sexta-feira, 3 de julho de 2020

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS


A Doutrina da Perseverança dos Santos nas Epístolas Paulinas
          As epístolas do apóstolo Paulo são conhecidas por sua riqueza teológica. Estudiosos de todas as áreas da teologia têm-se esmerado para interpretar e sistematizar o pensamento de Paulo. A proposta deste estudo, sendo exegético-dogmático, dedica-se a verificar se a doutrina da Perseverança dos Santos pode ser encontrada coerentemente nas suas epístolas. Os teólogos e exegetas arminianos defendem que a doutrina calvinista é estranha aos ensinos de Paulo. Todavia, sem forçar uma exegese preconcebida, podemos encontrar, tanto por afirmação direta, como por implicação necessária da lógica, a doutrina de que Deus soberanamente preserva os seus eleitos em graça, e que eles, conseqüentemente, não perderão a sua salvação.
Depois de analisar alguns textos que se referem a doutrina da Perseverança dos Santos escolhi o texto de Gl 5:4. A necessidade de fazer uma exegese em Gl 5:4 se justifica pelo errôneo uso da passagem.
Alguns textos das epístolas de Paulo foram selecionados arbitrariamente para este estudo. Talvez, alguém possa perguntar, por que esta, ou aquela passagem não foi analisada? Não é o propósito, por enquanto, deste artigo esgotar o assunto. Avaliando a relevância das críticas que poderão surgir, haverá a possibilidade de responder as objeções. A proposta deste ensaio é verificar se de fato a doutrina da Perseverança dos Santos pode ser encontrada e defendida no Corpus Paulinum, e para isto algumas passagens serão suficientes.

Exegese em Rm 5:1-5

Em Rm 5:1-5 vemos os resultados que acompanham a justificação. A justificação é o ato forense em que Deus, como juiz declara justo o pecador pelos méritos de Cristo. Este ato não implanta nenhuma mudança moral subjetiva no pecador. Todavia, simultaneamente com a justificação ocorre a implantação da nova vida pelo Espírito, que provoca mudanças e impulsos renovados para a santificação. Esta obra do Espírito que acompanha a justificação não é um ignus fatuo (fogo passageiro), mas uma obra permanente nos eleitos que foram justificados.  Esboçando o texto podemos analisá-lo melhor:
  1.temos paz com Deus, mediante Cristo (vs.1)
 2.obtivemos acesso a graça, e nela estamos firmes (vs.2)
3.gloriamo-nos na esperança da glória de Deus (vs.2)
 4.gloriamo-nos nas tribulações (vs.3)
  5.o amor de Deus é derramado em nós pelo seu Espírito (vs.5)
A perseverança é realizada numa experiência verdadeira com o trino Deus. O eleito justificado pode entender o próprio sofrimento sendo transformado em bem (Gn 50:20) enquanto persevera[1]. A esperança da glória de Deus é o alvo final, a graça capacita-o a seguir, Cristo o sustenta numa contínua intercessão, enquanto o Espírito Santo nutre a sua alma com o amor de Deus. Esta é a segurança do verdadeiro crente. C.E.B. Cranfield comentando o verso 5 coloca que
a prova de que a nossa esperança não nos desiludirá no final, baseia-se na surpreendente generosidade do amor de Deus para conosco. E, isto temos conhecido, e compreendido pelo dom do seu Espírito, do qual temos sido objeto.[2]

         O contexto posterior (vs. 5-21) descreve o estado e a condição vergonhosa em que o pecador se encontra antes de ser justificado em Cristo. O verso 6 começa com uma simples conjunção subordinativa, que em nossas versões, em português, está traduzida como “porque” ou por “pois”. Ela dá inicio nos versos 6 a 11 a explicação de como fomos justificados. Paulo primeiro falou dos efeitos da justificação (vs. 1-5), para depois explicar do que fomos justificados (vs. 6-21).
         A justificação será o divisor entre aqueles que são escravizados e condenados pelo pecado, daqueles que estão em Cristo reconciliados com Deus. A linguagem usada pelo apóstolo é de pessoas que participam em dois diferentes reinos. O reino do pecado coloca os que estão debaixo da herança natural de Adão numa condição de fracos e ímpios (vs. 6), injustos (vs. 7), pecadores (vs. 8), debaixo da ira (vs. 9), inimigos (vs. 10), mortos (vs. 12) e ofensores (vs. 15). Sem a intervenção da suberabundante graça reinando na vida dos pecadores não há a menor possibilidade de mudança e salvação. Os adjetivos que descrevem os que estão debaixo do pecado referem-se a eles não somente como incapazes, mas também como indispostos a deixar este reinado de morte. Não é possível, que o pecador liberte-se pela sua própria capacidade da escravidão do pecado, e evite a sua condenação, pois é súdito de um reino que age não apenas externamente, mas internamente nele o que Paulo descreve como “o mal que habita em mim” (Rm 7:13-25).
De igual modo, aqueles que foram alcançados pelos benefícios da expiação de Cristo estão debaixo do reinado da “graça pela justiça para a vida eterna” (vs. 21, grifo meu). Escrevendo aos cristãos de Colossos Paulo declara que “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl 1:13-14). Assim, voltando a Rm 5:1, pode-se entender que “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. Isto significa que pecadores justificados são súditos de um reinado de graça, submissos ao soberano Senhor Jesus e que nada, nem ninguém pode lhes expulsar, tirar, ou faze-los perder a sua cidadania celestial.

Exegese em Rm 8:28-30
Na tão conhecida passagem de Rm 8:28-30, encontramos Paulo expondo a seqüência lógica da salvação.[3] Demonstra como Deus opera a salvação de eternidade a eternidade. Para o apóstolo não há brecha nesta doutrina, que se possa pôr uma cunha e fender esta seqüência. Não é possível afirmar que em alguma circunstância o verdadeiro crente possa perder a sua salvação. Podemos esquematizar as afirmações assim:
   1.todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus (vs.28)
  2.aqueles que foram chamados segundo o Seu propósito (vs.28)
 3.aqueles que de antemão conheceu, também predestinou (vs.29)
4.para serem conformes à imagem de seu Filho (vs.29)
 5.aos que predestinou, também chamou (vs.29-30)
  6.aos que chamou, também justificou (vs.30)
   7.aos que justificou, também glorificou (vs.30)
O exegeta arminiano I. Howard Marshall, influenciado por seus pressupostos sinergistas, prefere dar outra interpretação ao verso 30. Ele faz uma citação de John Wesley, que por sua vez diz: “aos que justificou – se permanecerem na bondade de Deus (Rm 11:22), serão um dia glorificados”.[4] Contudo, não é isso que está escrito! Não é “se permanecerem na sua bondade”, como se isso dependesse da capacidade e incertezas de pecadores oscilantes, mas a própria permanência é uma preservação de Deus. Os “que amam a Deus” continuarão amando, e serão salvos total e finalmente, porque é Deus quem realiza o Seu propósito (Rm 8:28, vide também no cap.9:14-18).
         Notemos que o apóstolo diz “também glorificou” que indica um benefício futuro inaugurado. Não há qualquer possibilidade de interromper a salvação que Deus iniciou (Fp 1:6). É uma realização iniciada, todavia ainda não consumada. William Hendriksen comentando o verbo “glorificou” diz que
este tempo verbal passado indica a certeza de que haverá um acontecimento futuro e, talvez, em relação com o que estamos tratando, o fato de que a glória prometida para o futuro já começou a cumprir-se.[5]

         O contexto posterior merece ser analisado com atenção.

Exegese em Rm 8:31-39

Em Rm 8:31-39 encontramos uma série de perguntas, que exigem obrigatoriamente uma resposta negativa. A primeira dessas perguntas, serve de transição com o contexto anterior que começa em Rm 8:1.[6] Paulo vem declarando que aqueles que estão em Cristo Jesus:
   1.não serão condenados (vs.1-8)
  2.o Espírito Santo habita neles (vs.9-11)
 3.o Espírito testifica que eles são filhos de Deus (vs.12-17)
4.esperam o completar da restauração inaugurada (vs.18-25)
 5.o Espírito intercede por eles (vs.26-27)
  6.Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que O amam (vs.28)
   7.Deus completará a salvação de eternidade à eternidade (vs.29-30).
Depois de todas essas declarações, no verso 31 Paulo argumenta retoricamente “que diremos,[7] pois, diante disto?”[8] Todo o contexto anterior é uma indestrutível corrente de idéias, como o contexto posterior continua alimentando esta seqüência (vs.37 “em tudo isto”). É uma corrente com elos de aço. Em sua pergunta transitória ele conclui tudo o que ele já disse desde o cap. 1 até o cap. 8:1-30, mas em 8:32-39 fornece-nos uma resposta mais objetiva e concisa acerca “disto”.
         O verso 32 anula toda a auto-suficiência do pecador. Aqui toda a obra da salvação e a sua continuidade dependem totalmente de Cristo, e de tudo o que em Cristo, o Pai tem para dar. A primazia e dignidade de Cristo são aqui colocadas em relevo para enfatizar a importância e qualidade de sua obra realizada por/em nós. A expressão “por nós” por si mesma é rica de significado. Ela pode se referir a: 1)conosco (vs.31); 2)em nosso lugar (vs. 32); 3)em nosso favor (vs. 34). Teologicamente, podemos dizer que Deus enviou Cristo para substituir-nos (em nosso lugar) realizando a redenção em nós (em nosso favor) para reconciliar-nos com o próprio Pai (conosco).
Se nada impediu o Pai de sacrificar o seu amado Filho por nós, nada impedirá o amor do Pai de agir em nosso favor. O cálice da ira de Deus foi derramado sobre Cristo. O Filho foi humilhado até a morte (Fp 2:6-8). Sofreu na cruz intensa e exaustivamente o Inferno, em nosso lugar. Por amor a nós, o Pai odiou o próprio Filho, não poupando castigá-lo para realizar o seu supremo propósito (Rm 8:28). Calvino afirma que “é uma notável e brilhante prova de seu inestimável amor, que o Pai não hesitou em entregar seu Filho para a nossa salvação”.[9] A implicação disto é “porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas”. Cristo foi-nos dado como meio revelador do amor de Deus (Jo 1:14; 3:16; Hb 1:3). A obra realizada por Cristo, foi realizada em nosso favor, e em nosso lugar, como também uma dádiva graciosa para desfrutarmos (Rm 5:10). Se em Cristo, o Pai reconciliou-nos com Ele, perder-nos seria perder toda a obra do seu amado Filho.
Se fosse possível ao salvo cair da graça, após tão grande projeto realizado, quem seria o maior prejudicado? Talvez você pense: “ah! Claro que o pecador, pois iria sofrer no Inferno!” Engano seu! Para chegarmos a conclusão correta precisamos observar que “todas as coisas” envolve tudo o que Deus, nos amando, já decidiu nos dar desde a eternidade e realiza no tempo presente (Rm 8:28-30). Hendriksen observa que “todas as coisas” deve ser entendida “num sentido muito mais amplo: tanto coisas materiais, como espirituais; conforme 8:28, onde tem o mesmo significado amplo.”[10] Certamente o maior prejuízo seria do próprio Deus. Todo o projeto do Pai seria frustrado. Todo o sofrimento do Filho seria inútil. Toda obra do Espírito Santo seria ineficaz. Quanto você investiu para merecer a sua salvação? Você não tem nenhuma parcela sequer em sua salvação. A Escritura declara que todo o investimento foi exclusivamente de Deus!
A citação que Paulo faz do Sl 44:22[11] reforça a continuidade do amor de Deus sobre o seu povo escolhido. O mesmo amor produz os mesmos efeitos em todas as gerações dos filhos de Deus. O amor de Cristo por nós é operante, persistente e indestrutível. Ele sabe o preço de cada salvo. A.T. Robertson comenta que “as circunstâncias mencionadas não induzirão Cristo a amar-nos menos.”[12] Já recebemos a garantia de que “tudo coopera” (Rm 8:28). Ele decidiu nos amar e morrer por nós “sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8-10).
Se de fato, já experimentamos os efeitos do amor de Deus, em Cristo Jesus, então permaneceremos guardados por esse amor até o final, sem interrupções. Por implicação podemos entender que Deus não desiste de nós. Pois, se Ele como Pai não nos rejeita (vs.29), se como nosso defensor não mais nos odiará (vs.31); se como Senhor não nos sonega seus graciosos benefícios (vs.32); se como Juiz não nos condenará (vs. 1, 33-34), e sendo Aquele que decidiu nos amar eternamente, não nos despreza, que possibilidade há de perdermos a nossa salvação?
Podemos resumir os versos 35-39 em duas proposições. Primeiro, absolutamente nada poderá nos separar do amor de Deus; e segundo, em todas as circunstâncias, confrontos e condições, somos mais que vencedores em Cristo Jesus. Pois não há nada que seja criado no tempo ou no espaço que possa nos separar da operosidade do amor de Deus. Se isto é assim, então, é impossível que o verdadeiro crente venha a cair de seu estado de graça. O Deus que criou todas as coisas, não permitirá que nenhuma delas contribua para a queda final e total daqueles que Ele decidiu redimir.
 

Exegese em 1 Co 1:8-9

Podemos resumir a texto de 1 Co 1:8-9 da seguinte forma:
  1.Deus nos confirmará até ao fim (vs.8)
 2.seremos encontrados irrepreensíveis no dia do Senhor (vs.8)
  3.Deus é fiel, que nos chamou à comunhão com Cristo (vs.9)
O apóstolo não está apenas manifestando um incerto desejo pessoal. G.P. Wiles erroneamente sugere que “esta seja possivelmente uma súplica sincera, que utiliza o futuro do indicativo para expressar um desejo.”[13] A sua declaração é a Palavra de Deus revelada. Ele está afirmando que Deus “confirmará até ao fim” a salvação (vs. 8) como “o testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós” (vs. 6).  Gordon Fee comenta que
é significativo que ele faça esta afirmação repetindo o verbo “confirmar”, que aparece na metáfora do vs. 6. Assim, em vez do usual “ele os fortalecerá ou consolará”, Paulo diz que do mesmo modo que Deus anteriormente “garantiu” nosso testemunho acerca de Cristo enquanto estivemos convosco, assim também os “garantirá” ou “confirmará até o fim”. Que esta é uma repetição deliberada da metáfora legal do verso 6 é confirmado ainda pela palavra “irrepreensíveis”, que tem o sentido de que eles estarão sem culpa (com referência a lei) quando comparecerem diante de Deus no juízo final, porque lhes foi conferido a justiça de Cristo.[14]

A completa salvação que Deus realiza por nós não nos isenta da santidade. Aqueles que Deus tenciona salvar, neles concede a influência renovadora do seu Espírito. Charles Hodge comentando este texto declara que
quando recordamos, por um lado, o quão grande é a nossa culpabilidade, e por outro lado, quão grande é o perigo que nos espreita externamente, e dentro de nós, damos-nos conta de que somente a justiça de Cristo e o poder de Deus podem garantir que sejamos preservados sem culpa no dia do Senhor Jesus.[15]

Paulo confirma a fidelidade de Deus com a certeza da preservação, que inicia no chamado à comunhão com Cristo. Aqui está fundamentada a nossa salvação final. Calvino comentando o verso 9 conclui afirmando que
quando o cristão olha para si mesmo, ele não vê motivo para ansiedade, na verdade, nenhum desespero; mas, visto que ele foi chamado à comunhão com Cristo, então não pode pensar de si mesmo, no tocante à segurança da salvação, de nenhuma outra forma senão como membro de Cristo, fazendo, assim, suas todas as bençãos de Cristo. Dessa forma, ele se assegurará da esperança da perseverança final (como é chamada) como algo garantido, caso ele se considere um membro de Cristo, Aquele que jamais pode falhar.[16]

Exegese em Ef 4:30

Em Ef 4:30 Paulo nos exorta a não entristecermos o Espírito Santo com os nossos pecados. Ele é a garantia e o nosso preservador para o dia da redenção (Ef 1:13-14). A recomendação do apóstolo é para que o nosso comportamento não seja pecaminoso, pois Aquele que habita em nós, é Santo. Hendriksen comentando este versículo observa que
o Espírito não só nos salva, mas também nos enche de alegria e de segurança da salvação; porquanto, assim como já ficou bastante evidente, e assim como está repetido substancialmente aqui em 4:30, foi “nele” (“em conexão com”, daí também “por meio dele”) que fomos “selados para o dia da redenção”, aquele grande dia em que todas as coisas serão consumadas, quando, pois, nossa libertação dos efeitos do pecado estará completada.[17]

O uso da metáfora do selo por Paulo indica a garantia de que a nossa salvação é ininterrupta, pois este selo é inviolável. Acerca da indestrutibilidade deste selo, Anthony Hoekema comenta que “a luz do Novo Testamento, ser selado com o Espírito Santo significa eterna segurança. Assim como ninguém pode nos arrebatar da mão de Cristo ou da mão do Pai, ninguém pode também quebrar o selo do Espírito.”[18]
O Espírito Santo estará habitando nos crentes até o dia da redenção. Quando houver a redenção final, não haverá necessidade deste selar, pois o seu objetivo terá alcançado êxito.

Exegese em Fp 1:6

         Este versículo pode ser identificado como “a perseverança de Deus em nós”. De fato, somente perseveramos, porque Deus persevera em nós. Como Paulo posteriormente afirma que “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2:13).  É possível estruturar o verso 6 da seguinte forma:
  1.(início) Deus que começou a boa obra [da salvação] em vós;
2.(meio) há de completá-la;
  3.(fim) até o dia [da volta] de Cristo
Este texto de Fp 1:6 é uma das passagens do Novo Testamento em que a doutrina da preservação na salvação como uma obra contínua se encontra com expressa clareza. A idéia de começo, meio e fim numa seqüência ininterrupta na obra da salvação é uma segurança declarada.
Deus não permitirá que a sua boa obra fique inconclusa. O Senhor jamais abandonou os seus intentos. Tudo o que Deus realiza é reflexo daquilo que Ele é. Os Seus atributos se manifestam nas obras das suas mãos.
Todo o universo esteve montado para ser o cenário da redenção. Todas as coisas foram preparadas para a vinda do Filho de Deus (At 2:22-24; 4:27-28; Gl 4:3-5). Cristo Jesus realizou historicamente a expiação em Jerusalém, e pelo Espírito Santo é aplicada eficazmente na vida de cada eleito de Deus (1 Ts 5:23-24).

Exegese em Fp 2:13

O apóstolo deixa bem claro que a continuidade da salvação dos cristãos filipenses não dependeria de sua constante presença entre eles. Paulo afirma que o resultado da salvação não é uma obra humana, mas divina. Em Fp 2:13 diz que “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” Os vocábulos “efetuar” e “realizar” são traduções do mesmo verbo grego que “é um verbo usado com freqüência por Paulo, referindo-se à eficácia do poder de Deus.”[19]
O homem natural, ou seja, sem a ação renovadora do Espírito Santo, não possuí nenhuma inclinação favorável em direção a Deus. Ele somente vai a Deus, quando o próprio Senhor o atrai com o seu chamado irresistível, implantando nele vida, gerando emoções e vontade santa, e lhe ilumina o entendimento para que entenda, e assim receba ao Senhor Jesus como salvador.
A implicação desta passagem é que se Deus não efetua tanto o seu querer, como o realizar em nós, jamais seremos salvos, porque se Ele não começa, muito menos nós começaremos. Mas, se Ele começa, então leva até o fim provendo todos os meios e recursos para isso.
        

Exegese em 2 Tm 4:18

Em 2 Tm 4:18 Paulo confiante no Senhor a quem ele serve, declara que “o Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial.” O velho apóstolo se encontrava detido numa prisão romana esperando o seu julgamento. Aguardava paciente e consciente de que o resultado que receberia não possuía a probabilidade de ser uma sentença judicial favorável. O cheiro de morte estava no ar.
Não era apenas a esperança de sair vivo dali que o havia abandonado. Após relatar a Timóteo que somente Lucas estava com ele, e que fora deixado por todos os demais, Paulo expressa em quem realmente estava fundamentado a sua segurança (vs. 9-18). Meint R. Van Den Berg comenta que “em Paulo não é possível encontrar algum indício de autocomiseração; ainda que, humanamente falando teria razões suficientes para isto”.[20]
A esperança de libertação refletida aqui, não se referia libertar da morte física, mas de “toda obra maligna” (vs.18). A preservação da salvação como o próprio Paulo já havia mencionado anteriormente (vs.6-8). Gordon D. Fee comentando o verso 18 conclui que
mais uma vez o foco da carta se concentra na escatologia, na forma de uma das triunfantes certezas de Paulo: O que Deus já realizou em Cristo, ele considera até à consumação final; a salvação que Deus começou, ele completará de verdade.[21]

         A salvação envolve ser livre “de”, como também ser livre “para”. A convicção do apóstolo neste versículo não se limitava apenas que Deus o livraria “de toda obra do maligno”, mas que especialmente o levaria “salvo para o seu reino celestial”.

 

Exegese em Gl 5:4

Paulo neste verso não está discutindo a respeito da Perseverança dos Santos. Mas é necessário analisa-lo, pois, nele encontramos o termo “cair da graça”. Os arminianos extraem a expressão do seu contexto, e a enchem de seus pressupostos, para ensinar falaciosamente que um verdadeiro crente pode perder a sua salvação. Para interpretar este texto com propriedade devemos perguntar: o que realmente o autor quis dizer com “decair da graça”?
Se for aceito a interpretação arminiana de que esta passagem refere-se a perda da salvação, então seria necessário verificar a causa de tal queda. Não há menção de Paulo, neste texto, que exista alguma causa da queda da graça que seja motivado por algum pecado. A. T. Robertson comenta que Paulo “naturalmente, não se refere aqui a pecados ocasionais, mas que tem em mente uma questão muito mais importante: a de colocar a lei no lugar de Cristo como agente da salvação.”[22]
William Hendriksen é infeliz em seu comentário deste texto. O comentarista, embora seja calvinista, abandona o contexto e adota uma interpretação arminiana. Ele simplesmente diz
se os gálatas, sejam todos ou apenas alguns deles, buscavam justificar-se pela obediência da lei, e se persistiam até ao fim neste erro, o laço que os unia a Cristo não poderia resistir tão grande tensão. Romper-se-ia! Cairiam, pois, do domínio da graça, perderiam sua ligação à graça. Seriam como as flores murchas que caem ao chão e desaparecem.[23]

         Esta interpretação oferecida por Hendriksen envolve uma contradição real na seqüência da salvação. Se os gálatas estavam buscando receber a salvação pelas obras da lei, como poderiam perder a salvação que ainda não haviam obtido? Se eles procuravam justificar-se pelos próprios méritos, como poderiam perder a graça, se não a tinham? Simplesmente é uma inconsistência de termos. Hendriksen desejando ser fiel ao literalismo da expressão “decaístes da graça” tornou-se infiel a toda Escritura.[24] Discordo deste admirável comentarista, pois não é aceitável crer que Paulo esteja sustentando conscientemente uma contradição real entre os seus escritos! Porque não é possível ser verdade que um crente seja seguramente salvo, e que ainda lhe seja possível perder a salvação! O apóstolo não está meramente enfatizando a responsabilidade humana.
Quando se lê o contexto de toda a carta não há dúvida que a central preocupação de Paulo é combater a teologia judaizante. A situação histórica era de que os crentes da Galácia estavam recebendo um ensino diferente do que o apóstolo lhes havia dado (1:9; 5:7-12). Judaizantes haviam se infiltrado nas igrejas daquela região, e estavam ensinando uma salvação pela guarda da lei do Antigo Testamento, negando não a messianidade de Jesus, mas a suficiência da salvação, pela graça, em Cristo. J.Gresham Machen observa que
Paulo conclui a seção central da Epístola enfatizando a gravidade da crise, Gl 5:1-12. Não se iluda. Circuncisão, como os Judaizantes advogavam-na, não é uma coisa inocente; ela significa a aceitação de uma religião legalista. Você precisa escolher entre a lei e a graça, não é possível que seja ambas. [25]

O apóstolo está declarando que é impossível alguém obter a salvação pelo caminho da lei. Para isto usa uma metáfora para reforçar o seu argumento de alguém que se perde do caminho da graça. Não significa que este que deixa o caminho da graça já seja salvo! Mas, que ele desprezou a única causa e meio de salvação, que é pela graça somente (Ef 2:1-10), preferindo conquistar a salvação pela guarda da lei (Tg 2:10). Mas este meio é reprovado pela enfermidade do coração humano. John Murray, em seu comentário de Rm 8:3 observa que
a lei não podia vencer o poder do pecado, porque “estava enferma pela carne”. Na natureza humana, a carne é pecaminosa. A incapacidade da lei reflete-se no fato de que ela não possui qualidade ou eficiência redentora. Portanto, em confronto com o pecado, a lei nada pode fazer para satisfazer as exigências criadas pela carne.[26]

Paulo não está discutindo sobre a possibilidade de se perder a salvação, ou, de se permanecer salvo. A sua artilharia se concentra no tema da salvação pela graça de Cristo, e não pelas obras da lei. O que realmente está reprovando é a possibilidade dos pecadores alcançarem a sua salvação através dos seus méritos pessoais. De forma simples, podemos resumir que a expressão “decaístes da graça” é usada por Paulo para indicar a inútil tentativa de se obter a salvação pela justificação das obras da lei. John Murray analisando Gl 5:4 concluí que
Paulo não está aqui tratando acerca da questão se um crente pode cair do favor de Deus, e finalmente perecer; antes, ele está falando acerca do distanciamento da pura doutrina da justificação da graça em contraste com a justificação pelas obras da lei. O que Paulo está dizendo na realidade é que se tratamos de nos justificar pelas obras da lei em qualquer modo ou grau, temos abandonado a justificação pela graça, ou caído dela totalmente. Não podemos admitir uma mistura de graça e obras de justificação, é uma ou outra. Se incluírmos as obras em qualquer grau, então temos abandonado a graça e somos obrigados a praticar toda a lei (Gl 5:4).[27]

 

Considerações finais

É simplesmente estranho declarar que Paulo não cria na permanência total e final dos redimidos. Se arminianos desejam rechaçar tal ensino, que o façam! Se quiserem podem até mesmo discordar de Paulo. Mas, não poderão provar que este inspirado teólogo não cria com todo o coração e coerência na doutrina de que os crentes são preservados na graça, pelo poder de Deus, com o propósito imutável de uma salvação completa. A minha oração é que firmemos o nosso zelo em interpretar fielmente as Escrituras, para que cheguemos a mesma compreensão da verdade (Fp 3:12-16).
Se aceitarmos que o inspirado apóstolo realmente aceita e ensina que um verdadeiro crente pode decair definitivamente de seu estado de graça e perder a sua salvação, então teremos que redefinir a nossa concepção de inspiração bíblica! O autor errou voluntariamente ao entrar numa real contradição? Esta pergunta somente seria válida se não crêssemos na inspiração bíblica. Todavia, ao sustentarmos a inspiração divina cremos que o Espírito conduziu consistentemente o autor revelando-lhe toda a verdade (Jo 16:12-13).
Judith M.G. Volf, em sua tese de doutorado, após fazer um estudo detalhado em várias passagens das epístolas do apóstolo, conclui que
Paulo, basicamente, ensina uma espécie de permanência dos cristãos escolhidos por Deus, e chamados pela fé em Jesus Cristo, com base em sua eleição. Paulo está seguro de que o mesmo Deus que é o autor e doador da salvação, deseja também em amor onipotente, e ininterrupta fidelidade, completar até o fim a salvação daqueles que foram eleitos e chamados por Ele, e que em Cristo pela fé, demonstram o seu comportamento fundamental. (...) A coragem e a consistência das epístolas de Paulo caracterizam a sua visão de permanência na salvação em sua própria vida, e não há nenhum resultado claro ou importante que evidencie o contrário.[28]

Podemos concluir que, é principalmente nas epístolas paulinas que se encontram as afirmações mais expressivas em favor da preservação dos santos. Mesmo o texto de Gl 5:4 não nega a doutrina da preservação no estado de graça. O apóstolo Paulo testemunhou com redundante convicção até o fim que Jesus Dominus semper est.

 Ewerton B. Tokashiki



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