O Crescimento da Igreja
"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que
Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem
ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente
sois edificados para morada de Deus em Espírito. " - Efésios 2:2O-22
Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo
cristão e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie
de edifício, um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de
maneira mais ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral.
Mas o apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício,
ele nos fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram
obedecidas, e que sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.
Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o fundamento. Somos
"edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus
Cristo é a principal pedra da esquina". Em seguida a isso, passamos mais
diretamente a uma consideração de nós mesmos e daquilo que nos caracteriza que,
como pedras neste edifício, estamos relacionados com o fundamento, estamos
relacionados com o Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a verdade;
porém, e este é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo aqui,
também estamos relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a frase
importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, "adequada
e conjuntamente ajustado" (a palavra e só entrando como elemento de
ligação). Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra vez. Aí estão todas
estas pedras individuais nesta parede, nestas paredes que estão sendo
levantadas, e elas todas são "adequadas e conjuntamente ajustadas".
Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode
transmitir a verdade completa. É por isso que o apóstolo usa aqui três figuras
diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar
anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de
preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido, a
preparação continua a vida inteira. Essa é a espécie de paradoxo que se vê no
Novo Testamento concernente à Igreja. De um lado nos é dada a impressão de que
Deus já habita na Igreja - e é um fato. E, contudo, há esta outra idéia de que
a Igreja ainda está sendo construída "para morada" na qual Ele virá
habitar quando ela estiver completa. Da mesma maneira nós, num sentido, já
estamos preparados, mas também ainda necessitamos deste processo. Todavia
outras ilustrações são utilizadas para aclarar isso.
Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são
colocadas no edifício. "No qual também vós juntamente sois
edificados", diz Paulo, "para morada de Deus". Vocês efésios,
diz ele, foram colocados neste edifício, são partes agora desta construção, são
partes deste grande templo que está sendo erigido no Senhor para morada de Deus
em Espírito (ou "mediante o Espírito", VA).
Uma questão muito importante para nossa consideração é a seguinte: quando
ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta preparação acontece
antes de estarmos na Igreja. Jamais poderemos fazer parte deste edifício,
jamais seremos pedras nessas paredes, sem já estarmos preparados para isso.
Portanto, vamos lá para trás, a um versículo do Velho Testamento - 1 Reis 6:7:
"E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se
edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro
instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam". Isso é uma
parte da narrativa da construção do templo de Salomão. É uma parte muito
importante da história. De fato, visto que estamos estudando esta passagem, é
de grande importância que voltemos ao Velho Testamento para lermos acerca da
construção do templo de Salomão em Jerusalém. Não há nenhuma dúvida de que o
apóstolo Paulo tinha essas figuras em sua mente, e é igualmente claro que o que
nos é ensinado quanto à construção do tabernáculo e do templo tem relevância
para aquilo que estamos estudando neste momento.
Quando Deus instruiu Moisés sobre a construção do tabernáculo, Ele o levou a um
monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse simplesmente a Moisés:
agora Eu quero que você construa um tabernáculo para Mim, no qual a Minha
presença possa habitar, no qual a glória da Minha Shekinah possa manifestar-se.
Ele lhe deu instruções pormenorizadas, entrando nas questões de medidas, cores
etc. Tudo foi dado em detalhe. E tendo lhe dado a planta e as especificações,
Deus disse à Moisés: "Atenta, pois, que o faças conforme ao seu modelo,
que te foi mostrado no monte" (Êxodo 25:4O). Parece que foram dadas
instruções de maneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 13). É importante, pois,
que tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam-no de novo:
"E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se
edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento
de ferro se ouviu na casa quando a edificavam". Essa declaração contém
importante doutrina que lança luz sobre a exposição feita pelo apóstolo na
passagem que estamos estudando, com relação à natureza da Igreja Cristã.
Em meu parecer, o primeiro principio que se deve observar é o seguinte: a
preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas em Jerusalém que
ficavam observando a construção do templo. Mas elas não viam a preparação das
pedras. Este trabalho era feito antes de serem trazidas para o local do templo
e de serem colocadas nos seus lugares nas paredes. Eis aí um grande princípio
do Novo Testamento. Antes de sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã,
qualquer de nós - (vocês vêem como é importante distinguir entre simplesmente
termos os nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros de
Cristo e da Sua Igreja) - antes de podermos estar verdadeiramente na Igreja,
uma enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra realizada pelo
Espírito Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É uma obra misteriosa e
secreta. O mundo a ignora. Assim como o povo de Jerusalém nada sabia da
preparação daquelas pedras, o mundo também nada sabe a respeito. E possível
estarmos trabalhando num escritório com outras pessoas, ou até vivendo na mesma
casa com outros, cesta poderosa obra de preparação estar sendo realizada em
nós, sem que eles saibam. Não é uma obra realizada externamente, por fora,
superficialmente; é realizada no âmago da alma.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: "Vós sois a carta de Cristo...
escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de
pedra, mas nas tábuas de carne do coração" (2 Coríntios 13). É uma obra
interna, uma obra misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada
alma. Certamente vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há
alguns anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e
nunca tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das
coisas secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda
tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão
secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não
sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age em nós durante algum
tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que sabemos é que estamos
sendo levados a fazer certas perguntas que nunca tínhamos feito antes. Tudo o
que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos com nós mesmos e com as nossas
vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez diga que não estamos bem e que
deveríamos consultar um médico; e pode ser que concordemos. Talvez pensemos que
estamos cansados, ou procuremos alguma outra explicação. É uma obra misteriosa.
Novos interesses surgem, novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos:
"Que será isso? Não entendo o que se passa comigo. Parece que alguma coisa
está acontecendo comigo. Não sou mais o mesmo. Que será isso?" E não
entendemos. Ignoramos esta obra secreta que o Espírito está realizando. Mas aí
está ela, e faz parte da preparação. Esse trabalho era feito antes de as pedras
serem levadas para Jerusalém.
Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram da maneira como o
nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a Nicodemos, que nesse ponto
mostrou-se completamente incapaz de entender a Sua doutrina: "Como pode um
homem nascer, sendo velho?", pergunta Nicodemos. "Pode, porventura,
tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?" -Não entendo! Certo,
disse efetivamente o nosso Senhor. "O vento assopra onde quer, e ouves a
sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que
é nascido do Espírito." Você vê o resultado, você não vê o que acontece,
não entende. "Não sabes de onde vem, nem para onde vai." Não se vê, é
invisível, mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado. "Assim
é todo aquele que é nascido do Espírito."
Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental - e é sumamente
importante dar ênfase a isso hoje, porque há uma grave incompreensão dessa
questão - que, ser cristão é estar sujeito a uma energia e um poder que está
acima do nosso entendimento. Não me entendam mal. Isso não significa que o
cristianismo é irracional; o que significa é que o cristianismo é super-racional,
supra-racional, poderíamos dizer. Não há - e isso me causa prazer, pelo que o
repito muitas vezes - não há nada que, uma vez que você esteja dentro, seja tão
racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração que temos
nesta Epístola aos Efésios). Mas se você está fora, não a entende; parece haver
algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de Deus, porque é
ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio das leis da natureza;
Ele está agindo diretamente, Ele está agindo imediatamente, isto é, sem
utilizar-Se de meios. Deixem-me pedir ao grande apóstolo que exponha isso.
Vejam como ele o faz na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele
que quando o Senhor Jesus Cristo estava neste mundo, os príncipes deste mundo
não O reconheceram, pois, se O tivessem reconhecido, "nunca crucificariam
o Senhor da glória". Eles viam simplesmente um homem, o carpinteiro de
Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam admirados com o Seu
conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam, não sabiam que Ele era
o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: "Deus no-las revelou pelo Seu
Espírito"; sim, pelo Espírito que "penetra todas as coisas, ainda as
profundezas de Deus". Ele prossegue, dizendo: "Nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus". E ainda: "O homem
natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente". E então ele acrescenta isto: "Aquele que é
espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne (ou, "julga" VA) bem
tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, "por ninguém é julgado"). Noutras
palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e um enigma para
todos os não cristãos. Como isso é importante como uma prova para cada um de
nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe diz, então, pelo
menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que você é cristão.
Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para as
pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi
instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e
cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece
ter conhecimento; vejam os Seus milagres - quem é este? Ele era um problema e
um quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos
iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com
os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do templo, e
as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento, e tudo o
que puderam dizer foi que "eles haviam estado com Jesus" (4:13). Isso
era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder!
Que será isso?
É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido
formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender,
exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas
transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: "A suprema
realização da razão é levar-nos a ver que há um limite para a razão". Aqui
nos encontramos numa esfera em que Deus age imediata e diretamente. Assim, o
cristão não é meramente alguém que decide adotar certo número de proposições e
um ponto de vista, ou esposar uma filosofia. O cristão é, por definição, alguém
que foi formado, modelado, posto em forma, adaptado e ajustado para ser uma
pedra nesta parede, neste edifício, que vai ser um "templo santo no
Senhor, uma habitação de Deus. O cristão é alguém que nasceu de novo, foi
transformado, renovado, regenerado. Estes são termos do Novo Testamento. Ele é
uma "nova criatura", uma "nova criação".
No entanto, isso nos leva a um segundo princípio: tudo isso tem que acontecer
conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1
Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. "Edificava-se a casa com pedras
preparadas, como as traziam se edificava", (ou, " ... com pedras
preparadas antes de serem trazidas...", VA). Não estamos numa igreja para
nos tornarmos cristãos. Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para
ser membro dessa igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque
você já o é. Nunca foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista
- composta de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder
tomar-se cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o
suficiente em parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também,
lembro a vocês, é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora
presente, quando a questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por
todos quantos falam em união, reunião e unidade.
É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado sobre essa
matéria. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era uma questão urgente e
crucial. Martinho Lutero ensinava que a Igreja é a comunidade dos crentes. João
Calvino acentuava que a Igreja consiste do número total dos eleitos. Vocês
notam a ênfase? - comunidade dos crentes, número total dos eleitos, dos
escolhidos, dos chamados. E vocês recordam que os puritanos, que em certo sentido
foram os originadores e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de
"igrejas livres" (os primeiros "independentes", os
primeiros batistas, e outros), colocavam sua ênfase no que eles chamavam,
"a igreja reunida". Queriam dizer que a Igreja realmente consiste da
reunião, ou do encontro dos santos, dos crentes. Eles foram ficando cada vez
mais tristes com a idéia de uma "Igreja do Estado", porque, de acordo
com a idéia de uma "Igreja do Estado", todos os que vivem numa
paróquia são membros da Igreja e são cristãos. Pois bem, os não conformistas
rejeitavam isso completamente. Eles diziam: porque sucede que um homem vive
numa paróquia, não é necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas
pessoas vivem neste país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a
Igreja consiste unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo,
dos regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a
Igreja é a reunião destes. Isso é a Igreja, os "santos reunidos".
Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há
uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais
vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos
devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De
fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até
mesmo ao termo "cristão". Temos um "Congresso Mundial de
Crenças" que incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra.
Todos esses são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.
É vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda
mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela declaração
registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras
é simples e claro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na
doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. "O fundamento de Deus fica
firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que
profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade" (2 Timóteo 2:19). Há
alguns que negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é
coisa do passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube
onde eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece
seguro. Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz.
Em última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.
Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente tolo
e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de tamanho
e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja mundial! -
dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas que se opõem ao
cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos grandes batalhões, e
então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-escriturístico! Nós
cantamos em nossos hinos, "poucos fiéis", e a Bíblia está repleta de
ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera por meio de
grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está interessado na
pureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para ouso do Senhor. Não
devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na doutrina, na
regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é um templo
santo no Senhor, uma habitação de Deus.
Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos
os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande
parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem
decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não.
Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e disse:
"Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores". Que maravilhoso
acréscimo à Igreja! - dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele
homem e disse: "As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho
do homem não tem onde reclinar a cabeça". Vá pensar no que você está fazendo,
diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o que
isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um
homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai,
e Ele diz: "Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos". Disse ainda:
"Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de
Deus" (Lucas 9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando - Ele
examina. Avalie o preço, diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa
construir um castelo, porém não fez uma avaliação para saber quanto lhe
custaria e se ele teria condições e recursos para dar prosseguimento à obra!
Ele fala de maneira semelhante sobre o homem que se apresta para fazer guerra
contra outro país, e não sabe qual é o número dos componentes das suas tropas e
das suas reservas. Ah, que loucura é isso! Pare! Considere! Ele parece estar
rejeitando os homens. A Sua preocupação era com a pureza da Igreja, não com o
tamanho, nem com os números. E quando Ele partiu deste mundo, deixou apenas um
pequeno grupo de homens comuns, indoutos, sem instrução, iletrados para
continuarem a Sua obra. É esse o Seu método.
E tem sido sempre assim nos períodos de avivamento e despertamento. Era
extremamente difícil alguém tornar-se membro de uma igreja dos puritanos. Leiam
os relatos fidedignos dos feitos das primeiras igrejas independentes e batistas
e verão que era excessivamente difícil obter admissão à sua comunhão. Vocês
alguma vez leram as regras que João Wesley estabeleceu para a admissão às suas
sociedades? Os homens e as mulheres eram submetidos a exame e prova na doutrina
e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que se tem avivamento.
Deus só pode habitar numa Igreja pura - não necessariamente numa Igreja grande,
mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na vida. Pode parecer
surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo hoje, que o maior problema da
Igreja atualmente é que ela é grande demais. É muito parecida com uma multidão
mista. Somente quando os homens são aptos e próprios para o uso do Senhor é que
Ele os utiliza. Somente num templo santo é que o Residente eterno entra. O
ensino geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado e
comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Também é verdade que
ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer quando um homem se entrega
completamente a Ele. Todos os grandes avivamentos e reformas vieram dos mais
insignificantes começos. Um só homem -Martinho Lutero! Estranhos indivíduos do
século dezessete! O pequeno Clube Santo de Oxford, no século dezoito! Sempre
foi assim. Vamos parar de pensar em termos de grande atividade, quando
estivermos falando da Igreja. Regressemos ao Novo Testamento. Um santo templo
no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil homem Ele pode convencer
milhares. Pela pregação do apóstolo Pedro no dia de Pentecoste, três mil foram
acrescentados à Igreja.
Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Não deve haver nenhum ruído
durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis 6:7, e eis o que vocês
verão escrito ali: "E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as
traziam se edificava". E então - "De maneira que nem martelo, nem
machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a
edificavam". Que princípio vital é este! Interpretando-o e dando-lhe
vestimenta moderna, é isto: não deve haver discussão nem debate nem desacordo
na Igreja acerca das verdades vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído
de cinzel, martelo, amoldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer
antes de você entrar na Igreja. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja
Cristã sobre a Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhuma discussão
na Igreja acerca da situação e das condições do homem em pecado. Não deve haver
nenhuma discussão na Igreja acerca da expiação vicária, da regeneração, da
Pessoa do Espírito e de todas as doutrinas da graça. Não deve haver ruído de
discussão acerca destas coisas. Tudo isso deve acontecer antecipadamente.
Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser
entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído de
debate na Igreja, não estou querendo dizer que a Igreja não deve interessar-se
por doutrina; o que estou querendo dizer é que deve haver acordo sobre a
doutrina logo de início, de modo que não haja mais necessidade de discussão.
Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está sendo colocado desta forma:
ah, dizem muitos, não devemos ter discussões sobre doutrinas porque elas sempre
causam divisão; portanto, não as tenhamos, mas vamos todos concordar em
chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que for que creiamos. Uns poderão
dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem, outros dirão que Ele é também o
Filho de Deus. Que importa isso realmente? Afinal de contas, todos nós
concordamos em Seu ensino, em que este é nobre e enaltecedor e em que, se
tão-somente o praticássemos, não haveria todo este problema que o mundo
enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir sobre a Sua Pessoa. E
depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi o maior crime da
história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos. Outros dizem:
não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele morreu "pelo
determinado conselho e presciência de Deus" (Atos 2:23); morreu para levar
a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós estaríamos ainda
em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não importa em que você
crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi maravilhosa e comovente e,
portanto, todos nós podemos vê-la, podemos interpretá-la de diferentes
maneiras. Isso não tem importância, todos nós cremos nEle, e todos nós estamos
procurando ser semelhantes a Ele e segui-1O. Somos todos cristãos; avante,
pois!
No entanto isso é ausência de doutrina, e o que a passagem em foco ensina é
exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse debate e dessa discussão
na Igreja - não por não haver doutrina, mas porque todos nós estamos de acordo
quanto à doutrina, porque todos nós a subscrevemos. Foi assim que aconteceu na
Igreja Primitiva. Quando foi que o Espírito desceu sobre aqueles cristãos? Foi
quando estavam no cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez lemos sobre a Sua vinda
sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. É-nos dito que a Igreja
Primitiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no partir do pão e
nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por quê? Porque aqueles
cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era o Filho de Deus; a
ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto as Escrituras, tinha
explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus pés e eles tinham crido na
doutrina. Estavam todos unanimemente concordes. Nenhum ruído! Por quê? Porque
estavam de acordo na doutrina, não porque não tinham doutrina.
Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo
na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem
discutido doutrinas fundamentais. Porque será que um alarmante número de
“igrejas” estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano
após ano? É a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a
Igreja toda esteve debatendo o que chamavam "nova teologia". O debate
era principalmente sobre a Pessoa de Cristo! - seria Ele realmente o Filho
eterno de Deus? ' Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam
sobre fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não
criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos
fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que
não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito não
esteja operando?
É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de machado e de nenhum
instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as mulheres entendam
claramente estas coisas, antes de pertencerem à Igreja. Na verdade, você não
pode estar verdadeiramente na Igreja, a não ser que já esteja certo sobre estas
questões. Jamais houve a intenção de que a Igreja seja um rinhadeiro no qual os
homens argumentam, pelejam, debatem e brigam sobre questões vitais relacionadas
com Cristo e Sua obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais estas
questões foram resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que crêem, os
quais estão firmados no fundamento de Deus, e os quais se juntam - não para
argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em Deus, adorá-lO,
para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha da Sua presença e
de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele os encha de poder para
falar a outros e propagar as boas novas, e cativá-los, libertando-os dos
grilhões e da escravidão do pecado.
Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que concordar
em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais. Há certas
questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes acerca da
profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras. Não são
princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e pelejar
sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem ocorrer
discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos
fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a
Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador. A
maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes princípios. Agora se
realizam grandes conferências mundiais, uma após outra. Todavia, como usam o
tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo Espírito, não se deixando
encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar uma base de acordo. Tentam
achar um mínimo irredutível acerca do qual não discordem.
Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal a pior. Eles têm a
fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há
nada que una, exceto a doutrina - pois a única unidade digna de menção é a
unidade do Espírito, que produz a mesma crença no mesmo Senhor, na mesma fé e
no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em
harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho de
Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra
para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade,
é simplesmente esta: "Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que
te foi mostrado no monte". O monte do Sermão do Monte! O monte da
transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão!
Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos,
aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que
disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo
que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem
discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da
Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas e
pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo
pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito
Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.
D.M. Lloyd-Jones
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