A Doutrina da Perseverança dos Santos nas
Epístolas Paulinas
Depois de analisar alguns textos que se referem a doutrina
da Perseverança dos Santos escolhi o texto de Gl 5:4. A necessidade de
fazer uma exegese em Gl 5:4 se justifica pelo errôneo uso da passagem.
Alguns textos das epístolas de Paulo foram selecionados
arbitrariamente para este estudo. Talvez, alguém possa perguntar, por que esta,
ou aquela passagem não foi analisada? Não é o propósito, por enquanto, deste
artigo esgotar o assunto. Avaliando a relevância das críticas que poderão surgir,
haverá a possibilidade de responder as objeções. A proposta deste ensaio é
verificar se de fato a doutrina da Perseverança dos Santos pode ser
encontrada e defendida no Corpus Paulinum, e para isto algumas passagens
serão suficientes.
Exegese em Rm 5:1-5
Em Rm 5:1-5 vemos os resultados que acompanham a
justificação. A justificação é o ato forense em que Deus, como juiz declara
justo o pecador pelos méritos de Cristo. Este ato não implanta nenhuma mudança
moral subjetiva no pecador. Todavia, simultaneamente com a justificação ocorre
a implantação da nova vida pelo Espírito, que provoca mudanças e impulsos
renovados para a santificação. Esta obra do Espírito que acompanha a
justificação não é um ignus fatuo (fogo passageiro), mas uma obra
permanente nos eleitos que foram justificados.
Esboçando o texto podemos analisá-lo melhor:
1.temos paz com Deus, mediante Cristo (vs.1)
2.obtivemos acesso a graça, e nela estamos
firmes (vs.2)
3.gloriamo-nos
na esperança da glória de Deus (vs.2)
4.gloriamo-nos nas tribulações (vs.3)
5.o amor de Deus é derramado em nós pelo seu
Espírito (vs.5)
A perseverança é realizada numa experiência verdadeira com
o trino Deus. O eleito justificado pode entender o próprio sofrimento sendo
transformado em bem (Gn 50:20) enquanto persevera[1]. A esperança da glória de Deus é o alvo final, a graça
capacita-o a seguir, Cristo o sustenta numa contínua intercessão, enquanto o
Espírito Santo nutre a sua alma com o amor de Deus. Esta é a segurança do
verdadeiro crente. C.E.B. Cranfield comentando o verso 5 coloca que
a prova de que a nossa esperança não nos
desiludirá no final, baseia-se na surpreendente generosidade do amor de Deus
para conosco. E, isto temos conhecido, e compreendido pelo dom do seu Espírito,
do qual temos sido objeto.[2]
O contexto posterior (vs. 5-21)
descreve o estado e a condição vergonhosa em que o pecador se encontra antes de
ser justificado em Cristo. O verso 6 começa com uma simples conjunção
subordinativa, que em nossas versões, em português, está traduzida como “porque”
ou por “pois”. Ela dá inicio nos versos 6 a 11 a explicação de como fomos
justificados. Paulo primeiro falou dos efeitos da justificação (vs. 1-5), para
depois explicar do que fomos justificados (vs. 6-21).
A
justificação será o divisor entre aqueles que são escravizados e condenados
pelo pecado, daqueles que estão em Cristo reconciliados com Deus. A linguagem
usada pelo apóstolo é de pessoas que participam em dois diferentes reinos. O
reino do pecado coloca os que estão debaixo da herança natural de Adão numa
condição de fracos e ímpios (vs. 6), injustos (vs. 7), pecadores (vs. 8),
debaixo da ira (vs. 9), inimigos (vs. 10), mortos (vs. 12) e ofensores (vs.
15). Sem a intervenção da suberabundante graça reinando na vida dos pecadores
não há a menor possibilidade de mudança e salvação. Os adjetivos que descrevem
os que estão debaixo do pecado referem-se a eles não somente como incapazes,
mas também como indispostos a deixar este reinado de morte. Não é possível, que
o pecador liberte-se pela sua própria capacidade da escravidão do pecado, e
evite a sua condenação, pois é súdito de um reino que age não apenas
externamente, mas internamente nele o que Paulo descreve como “o mal que habita
em mim” (Rm 7:13-25).
De igual modo, aqueles que foram alcançados pelos
benefícios da expiação de Cristo estão debaixo do reinado da “graça pela
justiça para a vida eterna” (vs. 21, grifo meu). Escrevendo aos cristãos
de Colossos Paulo declara que “Ele nos libertou do império das trevas e nos
transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a
remissão dos pecados” (Cl 1:13-14). Assim, voltando a Rm 5:1, pode-se entender
que “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Isto significa que pecadores justificados são súditos de
um reinado de graça, submissos ao soberano Senhor Jesus e que nada, nem ninguém
pode lhes expulsar, tirar, ou faze-los perder a sua cidadania celestial.
Exegese em Rm 8:28-30
Na tão conhecida passagem de Rm 8:28-30, encontramos Paulo
expondo a seqüência lógica da salvação.[3] Demonstra como Deus opera a salvação de eternidade a
eternidade. Para o apóstolo não há brecha nesta doutrina, que se possa pôr uma
cunha e fender esta seqüência. Não é possível afirmar que em alguma circunstância
o verdadeiro crente possa perder a sua salvação. Podemos esquematizar as
afirmações assim:
1.todas as coisas cooperam para o bem dos
que amam a Deus (vs.28)
2.aqueles que foram chamados segundo o Seu
propósito (vs.28)
3.aqueles que de antemão conheceu, também
predestinou (vs.29)
4.para
serem conformes à imagem de seu Filho (vs.29)
5.aos que predestinou, também chamou
(vs.29-30)
6.aos que chamou, também justificou (vs.30)
7.aos que justificou, também glorificou (vs.30)
O exegeta arminiano I. Howard Marshall, influenciado por
seus pressupostos sinergistas, prefere dar outra interpretação ao verso 30. Ele
faz uma citação de John Wesley, que por sua vez diz: “aos que justificou – se
permanecerem na bondade de Deus (Rm 11:22), serão um dia glorificados”.[4] Contudo, não é isso que está escrito! Não é “se
permanecerem na sua bondade”, como se isso dependesse da capacidade e
incertezas de pecadores oscilantes, mas a própria permanência é uma preservação
de Deus. Os “que amam a Deus” continuarão amando, e serão salvos total e
finalmente, porque é Deus quem realiza o Seu propósito (Rm 8:28, vide também no
cap.9:14-18).
Notemos que o apóstolo diz “também
glorificou” que indica um benefício futuro inaugurado. Não há qualquer
possibilidade de interromper a salvação que Deus iniciou (Fp 1:6). É uma
realização iniciada, todavia ainda não consumada. William Hendriksen comentando
o verbo “glorificou” diz que
este tempo verbal passado indica a
certeza de que haverá um acontecimento futuro e, talvez, em relação com o que
estamos tratando, o fato de que a glória prometida para o futuro já começou a
cumprir-se.[5]
O contexto posterior merece ser
analisado com atenção.
Exegese em Rm 8:31-39
Em Rm 8:31-39 encontramos uma série de perguntas, que
exigem obrigatoriamente uma resposta negativa. A primeira dessas perguntas,
serve de transição com o contexto anterior que começa em Rm 8:1.[6] Paulo vem declarando que aqueles que estão em Cristo
Jesus:
1.não serão condenados (vs.1-8)
2.o Espírito Santo habita neles (vs.9-11)
3.o Espírito testifica que eles são filhos de
Deus (vs.12-17)
4.esperam
o completar da restauração inaugurada (vs.18-25)
5.o Espírito intercede por eles (vs.26-27)
6.Deus age em todas as coisas para o bem
daqueles que O amam (vs.28)
7.Deus completará a salvação de eternidade à
eternidade (vs.29-30).
Depois de todas essas declarações, no verso 31 Paulo
argumenta retoricamente “que diremos,[7] pois, diante disto?”[8] Todo o contexto anterior é uma indestrutível corrente de
idéias, como o contexto posterior continua alimentando esta seqüência (vs.37
“em tudo isto”). É uma corrente com elos de aço. Em sua pergunta transitória
ele conclui tudo o que ele já disse desde o cap. 1 até o cap. 8:1-30, mas em
8:32-39 fornece-nos uma resposta mais objetiva e concisa acerca “disto”.
O verso 32
anula toda a auto-suficiência do pecador. Aqui toda a obra da salvação e a sua
continuidade dependem totalmente de Cristo, e de tudo o que em Cristo, o Pai
tem para dar. A primazia e dignidade de Cristo são aqui colocadas em relevo
para enfatizar a importância e qualidade de sua obra realizada por/em nós. A
expressão “por nós” por si mesma é rica de significado. Ela pode se referir a:
1)conosco (vs.31); 2)em nosso lugar (vs. 32); 3)em nosso favor (vs. 34).
Teologicamente, podemos dizer que Deus enviou Cristo para substituir-nos (em nosso lugar) realizando a redenção em nós (em nosso favor) para
reconciliar-nos com o próprio Pai
(conosco).
Se nada impediu o Pai de sacrificar o seu amado Filho por
nós, nada impedirá o amor do Pai de agir em nosso favor. O cálice da ira de
Deus foi derramado sobre Cristo. O Filho foi humilhado até a morte (Fp 2:6-8).
Sofreu na cruz intensa e exaustivamente o Inferno, em nosso lugar. Por amor a
nós, o Pai odiou o próprio Filho, não poupando castigá-lo para realizar o seu
supremo propósito (Rm 8:28). Calvino afirma que “é uma notável e brilhante
prova de seu inestimável amor, que o Pai não hesitou em entregar seu Filho para
a nossa salvação”.[9] A implicação disto é “porventura, não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas”. Cristo foi-nos dado como meio revelador do amor de
Deus (Jo 1:14; 3:16; Hb 1:3). A obra realizada por Cristo, foi realizada em
nosso favor, e em nosso lugar, como também uma dádiva graciosa para
desfrutarmos (Rm 5:10). Se em Cristo, o Pai reconciliou-nos com Ele, perder-nos
seria perder toda a obra do seu amado Filho.
Se fosse possível ao salvo cair da graça, após tão grande
projeto realizado, quem seria o maior prejudicado? Talvez você pense: “ah!
Claro que o pecador, pois iria sofrer no Inferno!” Engano seu! Para chegarmos a
conclusão correta precisamos observar que “todas as coisas” envolve tudo o que
Deus, nos amando, já decidiu nos dar desde a eternidade e realiza no tempo
presente (Rm 8:28-30). Hendriksen observa que “todas as coisas” deve ser
entendida “num sentido muito mais amplo: tanto coisas materiais, como
espirituais; conforme 8:28, onde tem o mesmo significado amplo.”[10] Certamente o maior prejuízo seria do próprio Deus. Todo o
projeto do Pai seria frustrado. Todo o sofrimento do Filho seria inútil. Toda
obra do Espírito Santo seria ineficaz. Quanto você investiu para merecer a sua
salvação? Você não tem nenhuma parcela sequer em sua salvação. A Escritura
declara que todo o investimento foi exclusivamente de Deus!
A citação que Paulo faz do Sl 44:22[11] reforça a continuidade do amor de Deus sobre o seu povo
escolhido. O mesmo amor produz os mesmos efeitos em todas as gerações dos
filhos de Deus. O amor de Cristo por nós é operante, persistente e
indestrutível. Ele sabe o preço de cada salvo. A.T. Robertson comenta que “as
circunstâncias mencionadas não induzirão Cristo a amar-nos menos.”[12] Já recebemos a garantia de que “tudo coopera” (Rm 8:28).
Ele decidiu nos amar e morrer por nós “sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8-10).
Se de fato, já experimentamos os efeitos do amor de Deus,
em Cristo Jesus, então permaneceremos guardados por esse amor até o final, sem
interrupções. Por implicação podemos entender que Deus não desiste de nós.
Pois, se Ele como Pai não nos rejeita (vs.29), se como nosso defensor não mais
nos odiará (vs.31); se como Senhor não nos sonega seus graciosos benefícios
(vs.32); se como Juiz não nos condenará (vs. 1, 33-34), e sendo Aquele que
decidiu nos amar eternamente, não nos despreza, que possibilidade há de
perdermos a nossa salvação?
Podemos resumir os versos 35-39 em duas proposições.
Primeiro, absolutamente nada poderá nos separar do amor de Deus; e segundo, em
todas as circunstâncias, confrontos e condições, somos mais que vencedores em
Cristo Jesus. Pois não há nada que seja criado no tempo ou no espaço que possa
nos separar da operosidade do amor de Deus. Se isto é assim, então, é
impossível que o verdadeiro crente venha a cair de seu estado de graça. O Deus
que criou todas as coisas, não permitirá que nenhuma delas contribua para a
queda final e total daqueles que Ele decidiu redimir.
Exegese em 1 Co 1:8-9
Podemos resumir a texto de 1 Co 1:8-9 da seguinte forma:
1.Deus nos confirmará até ao fim (vs.8)
2.seremos encontrados irrepreensíveis no dia
do Senhor (vs.8)
3.Deus é fiel, que nos chamou à comunhão com
Cristo (vs.9)
O apóstolo não está apenas manifestando um incerto desejo
pessoal. G.P. Wiles erroneamente sugere que “esta seja possivelmente uma
súplica sincera, que utiliza o futuro do indicativo para expressar um desejo.”[13] A sua declaração é a Palavra de Deus revelada. Ele está
afirmando que Deus “confirmará até ao fim” a salvação (vs. 8) como “o
testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós” (vs. 6). Gordon Fee comenta que
é significativo que ele faça esta
afirmação repetindo o verbo “confirmar”, que aparece na metáfora do vs. 6.
Assim, em vez do usual “ele os fortalecerá ou consolará”, Paulo diz que do
mesmo modo que Deus anteriormente “garantiu” nosso testemunho acerca de Cristo
enquanto estivemos convosco, assim também os “garantirá” ou “confirmará até o
fim”. Que esta é uma repetição deliberada da metáfora legal do verso 6 é
confirmado ainda pela palavra “irrepreensíveis”, que tem o sentido de que eles
estarão sem culpa (com referência a lei) quando comparecerem diante de Deus no
juízo final, porque lhes foi conferido a justiça de Cristo.[14]
A completa salvação que Deus realiza por nós não nos isenta
da santidade. Aqueles que Deus tenciona salvar, neles concede a influência
renovadora do seu Espírito. Charles Hodge comentando este texto declara que
quando recordamos, por um lado, o quão
grande é a nossa culpabilidade, e por outro lado, quão grande é o perigo que
nos espreita externamente, e dentro de nós, damos-nos conta de que somente a
justiça de Cristo e o poder de Deus podem garantir que sejamos preservados sem
culpa no dia do Senhor Jesus.[15]
Paulo confirma a fidelidade de Deus com a certeza da
preservação, que inicia no chamado à comunhão com Cristo. Aqui está
fundamentada a nossa salvação final. Calvino comentando o verso 9 conclui
afirmando que
quando o cristão olha para si mesmo, ele
não vê motivo para ansiedade, na verdade, nenhum desespero; mas, visto que ele
foi chamado à comunhão com Cristo, então não pode pensar de si mesmo, no tocante
à segurança da salvação, de nenhuma outra forma senão como membro de Cristo,
fazendo, assim, suas todas as bençãos de Cristo. Dessa forma, ele se assegurará
da esperança da perseverança final (como é chamada) como algo garantido, caso
ele se considere um membro de Cristo, Aquele que jamais pode falhar.[16]
Exegese em Ef 4:30
Em Ef 4:30 Paulo nos exorta a não entristecermos o Espírito
Santo com os nossos pecados. Ele é a garantia e o nosso preservador para o dia
da redenção (Ef 1:13-14). A recomendação do apóstolo é para que o nosso
comportamento não seja pecaminoso, pois Aquele que habita em nós, é Santo.
Hendriksen comentando este versículo observa que
o Espírito não só nos salva, mas
também nos enche de alegria e de segurança da salvação; porquanto, assim como
já ficou bastante evidente, e assim como está repetido substancialmente aqui em
4:30, foi “nele” (“em conexão com”, daí também “por meio dele”) que fomos
“selados para o dia da redenção”, aquele grande dia em que todas as coisas
serão consumadas, quando, pois, nossa libertação dos efeitos do pecado estará
completada.[17]
O uso da metáfora do selo por Paulo indica a garantia de
que a nossa salvação é ininterrupta, pois este selo é inviolável. Acerca da
indestrutibilidade deste selo, Anthony Hoekema comenta que “a luz do Novo
Testamento, ser selado com o Espírito Santo significa eterna segurança. Assim
como ninguém pode nos arrebatar da mão de Cristo ou da mão do Pai, ninguém pode
também quebrar o selo do Espírito.”[18]
O Espírito Santo estará habitando nos crentes até o dia da
redenção. Quando houver a redenção final, não haverá necessidade deste selar,
pois o seu objetivo terá alcançado êxito.
Exegese em Fp 1:6
Este versículo pode ser identificado
como “a perseverança de Deus em nós”. De fato, somente perseveramos, porque
Deus persevera em nós. Como Paulo posteriormente afirma que “Deus é quem efetua
em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp
2:13). É possível estruturar o verso 6
da seguinte forma:
1.(início) Deus que começou a boa obra [da
salvação] em vós;
2.(meio)
há de completá-la;
3.(fim) até o dia [da volta] de Cristo
Este texto de Fp 1:6 é uma das passagens do Novo Testamento
em que a doutrina da preservação na salvação como uma obra contínua se encontra
com expressa clareza. A idéia de começo, meio e fim numa seqüência ininterrupta
na obra da salvação é uma segurança declarada.
Deus não permitirá que a sua boa obra fique inconclusa. O
Senhor jamais abandonou os seus intentos. Tudo o que Deus realiza é reflexo
daquilo que Ele é. Os Seus atributos se manifestam nas obras das suas mãos.
Todo o universo esteve montado para ser o cenário da
redenção. Todas as coisas foram preparadas para a vinda do Filho de Deus (At
2:22-24; 4:27-28; Gl 4:3-5). Cristo Jesus realizou historicamente a expiação em
Jerusalém, e pelo Espírito Santo é aplicada eficazmente na vida de cada eleito
de Deus (1 Ts 5:23-24).
Exegese em Fp 2:13
O apóstolo deixa bem claro que a continuidade da salvação
dos cristãos filipenses não dependeria de sua constante presença entre eles.
Paulo afirma que o resultado da salvação não é uma obra humana, mas divina. Em
Fp 2:13 diz que “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar,
segundo a sua boa vontade.” Os vocábulos “efetuar” e “realizar” são traduções
do mesmo verbo grego que “é um verbo usado com freqüência por Paulo,
referindo-se à eficácia do poder de Deus.”[19]
O homem natural, ou seja, sem a ação renovadora do Espírito
Santo, não possuí nenhuma inclinação favorável em direção a Deus. Ele somente vai
a Deus, quando o próprio Senhor o atrai com o seu chamado irresistível,
implantando nele vida, gerando emoções e vontade santa, e lhe ilumina o
entendimento para que entenda, e assim receba ao Senhor Jesus como salvador.
A implicação desta passagem é que se Deus não efetua tanto
o seu querer, como o realizar em nós, jamais seremos salvos, porque se Ele não
começa, muito menos nós começaremos. Mas, se Ele começa, então leva até o fim
provendo todos os meios e recursos para isso.
Exegese em 2 Tm 4:18
Em 2 Tm 4:18 Paulo confiante no Senhor a quem ele serve, declara que “o Senhor me livrará
também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial.” O
velho apóstolo se encontrava detido numa prisão romana esperando o seu
julgamento. Aguardava paciente e consciente de que o resultado que receberia
não possuía a probabilidade de ser uma sentença judicial favorável. O cheiro de
morte estava no ar.
Não era apenas a esperança de sair vivo dali que o havia
abandonado. Após relatar a Timóteo que somente Lucas estava com ele, e que fora
deixado por todos os demais, Paulo expressa em quem realmente estava
fundamentado a sua segurança (vs. 9-18). Meint R. Van Den Berg comenta que “em
Paulo não é possível encontrar algum indício de autocomiseração; ainda que,
humanamente falando teria razões suficientes para isto”.[20]
A esperança de libertação refletida aqui, não se referia
libertar da morte física, mas de “toda obra maligna” (vs.18). A preservação da
salvação como o próprio Paulo já havia mencionado anteriormente (vs.6-8).
Gordon D. Fee comentando o verso 18 conclui que
mais uma vez o foco da carta se
concentra na escatologia, na forma de uma das triunfantes certezas de Paulo: O
que Deus já realizou em Cristo, ele considera até à consumação final; a salvação
que Deus começou, ele completará de verdade.[21]
A salvação envolve ser livre “de”, como
também ser livre “para”. A convicção do apóstolo neste versículo não se
limitava apenas que Deus o livraria “de toda obra do maligno”, mas que
especialmente o levaria “salvo para o seu reino celestial”.
Exegese em Gl 5:4
Paulo neste verso não está discutindo a respeito da Perseverança
dos Santos. Mas é necessário analisa-lo, pois, nele encontramos o termo
“cair da graça”. Os arminianos extraem a expressão do seu contexto, e a enchem
de seus pressupostos, para ensinar falaciosamente que um verdadeiro crente pode
perder a sua salvação. Para interpretar este texto com propriedade devemos
perguntar: o que realmente o autor quis dizer com “decair da graça”?
Se for aceito a interpretação arminiana de que esta
passagem refere-se a perda da salvação, então seria necessário verificar a
causa de tal queda. Não há menção de Paulo, neste texto, que exista alguma
causa da queda da graça que seja motivado por algum pecado. A. T. Robertson
comenta que Paulo “naturalmente, não se refere aqui a pecados ocasionais, mas
que tem em mente uma questão muito mais importante: a de colocar a lei no lugar
de Cristo como agente da salvação.”[22]
William Hendriksen é infeliz em seu comentário deste texto.
O comentarista, embora seja calvinista, abandona o contexto e adota uma
interpretação arminiana. Ele simplesmente diz
se os gálatas, sejam todos ou apenas
alguns deles, buscavam justificar-se pela obediência da lei, e se persistiam
até ao fim neste erro, o laço que os unia a Cristo não poderia resistir tão
grande tensão. Romper-se-ia! Cairiam, pois, do domínio da graça, perderiam sua
ligação à graça. Seriam como as flores murchas que caem ao chão e desaparecem.[23]
Esta interpretação oferecida por Hendriksen
envolve uma contradição real na seqüência da salvação. Se os gálatas estavam
buscando receber a salvação pelas obras da lei, como poderiam perder a salvação
que ainda não haviam obtido? Se eles procuravam justificar-se pelos próprios
méritos, como poderiam perder a graça, se não a tinham? Simplesmente é uma
inconsistência de termos. Hendriksen desejando ser fiel ao literalismo da
expressão “decaístes da graça” tornou-se infiel a toda Escritura.[24] Discordo deste admirável comentarista, pois não é aceitável
crer que Paulo esteja sustentando conscientemente uma contradição real entre os
seus escritos! Porque não é possível ser verdade que um crente seja seguramente
salvo, e que ainda lhe seja possível perder a salvação! O apóstolo não está
meramente enfatizando a responsabilidade humana.
Quando se lê o contexto de toda a carta não há dúvida que a
central preocupação de Paulo é combater a teologia judaizante. A situação
histórica era de que os crentes da Galácia estavam recebendo um ensino
diferente do que o apóstolo lhes havia dado (1:9; 5:7-12). Judaizantes haviam
se infiltrado nas igrejas daquela região, e estavam ensinando uma salvação pela
guarda da lei do Antigo Testamento, negando não a messianidade de Jesus, mas a
suficiência da salvação, pela graça, em Cristo. J.Gresham Machen observa que
Paulo conclui a seção central da
Epístola enfatizando a gravidade da crise, Gl 5:1-12. Não se iluda.
Circuncisão, como os Judaizantes advogavam-na, não é uma coisa inocente; ela
significa a aceitação de uma religião legalista. Você precisa escolher entre a
lei e a graça, não é possível que seja ambas. [25]
O apóstolo está declarando que é impossível alguém obter a
salvação pelo caminho da lei. Para isto usa uma metáfora para reforçar o seu
argumento de alguém que se perde do caminho da graça. Não significa que este
que deixa o caminho da graça já seja salvo! Mas, que ele desprezou a única
causa e meio de salvação, que é pela graça somente (Ef 2:1-10), preferindo
conquistar a salvação pela guarda da lei (Tg 2:10). Mas este meio é reprovado
pela enfermidade do coração humano. John Murray, em seu comentário de Rm 8:3
observa que
a lei não podia vencer o poder do pecado, porque
“estava enferma pela carne”. Na natureza humana, a carne é pecaminosa. A
incapacidade da lei reflete-se no fato de que ela não possui qualidade ou
eficiência redentora. Portanto, em confronto com o pecado, a lei nada pode
fazer para satisfazer as exigências criadas pela carne.[26]
Paulo não está discutindo sobre a possibilidade de se
perder a salvação, ou, de se permanecer salvo. A sua artilharia se concentra no
tema da salvação pela graça de Cristo, e não pelas obras da lei. O que
realmente está reprovando é a possibilidade dos pecadores alcançarem a sua
salvação através dos seus méritos pessoais. De forma simples, podemos resumir
que a expressão “decaístes da graça” é usada por Paulo para indicar a inútil
tentativa de se obter a salvação pela justificação das obras da lei. John
Murray analisando Gl 5:4 concluí que
Paulo não está aqui tratando acerca da questão
se um crente pode cair do favor de Deus, e finalmente perecer; antes, ele está
falando acerca do distanciamento da pura doutrina da justificação da graça em
contraste com a justificação pelas obras da lei. O que Paulo está dizendo na
realidade é que se tratamos de nos justificar pelas obras da lei em qualquer
modo ou grau, temos abandonado a justificação pela graça, ou caído dela
totalmente. Não podemos admitir uma mistura de graça e obras de justificação, é
uma ou outra. Se incluírmos as obras em qualquer grau, então temos abandonado a
graça e somos obrigados a praticar toda a lei (Gl 5:4).[27]
Considerações finais
É simplesmente estranho declarar que Paulo não cria na
permanência total e final dos redimidos. Se arminianos desejam rechaçar tal
ensino, que o façam! Se quiserem podem até mesmo discordar de Paulo. Mas, não
poderão provar que este inspirado teólogo não cria com todo o coração e
coerência na doutrina de que os crentes são preservados na graça, pelo poder de
Deus, com o propósito imutável de uma salvação completa. A minha oração é que
firmemos o nosso zelo em interpretar fielmente as Escrituras, para que
cheguemos a mesma compreensão da verdade (Fp 3:12-16).
Se aceitarmos que o inspirado apóstolo realmente aceita e
ensina que um verdadeiro crente pode decair definitivamente de seu estado de
graça e perder a sua salvação, então teremos que redefinir a nossa concepção de
inspiração bíblica! O autor errou voluntariamente ao entrar numa real
contradição? Esta pergunta somente seria válida se não crêssemos na inspiração
bíblica. Todavia, ao sustentarmos a inspiração divina cremos que o Espírito
conduziu consistentemente o autor revelando-lhe toda a verdade (Jo 16:12-13).
Judith M.G. Volf, em sua tese de doutorado, após fazer um
estudo detalhado em várias passagens das epístolas do apóstolo, conclui que
Paulo, basicamente, ensina uma espécie
de permanência dos cristãos escolhidos por Deus, e chamados pela fé em Jesus
Cristo, com base em sua eleição. Paulo está seguro de que o mesmo Deus que é o
autor e doador da salvação, deseja também em amor onipotente, e ininterrupta
fidelidade, completar até o fim a salvação daqueles que foram eleitos e
chamados por Ele, e que em Cristo pela fé, demonstram o seu comportamento
fundamental. (...) A coragem e a consistência das epístolas de Paulo
caracterizam a sua visão de permanência na salvação em sua própria vida, e não
há nenhum resultado claro ou importante que evidencie o contrário.[28]
Podemos concluir que, é principalmente nas epístolas
paulinas que se encontram as afirmações mais expressivas em favor da
preservação dos santos. Mesmo o texto de Gl 5:4 não nega a doutrina da
preservação no estado de graça. O apóstolo Paulo testemunhou com redundante
convicção até o fim que Jesus Dominus
semper est.
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