretendemos
esgotar este tema, pois homens com mais capacidade do que nós escreveram obras
com superior qualidade. Neste sentido nosso trabalho está muito aquém da obra
destes eruditos, e não poderemos satisfazer plenamente aqueles que,
eventualmente, desejem uma análise mais profunda sobre este tema.
Naturalmente,
cremos que ainda outros surgirão, pois para os mistérios de Deus nunca haverá
uma palavra definitiva. Nenhum ser humano pode, hoje, arrogar para si o múnus
de falar em nome de Deus. Embora tenhamos, num certo sentido,
"inspiração" da parte do Espírito de Deus, devemos saber que
"...nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação..."
(2ª Pedro 1:20).
CAPÍTULO I
ARGUMENTOS FILOSÓFICOS
Os
argumentos filosóficos são aqueles que se relacionam com o saber humano à parte
da revelação divina. O campo da filosofia são as diversas áreas do
conhecimento, pois ela trabalha tanto com o conhecimento teórico quanto com o
conhecimento experimental, e a relação existente entre estes dois universos.
I. EPISTEMOLÓGICO
O
primeiro argumento filosófico que examinaremos é o epistemológico. "A epistemologia
é o campo da filosofia que investiga a natureza e a origem do conhecimento. 1
A
epistemologia estuda como sabemos. 2
"Na
área da epistemologia devemos fazer as seguintes perguntas: "Como
conhecemos alguma coisa? Quando é justificada a alegação de que alguém sabe? É
possível o conhecimento indubitável (certo) acerca de qualquer coisa"? 3
Para
respondermos à pergunta "como podemos conhecer"? devemos
analisar as nossas fontes de conhecimento ou a origem de nossas crenças. As
seguintes fontes serão aqui analisadas: o testemunho de outras pessoas, a
intuição (usada aqui no sentido de instintos, sentimentos, e desejos), o
raciocínio, e a experiência sensória. Estas fontes levam a cinco lógicas ou
critérios para validar as crenças. São elas a fé ou o autoritarismo, o
subjetivismo, o racionalismo, o empirismo, e o pragmatismo.
1. AUTORITARISMO: Esta fonte baseia-se no testemunho de autoridades.
Começamos nossa aprendizagem ao aceitar as crenças da nossa família.
Posteriormente aceitamos o que nos é dito por nossos professores e amigos.
Ainda depois de formados, dependemos do testemunho de livros, jornais, etc.
Aceitamos todas essas fontes quando acreditamos serem elas boas. Desse modo
delegamos autoridade às fontes que acreditamos fidedignas. Essa autoridade tem
origem em 4 elementos:
1.1. O Prestígio da Autoridade: As autoridades evangélicas que defendem a atualidade dos
dons extraordinários são pessoas de prestígio. Elas gozam de nossa confiança, e
não somente da nossa, mas até mesmo da de seus oponentes. Portanto, a palavra
desses irmãos, homens de erudição comprovada, tem um peso decisivo sobre nossas
crenças. Algumas autoridades que podemos citar são: D. M. Lloyd Jones, John R.
W. Stott, Ray C. Stedman, David Yonggi Cho, C. P. Wagner, Caio Fábio D'Araujo
Filho, entre outros.
1.2. O Número de Defensores: O grande número de pessoas que defendem a atualidade dos
dons é algo que deve ser levado em conta. Se os dons extraordinários tivessem
cessado, então grande multidão de evangélicos estariam sendo enganados. Será
que Deus permitiria tal coisa?
1.3. A Persistência na Crença: Apesar dos ataques que vem sofrendo ao longo da história,
a crença nos dons extraordinários tem persistido até o presente. Se os dons
extraordinários manifestados imediatamente após o período apostólico, as
manifestações históricas contemporâneas, bem como as atuais da era moderna,
fossem de fato falsificações, há muito elas teriam desaparecido da lembrança do
povo evangélico. Ele não fariam nenhuma questão de ressuscitá-las.
1.4. A Antigüidade da Crença: A crença nos dons extraordinários não é nenhuma inovação
da Igreja Moderna. Ela existe desde o nascimento da Igreja; tem o selo
apostólico como garantia, bem como a autenticação do Espírito Santo nas suas
mais diversas operações através da Igreja.
2. SUBJETIVISMO
Temos aqui o argumento baseado na intuição, isto é no sentido dos
instintos, sentimentos e desejos. Isto não significa que nossas crenças acerca
da realidade dos dons extraordinários tem sua origem em dados dos sentidos ou
coisas semelhantes, mas, sim, através de nosso contato imediato com o
conhecido. Portanto este elemento pressupõe que o conhecedor tenha algum tipo
de contato direto com o que é conhecido, ou seja com o objeto da crença, que no
nosso caso, são os dons extraordinários. Para melhor elucidação também
classificamos o subjetivismo em duas categorias: realismo direto e misticismo.
2.1. Realismo Direto ou do Bom Senso: É o ponto de vista concebido
pelo homem comum, sem qualquer reflexão filosófica, porém caracterizada pelo
bom senso e bom juízo. Pessoas psiquicamente sadias não ousariam defender uma
experiência subjetiva se de fato não acreditassem nela. Pode ser que estivessem
enganadas, mas não por muito tempo. Pode ser que alguns se enganassem, mas não
todos. Uma experiência subjetiva, isto é, pessoal, interior, é algo que costuma
ficar gravado no espírito pelo resto de nossas vidas, principalmente se esta
tem sua origem na pessoa do Espírito Santo de Deus. Este fato deve ser
considerado como evidência de que o Espírito Santo ainda opera
extraordinariamente, através dos dons, em nossos dias.
2.2. Misticismo: É o subjetivismo supra-racional, que tem a ver com o
conhecimento de Deus. Certamente podemos conhecer a Deus, e de fato o
conhecemos, mas alguns conhecimentos estão além da razão humana. É o caso
também dos dons extraordinários, que conhecemos hoje em parte, mas não o
compreendemos totalmente. A experiência mística de muitos irmãos comprovam a
atualidade dos dons extraordinários.
3. RACIONALISMO
Este elemento aponta para a razão, para aquilo que é cognoscível.
Há boas razões para acreditarmos nos dons extraordinários para hoje. Os
próprios argumentos deste trabalho se constituem em algumas destas razões.
4. EMPIRISMO
Aponta para o elemento baseado mais na experiência do que na
razão. É claro que a experiência de um cristão não deve servir como padrão para
autenticação dos dons, mas o grande número de experiências sentidas por tantos
cristãos, servem para evidenciar que algumas delas são pelo menos genuínas. Já
que o empirismo se baseia na experiência, é óbvio supor que esta se serve dos
sentidos e daquilo que se descobre com eles.
4.1. Sentidos Físicos: Visão, olfato, audição, tato e paladar. Relatos de
experiências espirituais envolvendo a visão é a mais comum que encontramos. Mas
também já se ouviu falar de manifestações envolvendo a audição, o olfato e
outros sentidos.
4.2. Sentidos Emocionais: Inúmeros irmãos têm sido tocados em suas emoções, quando
as operações espirituais do Espírito Santo de Deus se manifestam. Deveríamos
mesmo acreditar que essas experiências foram apenas produto da emoção humana?
Não seriam de fato o resultado da operação do Espírito? Quando Deus se
manifesta, homem algum pode resistir a ponto de permanecer emocionalmente estático.
5. PRAGMATISMO
Este argumento considera a funcionalidade, utilidade e resultados
práticos do objeto conhecido.
5.1. Funcionalidade: Os dons que conhecemos funcionam mesmo?
5.2. Utilidade: Os dons são realmente úteis?
5.3. Resultado: Os dons extraordinários de hoje têm bons resultados práticos?
2. METAFÍSICO
Este
nome provém de uma palavra grega que significa "depois da física".
Através do uso do termo este veio a significar "além" do físico. Daí,
a metafísica, para alguns filósofos, "é o estudo do ser ou da
realidade." 4
Enquanto
que a epistemologia ocupa-se com as capacidades e as limitações de quem sabe,
"a metafísica trata da existência e da natureza daquilo que é
sabido." 5
A
metafísica considera, pois, as qualidades e os relacionamentos das coisas
conhecidas, ou seja: a realidade. De que forma então podemos conhecer
realisticamente (metafisicamente) os dons extraordinários? Só podemos conhecer
o desconhecido por intermédio do que conhecemos, o real desconhecido pelo real
desconhecido, o irreal desconhecido pelo irreal desconhecido. Só podemos
conhecer aquilo que é verdadeiro por meio daquilo que não é verdadeiro. Logo
podemos conhecer a realidade verdadeira por meio da realidade falsa. Conhecemos
muito bem as falsificações demoníacas, e por meio delas podemos conhecer a
verdadeira manifestação de Deus. Se existe o falso, necessariamente deve também
existir o verdadeiro. A realidade dos falsos dons extraordinários, comprovam a
existência dos verdadeiros dons extraordinários.
CAPÍTULO 2
ARGUMENTOS ESCRITURÍSTICOS
Os
argumentos escriturísticos são aqueles baseados na revelação de Deus, em sua
palavra escrita, isto é nas Sagradas Escrituras.
I. EXEGÉTICO
O
argumento exegético baseia-se na interpretação do texto bíblico original. Para
este trabalho utilizaremos a passagem de 1 Coríntios 13:8-13, que tem sido
usada por muitos comentaristas para defender a negação dos dons extraordinários
neste tempo presente. Um destes comentaristas é B. F. Cate, autor do livro
"The Nine Gifts of the Spirit. Are not in the church today" (Os Noves
dons do Espírito. Não se manifestam na igreja no dia de hoje). Veremos então a
interpretação de B. F. Cate, e, em seguida apresentaremos nossa exegese do
texto em questão.
1. A Visão de B. F. Cate de 1 Coríntios 13:8-13:
Cate
inicia o primeiro capítulo de seu livro fazendo esta pergunta: "Os Nove
Dons: Quando Cessaram Eles?" Em seguida passa a argumentar da seguinte
maneira: "Paulo diz: 'O amor jamais acaba.' Isto implica que os dons
acabariam; portanto, ele prossegue dizendo: 'mas, havendo profecias,
desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará; porque em
parte conhecemos e em parte profetizamos (versículo 8 e 9). a razão por que
eles só conheciam em parte era que então ainda não estava completamente
revelado aquilo do Novo Testamento que agora está escrito. 'Quando, porém,' diz
Paulo, 'vier o que é perfeito (a ultimação do Novo Testamento), então o que é
em parte (profecia, etc.) será aniquilado' (versículo 10). Depois ele ilustra
isso dizendo: 'Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino,
pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das cousas próprias de
menino' (versículo 11). Nos dias primitivos da presente dispensação, quando foi
escrita esta epístola, eles eram como meninos; mas estava aproximando-se
rapidamente o tempo quando desistiriam 'das cousas próprias de menino' (os nove
dons), e andariam pela fé no 'caminho sobremodo excelente' do 'amor' e na luz
da completa revelação de Deus.
"Paulo ilustra novamente, dizendo: 'Porque agora (quando esta
epístola foi escrita) vemos como em espelho, obscuramente (em parte
conhecemos), então (quando a revelação de Deus ao homem fosse completada)
veremos face a face; agora conheço em parte, então conhecerei como também sou
conhecido' (versículo 12). Conhecer 'como também sou conhecido,' significa:
nós, agora que a revelação de Deus está completa, não mais 'em parte
conhecemos,' mas conhecemos a mente de Deus (para esta dispensação) tal como
Ele conhece nossa mente." 6
Cate
prossegue dizendo: "Existem alguns que encontram dificuldade em ver que
'o que é perfeito' em 1 Coríntios 13:9,10 refere-se à perfeição (ultimação) da
revelação de Deus para a era da igreja. Paulo, ao demonstrar que 'o amor jamais
acaba,' mas que os nove dons cessariam quando o Novo Testamento chegasse à sua
ultimação, refere-se apenas a três deles como exemplo do todo (versículo 8).
Depois, nos versículos 9 e 10 ele reduz isto a um único dom - o da profecia -
como um exemplo do todo. Vejamos mais uma vez o que dizem estes versículos:
'Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos. quando, porém, vier o que
é perfeito, então o que é em parte (profetizar) será aniquilado.' Paulo não
está falando a respeito da perfeição dos santos; está falando a respeito da
perfeição da profecia. Demonstra assim que o dom de profecia deveria cessar
quando a revelação de Deus para a era da Igreja chegasse à perfeição." 7
Esta
é a visão de Cate. Com amor e respeito àqueles que pensam dessa forma,
passaremos a contra-argumentar esta posição. Nós cremos que, na passagem, Paulo
fala da perfeição dos santos, e defenderemos esta tese, porque se o fizermos,
ficará também demonstrado que os dons extraordinários existem hoje. Isto porque
Paulo deixa claro, na passagem, que os profetas deveriam profetizar 'em parte'
até que viesse 'o que é perfeito.' Portanto, se 'o que é perfeito' ainda não
veio, então nós ainda temos profetas profetizando 'em parte' ainda hoje.
2. Uma Análise de 1 Coríntios
13:8-13: Nesta passagem analisaremos os vocábulos "perfeito",
"quando", "agora", "então" e
"conhecer".
2.1. O Perfeito do Versículo
10: O termo
grego usado em 1 Coríntios 13:10 é teleio (téleios).Esta palavra pode
ser traduzida de várias maneiras: (1) "perfeito", referindo-se
à coisas (Romanos 12:2; ICoríntios 13:10; Tg.1:4,17,25; Hebreus 9:11, IJoão 4:18,
etc.); (2) "perfeito", referindo-se à pessoas, com o sentido de
"maduro" ou "adulto" em sentido moral e espiritual
(Mt.5:48; 19:21; Fp.3:15; Colossenses 1:28; ICoríntios 2:6; 14:20; Efésios 4:13;
Hebreus 5:14); (3) "perfeito", referindo-se à Deus em sua perfeição
absoluta (Mt.5:48). 8
No versículo 10 de 1 Coríntios 13, o termo grego teleion
(téleion) é "adjetivo pronominal, nominativo, neutro, singular." 9
De acordo com isto, a tradução correta do texto deveria
ser: "quando. porém, vier aquilo que é perfeito, então aquilo
que é em parte será aniquilado." Isto porque este adjetivo, na língua
grega, não é feminino nem masculino, mas está no gênero neutro. Portanto,
o argumento de Cate, de que "o que é perfeito em parte" se refere a
profecia, se desfaz; e isto por duas razões: (1) A palavra grega profecia,
usada no versículo 8 (profhteia = profeteía), é "substantivo,
nominativo, feminino, plural." 10
Se a palavra "profecia" é feminina, então "aquilo
que é perfeito" também deveria estar no gênero feminino para concordar,
mas não está. (2) Se "o que é perfeito" fosse a revelação profética
completada pelo Novo Testamento, então "o que é perfeito em parte," a
revelação profética do Antigo Testamento, teria sido aniquilada. De fato o
Antigo Testamento foi aperfeiçoado ou completado pelo Novo Testamento, mas de
forma alguma ele foi aniquilado ou cessou em seus efeitos. Jesus disse que
nenhuma profecia do Antigo Testamento cessaria até que tudo se cumprisse
(Mt.5:18). Jesus não disse que a lei cessaria até que tudo fosse revelado (a
revelação do Novo Testamento), mas até que tudo se cumprisse. Como poderia o
Antigo Testamento ter sido aniquilado se ainda há muitas profecias para serem
cumpridas? "...a Escritura não pode falhar." (João 10:35).
Cremos que a palavra "perfeito" contém nesta
passagem a idéia do fim ou do objeto consumado ou completado, pois de acordo
com o contexto da epístola, Paulo, logo adiante, no capítulo 15, passa a tratar
da ressurreição. Em 1 Coríntios 15:24 o apóstolo diz: "...então virá o fim..."
A palavra fim é telo (télos). Portanto deve referir-se à
ressurreição ou perfeição dos santos na consumação, quando toda a profecia terá
sido completada, finalizada ou aperfeiçoada 11 (Lc.22:37) e a fé terá o seu fim, quando deixaremos de ver por
enigma, e veremos face a face ao Nosso Salvador: "(Cristo) a quem, não
havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com
alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé, a salvação das
vossas almas." (1 Pedro 1:8,9).
Uma passagem esclarecedora pode ser encontrada em Romanos
10:4, onde lemos que "...o fim (télos) da lei é Cristo...".
Obviamente a lei não teve seu fim (ela não foi aniquilada, veja Mt.5:17),
mas ela foi aperfeiçoada por Cristo: "Anulamos, pois, a lei, pela fé? Não,
de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei." (Rm3:31). Pela nossa fé em
Cristo, a lei está sendo, em nós, confirmada e aperfeiçoada, até que chegue a
ressurreição, quando deixaremos de andar por fé (2Coríntios 5:7) para andar por
vista, pois veremos Cristo face a face: "...quando Ele se manifestar,
seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-lo como Ele é."(1 João
3:2). Na ressurreição alcançaremos nossa perfeição espiritual, deixaremos
de ser meninos, e conheceremos plenamente a Cristo, como dEle somos conhecidos:
"...até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do
Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de
Cristo, para que não mais sejamos como meninos..." (Efésios 4:13,14). O
contexto desta passagem diz que Cristo "...concedeu dons aos homens... até
que todos cheguemos à unidade da fé..." (versículos 8,13). De acordo com
este contexto, os dons de Cristo devem durar até que se completem
as observações feitas por Paulo no versículo 13. Neste sentido, nem mesmo o dom
de apóstolo, mencionado no versículo 11, teria cessado.
2.2. O Quando do Versículo 10:
A palavra quando
usada neste versículo é traduzida do grego otan (hótan). Este termo
é uma "partícula temporal" que pode ser traduzida por "no tempo
que." 12
Portanto o versículo está dizendo que "o que é
perfeito em parte" somente será aniquilado "no tempo que vier o que é
perfeito," e esse tempo ainda é futuro, pois hótan se refere a
"um tempo definido e específico." Esse tempo definido e específico
era futuro para o apóstolo Paulo, quando ele escrevia a epístola, e ainda hoje,
é futuro para nós.
2.3. O Quando do Versículo 11:
O quando
deste versículo, no grego, não é hotan, como no versículo anterior, mas ote
(hóte), que também é uma "partícula temporal," 13 mas se
refere a um tempo indefinido, pois Paulo não estava falando da época em que ele
era criança, mas de um tempo indefinido, ao qual ele chama de "tempo de
menino," que ele usa para contrastar com o tempo definido pela vinda
daquilo que é perfeito.
2.4. O Agora do Versículo 12: Esta palavra aparece duas
vezes no versículo 12, como tradução do vocábulo grego arti (arti). Trata-se
de um advérbio, com sentido de "já, imediatamente, no presente,
presentemente," como é utilizado em João 9:19,25: 1 Pedro 1:6,8. "No
grego helenístico o sentido é ampliado para referir-se ao presente em
geral." 14
Segundo Grosheide, arti expressa "um contraste
entre esta dispensação e a futura." 15
De acordo com isto, o agora do versículo 12 não
expressa apenas o tempo do apóstolo Paulo, quando a epístola foi escrita por
ele, mas também o tempo presente, até o final da presente dispensação.
2.5. O Agora do Versículo 13: A palavra agora deste
versículo é traduzida do grego nune (nune), que pode também ter a idéia
de tempo (Atos 22:1; 24:13; Romanos 3:21; Efésios 2:13; etc.), mas no versículo
em questão, foi usado com sentido lógico e não temporal, como é usado em
1 Coríntios 5:11; 15:20; Hebreus 9:26; etc. Nesses casos, a idéia de tempo é
"enfraquecida ou totalmente ausente" e deve ser melhor traduzida por
"porém, mas, ora." 16
Nesse sentido o que o apóstolo está dizendo é que neste
tempo presente ainda "vemos como em espelho, obscuramente," porque
vemos por meio da fé (2 Coríntios 5:7), e da esperança (Romanos 8:24,25) que
"é a certeza das cousas que se esperam, a convicção de fatos que se não
vêem." (Hebreus 11:1). "Logo..." - diz o apóstolo -
"...permanecem a fé, a esperança e o amor..." (v.13). Estas três
virtudes são necessárias para haver o conhecimento de Deus. A fé e a esperança
nos concedem um conhecimento parcial (Romanos 1:17; Efésios 3:17-19; 2Tm.3:15),
por isso cessarão, quando o conhecimento completo vier. O amor, porém
permanecerá pela eternidade, quando vier o que é perfeito, pois o amor
"...é o vínculo da perfeição." (Colossenses 3:14).
2.6. O Então do Versículo 12: A palavra grega para este
vocábulo é tote (tóte). Este advérbio indica tempo, e está em conexão
com o "quando" do versículo 10, que também é temporal. Segundo o
léxico, deve ser traduzido por "naquele tempo." 17
2.7. O Verbo Conhecer dos
Versículos 9 e 12: Este verbo aparece quatro vezes no texto. Nas duas primeiras
ocorrências, é usado o verbo grego gnwskw (gnôskô): "...em parte conhecemos..."(v.9),
"...agora conheço em parte..."(v.12). Nas outras duas ocorrências
o verbo grego é preposicionado com o prefixo grego epi (epi): epignwskw
(epignôskô): "...então conhecerei como também sou
conhecido..."(v.12). O prefixo adicionado ao vocábulo dá um sentido
pleno ao verbo. A Nova Versão Internacional do Novo Testamento traduz com mais
exatidão o versículo 12: "Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro,
como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em
parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente
conhecido." 18
Note que na primeira ocorrência, Paulo acrescenta as
palavra "em parte" ao verbo conhecer, porque o seu conhecimento,
quando ele escrevia a epístola era parcial. Mas ele diz que, no tempo (então)
em que viesse aquilo que é perfeito, ele veria face a face e teria o pleno
conhecimento. Barrett diz que "As palavras apresentam a inadequação do
atual conhecimento humano de Deus, em
contraste com o conhecimento que Deus tem do homem e o
conhecimento de Deus que os homens terão na era futura." 19
É claro que Paulo não atingiu o pleno conhecimento. Ele
caminhava com esforço na vida cristã, para obter o melhor nível de perfeição,
mas sabia que seria impossível atingi-lo nesta vida: "...para o
conhecer e o poder da sua ressurreição... para de algum modo alcançar a
ressurreição dentre os mortos. Não que eu o tenha já recebido, ou tenha já
obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui
conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo
alcançado; mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e
avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio
da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Todos, pois, que somos perfeitos
(maduros até um certo nível), tenhamos este sentimento; e, se porventura
pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de
acordo com o que já alcançamos."(Fp.3:10-16). Entretanto quando Paulo
estava para morrer, sabendo que iria encontrar-se com o Senhor face a face, ele
escreveu: "Combati o bom combate, completei (telew = teléô =
aperfeiçoei) a carreira, guardei (threw = têréô = permenecí fiel) a
fé."(2 Tm.4:7). O sentido de teléo neste verso é:
"terminar, completar, chegar ao alvo." 20
O que é verdade para Paulo, também é para nós. Nenhum
cristão hoje ousa dizer que tem o pleno conhecimento de Deus ou das coisas de
Deus. Paulo, que não atingiu esse nível, possuía muito mais conhecimento do que
nós que temos a Escritura completa. é certo que podemos ter um pleno
conhecimento subjetivo da verdade (2Tm.2:25), mas o conhecimento pleno,
objetivo e absoluto, só a deus pertence (Deuteronômio 29:29). Portanto
"...conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor: como a alva a sua
vinda é certa..." (Os.6:3), porque "...a vida eterna é esta: que te
conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste... Eu
lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com
que me amaste esteja neles e eu neles esteja." (João 17:3,26).
2. HERMENÊUTICO
Este
argumento baseia-se nas leis de interpretação do texto bíblico. Não há em todo
o Novo Testamento nenhum texto que diga claramente que os dons extraordinários
cessariam. O único texto que poderia dar alguma margem à esta interpretação é o
de 1 Coríntios 13: 8-13. Este texto, por ser um pouco obscuro, e de difícil
interpretação, tem sido usado para demonstrar a extinção dos dons
extraordinários para a época posterior à época apostólica. Contudo, uma boa
exegese, como a que acabamos de apresentar, no sub-capítulo anterior, dissolve
toda a dúvida quanto a existência dos dons extraordinários para hoje.
2I. PROFÉTICO
O
argumento profético tem a ver com o caráter profético da mensagem, do sinal
operado ou propriamente da manifestação do dom extraordinário. O genuíno dom
extraordinário tem que ser puro e santo. Suas asseverações devem ser claras e
exatas, não deixando nenhuma margem à dúvida. Desassemelham-se das
adivinhações, prognósticos, agouros e feitiçarias, com os quais não devem ter
nenhum vínculo, o mínimo que seja (Deuteronômio 18:9-14). A palavra profética,
por exemplo, deve acontecer exatamente como foi predita: "Se disseres no
teu
coração:
como conhecerei a palavra que o Senhor não falou? Sabe que quando esse profeta
falar, em nome do Senhor, e a palavra dele se não cumprir nem suceder, como
profetizou, esta é palavra que o Senhor não disse; com soberba a falou o tal
profeta: não tenhas temor dele." (Deuteronômio 18:21,22).
Inúmeros
crentes têm sido beneficiados com a manifestação do genuíno dom extraordinário.
Vidas foram edificadas ao receberem uma palavra profética de edificação,
exortação e consolo (1 Coríntios 14:3). Poderia vir de Satanás algo que
promovesse o bem estar dos santos? Certamente que não! "Acaso pode a fonte
jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?" (Tg.3:11).
IV. ESPIRITUAL
Este
argumento, tão importante quanto o profético, baseia-se não no caráter do dom
propriamente, mas no caráter espiritual da pessoa através da qual o dom se
manifesta. Ele se focaliza no instrumento que manifesta o dom, e não na
manifestação do dom. É preciso discernir o caráter da pessoa que fala ou
manifesta algum dom extraordinário. Esta pessoa é séria em sua vida com Deus? Leva
uma vida santa e irrepreensível? É conhecida? Deixa transparecer alguma
suspeita? Tudo isso deve ser levado em conta, mesmo que o sinal por ela
predito, venha a acontecer: "Quando profeta ou sonhador se levantar no
meio de ti, e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou
prodígio, de que te houver falado, e disser: vamos após outros deuses, que não
conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador;
porquanto o Senhor vosso Deus vos prova, para saber se amais o Senhor vosso
Deus de todo o vosso coração, e de toda a vossa alma." (Deuteronômio 13:1-3).
Deus permite a manifestação de "...poder, e sinais e prodígios da
mentira..." (2 Ts.2:9), para enganar aqueles que "...não acolheram o
amor da verdade..." (2 Ts.2:10). Portanto, todo sinal ou dom
extraordinário, por mais portentoso que seja, que contraria a verdade da
palavra de Deus deve ser rejeitado porque não vem de Deus. O Novo Testamento
apresenta um caso interessante o nosso para exame. Diz a bíblia que "..indo
nós para o lugar da oração, nos saiu ao encontro uma jovem possessa de espírito
adivinhador... seguindo a Paulo e a nós, clamava dizendo: estes homens são
servos do Deus Altíssimo, e vos anunciam o caminho da salvação..." (Atos 16:16,17).
Note que nesta passagem tudo que o espírito dizia acerca de Paulo e seus
companheiros era verdade, porém tratava-se de um espírito adivinhador, isto é,
um demônio que "...adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores."
(Atos 16:16). Paulo tratou logo de expulsar aquele espírito (Atos 16:18) para
proteger a pureza de sua mensagem, a qual ele anunciava gratuitamente, sem fins
lucrativos, para que os seus ouvintes não a considerassem equivalente à
mensagem que aquele espírito anunciava.
Temos
encontrado homens seríssimos em sua vida com Deus. Estes têm servido de
instrumentos nas mãos divinas, como canais de manifestação de dons
extraordinários. Se rejeitarmos a existência dos dons extraordinários, teríamos
que rejeitar a muitos homens e mulheres de Deus.
CONCLUSÃO
Nesta
conclusão queremos salientar uma palavra final sobre o texto de 1 Coríntios
13:8-13, muito usado por nossos oponentes para negar a atualidade dos dons
extraordinários, e, por nós, para defender a sua existência. Reconhecemos
algumas dificuldades que a passagem apresenta. Paulo não diz claramente o que é
"o perfeito." Dissemos neste trabalho tratar-se, o perfeito da
ressurreição. Alguns têm afirmado tratar-se da vinda de Jesus; outros,
por sua vez, dizem que é o amor. Todas essas posições trazem dificuldades.
A ressurreição (anastasi = anástasis) vinda (parousia =
parousía), e o amor (agaph = agápê) são palavras
femininas, enquanto que a palavra perfeito (telo = télos) está no
gênero neutro. Talvez pudéssemos dizer, referindo-se à ressurreição, que Paulo estava
falando do evento da ressurreição, do seu fenômeno. Daí teríamos
uma possível solução. O mesmo se poderia dizer em relação à vinda de
Cristo.
Uma
coisa, porém, podemos afirmar sem vacilar. Aquilo que é perfeito não é a
profecia do Novo Testamento, como afirmou B. F. Cate. Isto demonstramos ao
longo deste ensaio. Nós acreditamos que o perfeito é o conjunto de todas
estas coisas: a vinda de Jesus, seu amor completado em nós, a ressurreição, o
cumprimento das promessas futuras, encontradas nas Escrituras, que virão na
consumação desta era. Todos estes elementos, é claro, não poderia ser
gramaticalmente descrito por uma só palavra, masculina ou feminina. Paulo
vinculou o todo à uma só palavra: "o perfeito," e esta, para
descrever tantas perfeições de Deus, só poderia estar no neutro, porque se
refere à muitas coisas.
De
qualquer forma, seja o que for o perfeito, claro ficou que ele ainda não
veio, e mesmo que não saibamos o que possa ser (esta nossa dificuldade prova
que não conhecemos plenamente hoje), é fato inegável que os dons
extraordinários não cessaram.
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