sábado, 4 de abril de 2020

A UNIDADE DA PESSOA DE CRISTO


A Unidade da Pessoa de Cristo
 
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Como temos visto, durante toda a história da igreja, sempre houve aqueles que têm negado a divindade de Cristo e aqueles que têm negado sua humanidade. É também o caso que sempre houve aqueles que têm negado a visão bíblica da união das duas naturezas em uma Pessoa. Antes do que meramente distinguir entre as duas naturezas de Cristo, o Nestorianismo [1] do quinto século dividiu Cristo em duas pessoas separadas. O Nestorianismo foi condenado no Concílio de Éfeso (431). Os eutiquianos do quinto século, por outro lado, afirmaram que após a encarnação havia somente uma natureza em Cristo. Essa natureza não era nem completamente humana, nem completamente divina. Antes, a união produziu uma mistura das duas naturezas numa terceira natureza misturada, uma tertium quid. Essa visão, que é também conhecida como monofisitismo (“uma natureza”), foi condenada no Concílio de Caldedônia (451 d.C.).
A visão bíblica da unidade da Pessoa de Cristo é ensinada na Confissão de Westminster (8:2), que declara de Cristo que “as duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas — a divindade e a humanidade — foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa , sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem”.
Os teólogos chamam a união das naturezas divina e humana de Jesus Cristo numa única Pessoa de união hipostática. Na encarnação, como ensinado pela Confissão, o eterno Filho de Deus tomou sobre si uma verdadeira natureza humana. Desde então, Jesus Cristo é, e sempre será, uma Pessoa (isto é, um Deus-homem), com duas naturezas auto-conscientes: uma divina e uma humana.
Mas aqui é onde a dificuldade se levanta. A declaração do credo de Calcedônia, citado acima, juntamente com muito do “Cristianismo” popular, tem uma visão diferente. Essa visão mantém que a partir do tempo da encarnação, a Segunda Pessoa da Divindade é uma Pessoa divina com duas naturezas: uma divina e uma humana. Louis Berkhof, um advogado dessa visão, explica: “Há apenas uma Pessoa no Mediador, e essa Pessoa é o imutável Filho de Deus. Na encarnação ele não se transformou numa pessoa humana; ele simplesmente assumiu uma natureza humana, a qual não se desenvolveu numa personalidade humana, mas se tornou pessoal na Pessoa do Filho. A Pessoa única divina, que possuía uma natureza divina desde a eternidade, assumiu uma natureza humana e agora tem duas”. [2] Augustus Strong está de acordo com Berkhof. Ele conclui que a Pessoa única divina assumiu uma natureza humana impessoal. Em outras palavras, ele não se uniu com uma pessoa humana, mas com uma natureza humana “sem personalidade”.[3]
Nessa visão, a Pessoa única não é o Deus-homem, mas a Segunda Pessoa da Divindade. A dificuldade, então, é que se Jesus Cristo tem duas naturezas completas, uma plenamente divina e outra plenamente humana, e, todavia, ele é uma Pessoa divina indivisa, como essa Pessoa pode ser genuinamente humana?
Isto é, se Jesus Cristo é, como ensinado em Hebreus 2:17, e afirmado pela declaração do credo de Calcedônia, “em todas as coisas semelhante a nós”, como ele não é uma pessoa humana? Se ele, como Calcedônia apropriadamente afirma, tomou sobre si uma natureza humana de forma que, “segundo a humanidade”, ele é “em todas as coisas semelhante a nós”, então ele tinha um corpo humano e uma alma humana. Não é ele então uma pessoa humana? Afinal, a Bíblia repetidamente reivindica que ele não é apenas uma natureza humana; ele é “o homem Cristo Jesus” ( 1 Timóteo 2:5).
Além do mais, se a Pessoa auto-consciente do Deus-homem é a Segunda Pessoa da Trindade, como a maioria do “Cristianismo” popular afirma, então a natureza humana não seria auto-consciente. Todavia, em Lucas 2:52 lemos que Jesus crescia, não somente em “estatura” (isto é, fisicamente), mas também “em sabedoria” (mentalmente), mostrando assim que a natureza humana (pois a natureza divina, sendo onisciente, não pode crescer) de Jesus tinha uma consciência. Mas se o Deus-homem tinha duas consciências, então ele é duas pessoas: divina e humana. [4]
Essa foi a questão com a qual Nestório lutou. E, como Thomas Morris apontou, outros pensadores cristão primitivos, tais como Gregório de Nyssa (c. 330-395), Gregório de Nazianzo (329-389), e Cirilo de Alexandria (falecido em 444), também viram esse problema. Eles não foram tão longe como os Nestorianos ao ponto de reivindicar que Cristo tinha duas pessoas separadas. Mas eles sustentaram o que Morris chama de “a visão das duas mentes de Cristo”. [5] É irracional, assim diziam esses estudiosos, manter que o Deus-homem tinha somente uma auto-consciência divina. Se esse fosse o caso, ele não poderia ser plenamente homem.
A resposta para esse problema tem sido abismal. Tristemente, um modo típico de aliviar a dificuldade tem sido a abordagem kierkegardiana: coloque-a no mundo do paradoxo lógico. Outra solução é descartar o ensino bíblico de que Deus é impassional, e sugerir que a Segunda Pessoa da Divindade realmente sofreu sobre a cruz.
Essas, certamente, não são soluções reais de forma alguma. No último livro que ele escreveu, The Incarnation , [6] Gordon Clark tentou decifrar esse enigma. De acordo com o Dr. Clark, “o erro fatal” nessa questão é a ausência de definições. Como o credo de Calcedôcia, e como os outros, definem “pessoa”? Como “natureza” é definida? Aqui reside a dificuldade. [7] Aparentemente, quando os teólogos primitivos estavam formulando a doutrina da encarnação, os termos usados foram de certa forma ambíguos. Mas devemos nos guardar contra qualquer alegada solução que não forneça a humanidade plena de Jesus Cristo. E falar da humanidade de Cristo como uma natureza humana impessoal (se é que existe tal coisa), que se torna pessoal na encarnação, não resolve o problema. Além do mais, se a natureza se torna pessoal na Pessoa do Filho, então ela é uma pessoa humana.
O Dr. Clark faz algumas perguntas muito relevantes: “Se Jesus não era uma pessoa humana, quem ou o que sofreu na cruz? A Segunda Pessoa [da Trindade] não poderia ter sofrido, pois a divindade é impassional... Se então a Segunda Pessoa não podia sofrer, poderia uma natureza [humana impessoal] sofrer?”. [8]
O Dr. Clark continua: “Pelo contrário, somente... uma pessoa pode sofrer”. Além do mais, ele pondera, visto que a Bíblia nos ensina que Cristo possuía uma consciência humana, mente e coração, e vontade, como ele pode não ser uma pessoa?”. A salvação dos eleitos é realizada “pela alegada morte de uma natureza [humana] impessoal?”. Não, diz Clark, “aquele que morreu sobre a cruz foi um homem, ele tinha ou era uma alma, ele era um ser humano, uma Pessoa”. [9]
John Murray, um advogado da visão de Calcedônia, viu, todavia, as dificuldades com as “definições”. Ele escreve:
Talvez ao termo “Pessoa” possa ser dado uma conotação em nosso contexto moderno, e aplicado à natureza humana de Cristo, sem chocar através disso a unidade de sua Pessoa divina-humana. Em outras palavras, o termo “natureza” pode ser muito abstrato para expressar tudo o que pertence à sua humanidade e o termo “Pessoa” é necessário para expressar a humanidade que é verdadeira e apropriadamente sua. [10]
O presente escritor está de acordo com Clark e Murray sobre esse ponto. Parece melhor, se vamos reter a linguagem clássica sobre esse assunto (isto é, Pessoa e natureza), dizer com a Confissão de Westminster (8:2) que Jesus possui “ duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas — a divindade e a humanidade”, isto é, que ele é totalmente Deus e totalmente homem. E que na encarnação essas duas naturezas “foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa , sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem”. Isto é, há um Senhor Jesus Cristo, um Deus-homem (isto é, a Pessoa única), que possui duas naturezas distintas e inseparáveis, ambas das quais devem ser consideradas “pessoais”, visto que ele é completamente divino e completamente humano. Não há nada impessoal sobre a natureza divina ou humana. De outra forma, Jesus Cristo não poderia ser completamente Deus, nem completamente homem. Quanto à sua humanidade, Cristo tinha uma mente ou alma humana, e um corpo humano. Ele é “o Homem Cristo Jesus” ( 1 Timóteo 2:5).
É importante apontar também que no tempo da encarnação, a natureza divina de Jesus Cristo, sendo imutável, não poderia e não passou por nenhuma mudança. Ele não colocou de lado nenhum dos atributos divinos quando ele tomou sobre si uma natureza humana. De fato, ele na poderia ter feito isso e ainda permanecer divino. Como Wayne Grudem afirma, “nenhum mestre reconhecido nos primeiros 1800 anos de história da igreja... [creu] que o Filho de Deus [na encarnação] abandonou alguns dos seus atributos divinos”.[11]
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por

Dr. W. Gary Crampton


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