Esmurrando o Corpo
I Coríntios 9:23-27; II
Coríntios 11:27; I Coríntios 4:11-13; Romanos 8:11.
Paulo, escrevendo aos Coríntios disse:
"Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar Cooperador com
ele. Não sabeis vós, que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm,
mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. Todo atleta em
tudo se domina; aqueles para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a
incorruptível. Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como
desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo, e o reduzo à escravidão, para
que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado". (I
Coríntios 9:23-27).
No versículo 23, Paulo se apresenta como um
servo de Deus, um pregador do evangelho. "Tudo faço por causa do
evangelho", diz ele; e tendo declarado que atitude voluntária adotou para
consigo mesmo, com o fim de realizar o seu objetivo, isto é, "mas esmurro
o meu corpo e o reduzo à escravidão", ele nos relata como é que cumpre esta
resolução de manter o domínio sobre seu corpo.
Desejamos, antes de tudo, deixar claro que o
autor da epístola aos Coríntios não era um ascético. Ele não concorda com os
que ensinam que o corpo é um estorvo do qual devemos nos desfazer, é nem
tampouco que ele seja a fonte do mal.
Pelo contrário, na mesma carta ele declara
que o corpo do cristão é o templo do Espírito Santo, e que o dia virá, quando
a redenção do nosso corpo será uma realidade e teremos corpos glorificados.
Nenhum traço de asceticismo deve estragar a concepção cristã acerca do
"esmurrar o corpo". Repudiamos o pensamento de que o corpo é um
embaraço para nós e que é a fonte do pecado; porém, na verdade reconhecemos
que podemos pecar com o corpo, e que ainda continuaremos a fazê-lo, mesmo que
venhamos a tratá-lo drasticamente.
Neste nono capítulo de I Coríntios, Paulo confronta
os obreiros cristãos com o desafio de fazer do corpo um subservo de seus
interesses, como servos de Cristo. É como um obreiro cristão, como um pregador
do evangelho que Paulo descobre o problema, e é pelos interesses do evangelho
que ele procura resolvê-lo. Aqui está sua solução; "Esmurro o meu corpo,
e o reduzo à escravidão. O termo "esmurrar" não é um termo leve; não
há qualquer sugestão de meias medidas no tratamento de Paulo para consigo.
Agora, como Paulo esmurra seu corpo e adquire
o domínio sobre o mesmo, ele explica claramente. Sendo este um assunto de
suprema importância para todo obreiro cristão, vamos observar cuidadosamente o
que ele tem a dizer sobre isto. Aplicando de uma maneira prática para os servos
do Senhor, Paulo usa como ilustração uma corrida. "Não sabeis vos",
diz ele no versículo 24, "que os que correm no estádio, todos, na verdade
correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis".
Paulo diz que nem todos que entram na corrida são ganhadores do prêmio e ele
exorta seus leitores a correrem de tal maneira, que o possam alcançar. Como
isto pode ser feito, ele explica no versículo 25, tirando sua analogia dos
jogos olímpicos. "Todo atleta em tudo se domina". Paulo enfatiza a
necessidade de auto-disciplina por parte de todo competidor. Aqueles que
competem pelo prêmio devem exercer um controle rigoroso sobre si mesmos. Antes
dos jogos, durante o período de treinamento, não podem comer quando desejarem
nem o que desejarem; muitas cousas que normalmente seriam permitidas, já não
são mais. E quando entram na corrida, fortes regras devem ser usadas; do contrário,
estarão desqualificados.
Você diz: Eu preciso ter isto, preciso ter
aquilo. Está bem! Se você não é um competidor nos jogos, você pode; mas se você
é, então, você deve ter o seu corpo sob absoluto controle. O que significa a
expressão "em tudo se denomina"? Significa que não devemos permitir
que o corpo faça exigências excessivas; sua liberdade tem que ser cortada. O
corpo não está na corrida para satisfazer suas exigências relacionadas à
comida, bebida, vestimenta ou dormir; ele está lá para realizar uma função —
correr, e correr de tal maneira que o prêmio seja garantido.
Paulo continua a discorrer, lançando mão da
mesma ilustração: "Aqueles para alcançar uma coroa corruptível; nós,
porém, a incorruptível". O vencedor nos jogos Olímpicos era coroado com
uma coroa de louro; todavia, para alcançá-la, ele sujeitava-se a uma rigorosa
disciplina durante bom período. Que auto-controle, então, não devemos nós
exercitar para ganharmos a coroa incorruptível?
"Assim corro também eu, não sem meta; assim
luto, não como desferindo golpes no ar", diz Paulo, ainda desenvolvendo
seu tema. Ele não está sujeitando-se a toda essa disciplina à toa; ele tem em
vista um objetivo claro; ele está indo direto para a meta. Este versículo tem
que ser lido em união com o próximo. Ele não está correndo para lã e para cá, e
não está lutando ao acaso; todos os seus movimentos são regulados, pois tem o
seu corpo estritamente sob seu poder, e tem se tornado capaz de ganhar o
senhorio sobre ele, disciplinando-o violentamente.
Irmãos e irmãs, se vocês ainda não trouxeram
os seus corpos sob controle, seria melhor vocês refletirem sobre a obra e adquirirem
domínio sobre eles, antes de tentarem exercer autoridade em qualquer esfera
mais ampla. Você pode ter um grande prazer na obra, mas ela será de rouco valor se você for dominado pelas
suas súplicas físicas. Servir ao Senhor não é só um problema de pregar
sermões de uma plataforma. Paulo sabia disto.
O que implica em trazermos nossos corpos à
servidão? Para entendermos isto, devemos primeiramente saber quais são as
exigências do corpo. Falaremos apenas de algumas delas: comida e vestimenta;
descanso e recreação; e em tempos de doença, um cuidado especial. Todas essas
exigências são legítimas, mas o obra do Senhor faz suas exigências também; e,
se eu preciso cumprir estas, naturalmente terei que impor restrições ao corpo
Quando a obra faz exigências especiais na parte física, esta só será capaz de
suportar a necessidade, se tem sido constantemente disciplinada. Mas, se suas
súplicas têm tido normalmente a permissão de governar, então estará sem condições
quando um trabalho árduo for requerido. Se o corpo não tem aprendido,
habitualmente, a servir seu mestre, quando este pedir que seus membros ponham
seus esforços coordenados na corrida, os pés se recusarão a funcionar e os
outros membros estarão muito lerdos para obedecer ordens. Se a corrida é para
ser vencida, o atleta não ousa relaxar suas restrições sobre o corpo quando
este está fora da corrida. Se na vida normal e cotidiana de um obreiro
cristão, seu corpo nunca aprender a conhecer o seu mestre, como podemos esperar
que ele responda às exigências extraordinárias que às vezes o obreiro terá que
fazer sobre ele por causa da obra? Só se você firmar persistentemente a sua
autoridade, é que ele irá eventualmente ceder á você o seu lugar.
Se, na vida diária, ele tem adquirido o
hábito de obedecer, você então pode contar com ele para lhe servir fielmente,
sob circunstâncias de excepcional necessidade.
Permita-me perguntar-lhe: Você é o senhor de
seu corpo, ou você é seu escravo? Ele se submete às suas ordens, ou você se
entrega aos seus desejos?
O seu corpo regularmente exige que você durma,
e esta exigência é permitida. Deus dividiu o tempo em dia e noite, provendo ao
homem uma oportunidade de descansar; e, se o homem fizer pouco caso da provisão
divina, ele não fará isto sem sofrer a pena. Por outro lado, se ele permite
que o seu corpo governe e deixa que ele durma quando quer que este se sinta
inclinado a fazê-lo, ele se tornará mole e preguiçoso para trabalhar.
Normalmente, é certo dar ao corpo oito horas de descanso por dia. Porém, quando
os interesses do Senhor o requerem, temos que reduzir as horas de sono, ou
até deixar de dormir por uma ou duas noites. Aquela noite, no jardim do
Getsêmani, o Senhor tomou à parte três de seus discípulos e disse-lhes: "A
minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai".
Mas quando voltou da oração, Ele os achou dormindo, e disse a Pedro:
"Simão, tu dormes? Não pudestes vigiar nem uma hora?" Não, eles não
podiam vigiar com o nosso Senhor nem por uma hora; a súplica pelo sono os
venceu. O que está errado em querer dormir à noite? Nada. Mas, se o Senhor nos
pede para vigiarmos com Ele e nós obedecemos às súplicas de nosso corpo, invés
de Lhe obedecermos, teremos falhado como Seus servos. Isto não quer dizer que
podemos ficar eternamente sem dormir, pois somos seres humanos e não espíritos;
mas isto, na realidade, significa que se queremos satisfazer a necessidade do
Senhor, devemos manter constantemente o corpo sob controle, para que este se
torne acostumado à fadiga.
O que significa correr a corrida? Significa
fazer alguma coisa excepcional. Normalmente, caminhamos gradativamente, dando
um passo após o outro, mas na corrida temos que apressar o passo. Portanto o
corpo é chamado para exercer um esforço extra. Como regra, podemos permitir-nos
oito horas de sono; porém, quando o serviço de Deus exige estas horas, devemos
estar preparados para reduzir nossas horas de descanso; é quando isto ocorre,
que devemos esmurrar o corpo. Quando nosso Senhor achou seus discípulos
dormindo, depois de ter-lhes seriamente pedido que vigiassem, Ele expôs o
problema: "O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é
fraca". De que adianta ter um espírito pronto se a carne é impotente para
fazer o que o espírito deseja? Se a carne está fraca, mesmo um espírito pronto
não pode manter você acordado. Se você deve vigiar com o Senhor quando Ele
pede, você irá precisar de um corpo pronto tanto quanto um espírito pronto. O
corpo não é um estorvo, é um servo que necessita de treinamento para servir
bem; e o treinamento tem que ocorrer sob circunstâncias, costumeiras para que
então, este esteja sempre pronto para satisfazer a exigência de circunstâncias
extraordinárias.
Nicodemos veio ao Senhor à noite, e o Senhor
podia conversar com ele sem cansaço, apesar da hora. Os evangelhos relatam que
às vezes o Senhor podia passar noites inteiras em oração. Ele estava preparado
para permitir que o seu ministério vencesse o Seu sono; e nós precisamos estar
preparados para fazer o mesmo. Não estamos incentivando os obreiros cristãos a
cultivarem o hábito de passar noites em oração. Trocar a noite pelo dia e
constantemente passar as horas da noite em oração é estragar o corpo e a
mente, pois isto é anormal; contudo, perguntamos; é normal para os servos do
Senhor nunca sacrificarem seu sono por causa da Sua obra? Se, neste caso do
sono, fizermos habitualmente a vontade do corpo, ele irá recusar quando
tentarmos impor-lhe qualquer restrição, para satisfazermos alguma exigência
especial da obra.
O mesmo princípio se aplica no problema de
comida e bebida.
Sob circunstâncias especiais, nosso Senhor
podia abster-se de comida, mas quando não havia necessidade de abstinência, Ele
podia comer bem. Seu corpo tinha que obedecê-Lo. Algumas pessoas dependem tanto
de comida, que não podem trabalhar se tiverem que ir com fome. Sem dúvida,
precisamos de comida e não ousamos ignorar nossas necessidades físicas; todavia,
o corpo deve estar treinado para ficar sem alimento quando as circunstâncias exigirem.
Você se lembra da ocasião quando o Senhor
sentou-Se ao lado do poço de Jacó para descansar um pouco e foi trazido face a
face com uma mulher em grande necessidade. Era hora de comer, mas o Senhor
ignorou sua própria necessidade física e pacientemente mostrou a ela como que
sua necessidade espiritual podia ser solucionada. Se chegarmos famintos em
algum lugar e não conseguimos fazer nada até que nos alimentemos, nossos
corpos não estão nos servindo como devem. Sem sermos extremistas, certamente deveríamos
ter controlado-lhes até o ponto mínimo de deixarmos de lhes dar uma refeição,
por causa da obra, para que eles não nos vencessem através de suas insistentes
súplicas por comida.
No terceiro capítulo do evangelho de Marcos,
lemos que o Senhor estava cercado por tão grande multidão de necessitados, que
nem tinha oportunidade para comer. Seus, parentes reagiram procurando tirá-lo
da multidão, pois diziam que estava fora de Si; mas Ele não podia fazer outra
coisa senão renunciar por hora Suas próprias necessidades físicas, por causa
da urgente necessidade da multidão. Se você ou eu nunca pudermos perder uma
refeição quando a obra exige nossa atenção imediata, então faremos um trabalho
pouco eficaz. Em tais ocasiões devemos frear nossos corpos por medo que eles
consigam a superioridade e os interesses do Senhor sofram. A bíblia determina
claramente que os cristãos devem jejuar quando a situação exige. Algumas vezes
a situação pede oração prolongada que não deixa tempo para comer, e quando encontramos
uma situação que não aceitará a oração separada do jejum, devemos,
temporariamente, recusar as exigências racionais do corpo.
Uma outra exigência do corpo é o conforto.
Não ousamos achar erro num obreiro que desfrute d'uma medida de comodidade quando
as circunstâncias o permitem; no entanto, o que devemos lamentar, é da
incapacidade do mesmo responder ao chamado do trabalho, por este não estar
provido do conforto ao qual ele estava acostumado. Os servos do Senhor devem
ser capazes de desfrutar do relaxamento em condições mais fáceis, quando Ele
assim ordena; e, aqueles que, apesar do fato de estarem confortavelmente
situados, comumente esmurram o corpo, estarão mais capazes de se adaptar à
circunstâncias de grande desconforto do que aqueles cuja comodidade é inferior
a daqueles, mas não têm se habituado a trazer Deus corpos à sujeição.
Em relação à vestimenta, não devemos dar
indevida atenção. O Senhor Jesus, referindo-se a João Batista, disse que se
alguém quisesse ver uma pessoa elegantemente vestida, nele não haveria nenhuma
boa aparência; o lugar para ser visto era no palácio real. Alguns cristãos,
contudo, têm estabelecido para si um padrão demasiadamente alto no que se
refere à vestimenta, e insistem em sempre concordar com isto.
Asseguramos que o fato de vestirmos roupas de
má aparência não significa que estamos glorificando ao Senhor; sim, devemos,
quando possível, estar limpos, asseados e convenientemente vestidos; todavia,
não devemos esquecer do exemplo que nos foi dado por Paulo, o qual, por causa
do Senhor, podia deixar que tudo lhe faltasse.
Relatando suas próprias experiências, ele
escreve: "em fome e sede, em jejuns muitas vezes; em frio e nudez"
(II Coríntios 11:21).
Em tempos de doenças ou fraquezas o corpo faz
exigências mais severas do que antes, e sob tais circunstâncias, muitos
obreiros cristãos se desculpam de não poderem trabalhar. Como podia Paulo ter
feito o trabalho que lhe foi confiado se tivesse hesitado ao se sentir
incompetente? E, o que teria acontecido com o ministério de Timóteo, se ele
tivesse tratado seu corpo com delicadeza, quando sofria de suas
"freqüentes enfermidades"? É necessário que tomemos um cuidado
razoável de nós mesmos, na doença e na saúde, mas isto não anula a necessidade
de esmurrarmos o corpo e reduzi-lo à escravidão. Mesmo em ocasiões de doença e
dor intensa, Se o Senhor assim o ordena, podemos recusar a dar ouvidos aos
seus clamores e obedecê-Lo. Se queremos ser úteis para Ele, é imperativo que
ganhemos total senhorio sobre este nosso corpo.
Este principio deve ser aplicado, tanto para
o desejo sexual como também para todas as outras súplicas do corpo. Se somos
servos de Cristo, então Sua obra deve ter prioridade sobre as demais cousas.
Em I Coríntios 4:11-13, Paulo diz: "Até a presente hora sofremos fome, e
sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos
afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados,
bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos
conciliação: até agora temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória
de todos". É óbvio que os muitos sofrimentos de Paulo não foram resumidos
a um período isolado de sua vida, e que nenhum deles conseguiu impedir o
serviço para o seu Senhor. No sexto capítulo desta mesma epístola, do versículo
12 até o fim, ele refere-se a dois problemas — o problema de alimento e o
problema sexual; e deixa bem claro que somos servos do Senhor, não do corpo.
Depois, no capítulo sete, ele trata do assunto sexual com mais detalhes e no
capítulo oito, do assunto de alimento, enfatizando o seu parecer de que não
estamos sob a obrigação de fazer a vontade da carne, pois pertencemos a Cristo
e devemos servi-Lo. Por sua causa precisamos aprender a dizer "Não"
para as nossas súplicas físicas, e teremos que reforçar o nosso
"Não" com tratamentos suficientemente drásticos, para que estabeleçamos
o fato de que as rédeas estão nas nossas próprias mãos. O Senhor é o criador do
corpo e Ele o criou com certos impulsos que são perfeitamente corretos;
contudo, Ele criou o corpo para ser nosso servo, não nosso senhor, e até que
isto seja estabelecido, não poderemos servi-Lo como devemos.
Mesmo uma pessoa como Paulo temia que pudesse
ser expulsa da corrida, e perder o prêmio; portanto ele tomou a precaução de
subjugar seu corpo através de constantes esmurros. E, o que podemos dizer do
nosso Senhor, que se privou da mais alta glória e se pôs nas profundezas da vergonha
e do sofrimento? Por amor d'Ele, não ordenaremos que este corpo nos sirva,
para que assim, O sirvamos sem embaraços? Não lhe ordenaremos que seja forte na
força de Sua vida ressurreta? Ele não tem dito; "Se habita em vós o
Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que,
ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também os vossos corpos
mortais, por meio do seu Espírito que em vós habita"?
watchman nee
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