terça-feira, 4 de agosto de 2020

A PREGAÇÃO E O PREGADOR



A PREGAÇÃO E O PREGADOR

O fato e o ato


"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).
Após haver exortado o jovem pastor Timóteo a ser firme e perseverante na chamada que havia recebido; e após, igualmente, haver alertado sobre a corrupção que reinaria nos dias finais; encorajado, ainda, a manter a doutrina, Paulo estimula seu jovem pupilo a ser incansável na proclamação do evangelho. Isso o apóstolo o fará dentro de um plano bem simples: fala acerca da pregação (vv.1 e 2) e acerca do pregador (v.5). Entre esses dois fatos, utiliza ele o elo de uma nova descrição dos erros teológicos, doutrinários e ideológicos , trazidos pelos profetas de um falso evangelho (vv.3 e 4). Diz o apóstolo:
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino" (v.1).
Não é um novo apelo. O apóstolo já o havia feito com outras palavras em ocasiões variadas desta mesma carta. Paulo chama a Deus Pai, e a Jesus Cristo como testemunhas . É Jesus, o juiz de vivos e de mortos; é Jesus, o conquistador que retorna; é Jesus, o Rei. E mencionando essas verdades, fala o apóstolo de Sua epifania, de Seu juízo, da plenitude de Seu reino. É Jesus nosso alvo de vida, para Quem Paulo encoraja Timóteo a olhar, como também para o mundo do seu tempo, e para ele, Paulo, pastor mais experimentado, sofrido, calejado nas lides ministeriais.1 (vv.6-8)

A PREGAÇÃO (vv.2-4)
O Quérigma: "Prega a Palavra" (v. 2 a)
O ministro do evangelho não tem o direito de escolher o que pregar. A ordem é dada em voz de comando, porque o pregador há de ser como o porta-voz do seu rei. Esse é o padrão: o mesmo para o mensageiro deste fim de século. É o da pregação que nasce da consciência de ser um arauto do Rei dos reis, do que anuncia, faz conhecido em voz, razão porque a pregação cristã é igualmente chamada "proclamação" ou "anúncio".
Prega-se a Jesus Cristo. Paulo o diz: "nós pregamos a Cristo crucificado"; anuncia-se o evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a "Cristo crucificado"; anuncia-se o evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a fé, a esperança e o amor; devemos pregar o Calvário e o túmulo vazio; devemos anunciar a reconciliação e a inauguração do reino do Senhor.
O pregador do evangelho não pode esquecer três relevantes e imprescindíveis realidades: Jesus Cristo é o Senhor do universo, do cosmos; é o Senhor da igreja, Seu corpo; e é seu Senhor, de sua vida, de sua esperança. Jesus Cristo é o começo da proclamação, e o cumprimento desse abençoado anúncio e promessa de salvação para todo o que crê.
Há, porém, espaço para essa pregação hoje? Radicais dizem que os pregadores devem jogar fora as suas Bíblias. Igrejas existem que, ao invés de estudar as Escrituras, preferem analisar nas suas "Escolas Bíblicas" (?!) documentos de conteúdo político e teses outras! E já que o mundo de nossos dias tem se tornado tão exigente, não seria melhor usar de formas outras para apresentar a mensagem? Que tal o teatro? O balé? As artes plásticas? Por que não o debate em torno de filmes, a leitura de uma peça? . É. São mil e uma as propostas para uma "apresentação contemporânea do evangelho", mas, nada, nada mesmo substitui a pregação . Como bem colocou Emil Brunner:
"Onde há verdadeira pregação; onde, em obediência a fé, é proclamada a palavra, ali, apesar de todas as aparências contra, é produzido o acontecimento mais importante que pode ter lugar na terra".
A pregação, em si, é o elemento central do culto. É um ato de adoraçào; é oferta feita a Deus pelo pregador. Lutero chegou ao ponto de dizer ser o próprio cerne do culto cristão, e que não haveria culto se não houvesse sermão. É essa palavra dinâmica (Hb 4.12), a palavra de Deus, a palavra do evangelho, que sempre é criativamente aplicada em diferentes níveis. Essa é a pregação da esperança que a pregação de Jesus Cristo anunciou e vem anunciando até a parousia do Senhor. O evangelho não só é sobre Jesus, mas É Ele mesmo. Os primeiros pregadores declaravam
  • que a época do cumprimento das promessas, a plenitude dos tempos, havia chegado;
  • que através da ressurreição, Jesus foi exaltado à destra de Deus;
  • que a presença do Espirito Santo na igreja é a evidência do poder e da glória de Cristo;
  • que a era messiânica terá sua consumação na parousia.
Realmente a mensagem sobre o que o Senhor disse e fez pela salvação da pessoa humana é a única sobre o único caminho de salvação que é Seu Filho: "Em nenhum outro há salvação, pois também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos".2 Para essa mensagem, a Bíblia usa denominações variadas:
  • "o evangelho do reino de Deus" ("Depois disto andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus"3);
  • "a palavra de reconciliação" ("Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra da reconciliação",4);
  • "o evangelho de Cristo" ("Deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo. Então, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais firmes em um mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho",5).
Sim, o pregador do evangelho está na linha de sucessão dos profetas que anunciam esta extraordinária palavra que nunca volta vazia, razão porque não pode mutilá-la ou modificá-la. Seu dever de obediência é comunicar a Palavra de Deus que lhe foi confiada.
Há quem deseje um evangelho sem cruz, sem maiores compromissos, o evangelho da facilidade e sem conflitos. É o evangelho do Cristo desfigurado. Diferente daquele que o pregador cristão é convocado a anunciar, o do Cristo crucificado6. O evangelho do Cristo desfigurado é o do "espetaculoso" (mistura do "espetáculo"com "horroroso"), evangelho tão do gosto dos evangelistas e missionários de porta de esquina, o do povo que pede sinais, o da-concupiscência-dos olhos. O evangelho do sucesso, o da soberba da vida, da vitória sem cruz, da coroa sem sofrimento, dos valores materiais, dos atalhos . O pregador evangélico, no entanto, é o que anuncia a palavra da cruz sem a qual não pode existir proclamação de boas novas,
"porque nós não somos falsificadores da palavra de Deus, como tantos outros; mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que, em Cristo, falamos" 7.A Didaquê
1."insta a tempo e fora de tempo"(v.2b)
A pregação da mensagem de Jesus Cristo não depende de circunstâncias. Haja ou não perseguição, percam-se ou não vantagens pessoais, nada deve influenciar nosso ministério. Paulo o pontua: "Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar das numerosas tribulações".8 A expressão básica da carta a Timóteo apresenta um bem feito jogo de palavras: "fica de prontidão em tempo oportuno (eukairos) e, em sendo o caso, também em tempo inoportuno (akairos)". Seja ou não em situações favoráveis. Kairos, ensinam os léxicos, é o tempo oportunidade, o tempo de Deus. Atender a essa hora signifivativa é abraçar a salvação; rejeitá-la é ruina. O pregador não pode perder a visão da urgência. John Stott enfatizou muito bem ao pronunciar "O sermão deve dar descanso após incomodar".
2."admoesta"
Há um crescendo nas palavras: insta, admoesta, repreende, exorta. Até podemos falar em níveis de pregação. O apóstolo fala em admoestação, uma abordagem intelectual usando-se a argumentação. Jesus Cristo ordenou que ensinássemos os crentes "a guardar todas as coisas" que Ele havia mandado. A proclamação admoestadora é a confrontação da pessoa com a realidade dinâmica da palavra anunciada; é a pregação da esperança. Deve levar a confissão do pecado ou a sua convicção porque proclamar o evangelho , instar em tempo oportuno, é confrontar. Hoje quando o antinatural é vendido como natural, e o pecado parece ter desaparecido, a Igreja de Jesus Cristo deve conduzir à salvação dos perdidos e a santificação dos salvos. É a didaquê.
3."repreende"
A repreensão tem pontuação moral. Jesus Cristo deixou-nos o mandamento sobre promover a reconciliação de vidas, o perdão no aconselhamento com vistas ao arrependimento. Dr. Wayne Oates, professor de Psicologia Pastoral do The Southern Baptist Theological Seminary (em Louisville, EUA) ensina que como homem de Deus, como representante divino, o pastor se torna uma consciência visível. E essa é a razão porque pode admoestar, repreender e exortar com sabedoria e compaixão. A repreensão movida pelo amor de Cristo Jesus e pelo calor do Espírito dá ao pregador autoridade da qual o seu rebanho precisa.
4."exorta"
É encorajamento, é conforto. O ministério da paráclese tinha lugar destacado na Igreja apostólica. Era uma missão especial dos profetas. É encorajamento à vida justa, perfeita, à ética. As cartas paulinas trazem com muita freqüência passagens de exortação.
O Modo De Fazer (v.2c)
"Com loganimidade e ensino", diz Paulo. Com paciência, com perseverança , sem cansaço, sem irritação, apesar das tentações do aborrecimento e da impaciência com certas ovelhas de cabeça dura e miolo mole.
O pregador há de ter boa doutrina, que é a base do ensino cristão.

O TEMPO E OS MITOS ( vv. 3,4 )
O tempo (v.3)
Sem dúvida, estamos vivendo esses dias. É um momento em que a ortodoxia será posta de lado por não ser suportada. São os "tempos penosos" do capitulo 3, verso 1. O momento quando teorias maléficas são propagadas por movimentos ideológicos, filosóficos, religiosos e místicos. E, porque há quem se deixe levar (cf. "não suportarão a sã doutrina", "grande desejo de ouvir coisas agradáveis", "desviarão os ouvidos da verdade", "voltar-se-ão às FÁBULAS", vv.3,4), há, igualmente, necessidade da admoestação, repreensão e exortação referidas no versiculo 2. É nossa oportunidade missionária e pastoral, é o kairós, o momento marcado por Deus, o chamado da hora. Afinal, a mensagem do evangelho é eugênica, hígida, sadia.
"Para os devassos, os sodomitas, os roubadores de homens, os mentirosos, os perjuros, e para tudo que for contrário à sã doutrina." 9 e assim o pregador é exortado a reter "...firme a palavra fiel, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina como para convencer os contradizen-tes" 10, ou seja, o pregador não há de dar ao povo o que o povo aprecia (que não caia nessa tentação!), mas o de que o povo precisa. Paulo lembra que têm "grande desejo de ouvir coisas agradáveis" (no original, têm "coceira nos ouvidos", prurido, comichão), fome de novidades.11
A palavra mágica de nossa época parece ser liberdade. Realmente, qualquer causa tem algo que com ela se relaciona. Fala-se em "Frente Nacional de Libertação", em "livre empresa", "imprensa livre", "liberação feminina", "amor livre", "liberdade sexual", "liberação gay". É; essa palavra é muito apreciada. A Bíblia se pronuncia sobre o assunto: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres".12 Jesus Cristo pôs a marca da liberdade no seu ministério: "O espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração de vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor". 13
Sim! A mensagem cristã é um brado de "Independência ou Morte!": "Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte" .14Liberdade de uma situação para outra. Liberdade da derrota moral, do desespero da morte, das tentativas de auto-salvação , do julgamento final para crescer à estatura do ser humano perfeito, para servir ao Senhor, e viver a vida do Espírito.
O ser humano, nosso alvo de pregação, tem seus problemas peculiares: a secularização, a ideologia da tecnocracia, a busca desenfreada de lucro, o ateísmo, o hedonismo, a sacralização dos fenômenos naturais, a deificação da sua própria obra, a ansiedade, o sentimento de culpa, a revolução interior no lugar do equilíbrio, da qual o gadareno15 é seu retrato. São tempos dificeis: há um rápido aumento da parceria homossexual, dos casamentos abertos, e (pasme-se!) a criação de Igrejas gays como a Metropolitan Community Church, cisma da Igreja Metodista Unida dos EUA e espalhada pelos Estados Unidos e Canadá. Karl Barth alerta com muita propriedade ao pregador de nossos dias que tenha numa das mãos o jornal diário para ler o mundo e suas circunstâncias, e na outra a palavra de Deus para falar profeticamente a esse mundo (cético), irreligioso, ao tempo que sofrido e amargurado (e em desespero). De Erasmo:
"O ministro se acha no ápice de sua dignidade quando do púlpito alimenta o rebanho do Senhor com sã doutrina".

Os mitos (v.4)
Paulo diz que "não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fabulas". A propósito, Paulo encoraja outro jovem pastor a repreender com severidade objetivando a saúde da fé, "não dando ouvidos a fábulas judaicas, nam a mandamentos de homens que se desviam da verdade".16 Afinal, a função do quérigma inclui uma luta contra os mitos, as "fábulas" das traduções bíblicas. Isso é o que diz Harvey Cox. Comblin, referindo-se aos mitos do homem contemporâneo, menciona o que chama "mitos do passado", os "sonhos da noite" de acordo com Ernest Bloch, e os "mitos do futuro", a projeção da vida presente no futuro. Aliás, segundo alguns, o ser humano de nosso tempo teria feito uma grande descoberta: que é possível viver sem Deus, dando como conseqüência que a pessoa humana não tem necessidade de Deus para viver e trabalhar. Aí pessoas com tal idéia na cabeça "...se desviaram, e se entregaram a discursos vãos", e "...já... se desviaram, indo após Satanás". Por razões deste tipo, necessário é que o pregador viva "não dando ouvidos a fabulas judaicas, nem a mandamentos de homens que se desviam da verdade" .17

Verdade Viva
Senhor,faze-nos compreender que uma verdade é muito mais viva quando ela se move,
quando ela evolui e traz novos frutos em cada estação. Quando muda diante de nossos olhos com a hora do dia, com a idade do homem, com o passo dos séculos, mas permanece, em substância, para todos: séculos e homens, sempre iluminadora, sempre vivificadora, alimentando-nos a cada dia e levando-nos à nossa perfeição! Senhor, dá-nos a inteligência!

A PREGAÇÃO E O PREGADOR II
O fato e o ato
Walter Santos Baptista
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).
A primeira parte deste estudo teve como tema central A PREGAÇÃO como missão cristã, como proclamação e ensino autorizado das doutrinas, princípios e leis espirituais deixados por Jesus Cristo. Nesta segunda parte, será analisada a figura do Proclamador, do mensageiro da mensagem do evangelho.

O PREGADOR (v. 5a)
"Tu, porém, sê sóbrio em tudo" (v. 5 a)
O preparo da mensagem começa com o preparo do mensageiro, lembrando que sua força vital é a mencionada em Mateus 10.20:
"...não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós".
Não é fácil ser pastor. Humanamente falando, é uma tarefa complexa pelo fato que lida com missões tão amplas e, por vezes, tão divergentes. É preciso dependência de Deus, e de Sua graça e de Sua energia espiritual.1 Para ser ministro da palavra é preciso
  • salvação pessoal, chamada divina porque se for de homens, o pastor não resiste,
  • fidelidade à palavra de Deus, convicção de que fora de Jesus Cristo não há salvação,
  • convicção da existência do diabo (o candidato a pastor no concílio de exame disse não crer no diabo. Suspensão do concílio, e um pastor idoso disse aos colegas, "não se preocupem; basta um mês no pastorado e ele vai se convencer)
  • dedicação ao Espírito Santo.
Bushell afirmou com muita propriedade:
"A pregação não é outra coisa senão a explosão de uma vida que primeiramente se abasteceu de poder nas regiões onde o próprio Deus está entre os alicerces da alma"2
A primazia é que o pregador ame o Senhor3, por isso Paulo pode dizer,
"O Senhor esteve ao meu lado e me fortaleceu, para que por mim fosse cumprida a pregação..." 4
É isso que lhe dará integridade, da parte de Deus o shalom, palavra que quer dizer, inteireza, plenitude, totalidade, paz, saúde, salvação.
Do pregador é esperado que seja um "homem de Deus"5 e um "embaixador de Cristo"6. Há um poder, um peso simbólico no pastor/pregador, como disse Dr. Oates, que tem sido hoje altamente contestado, até porque há os defraudadores de evangelho7. Espera-se, ainda, que seja a encarnação da mensagem em conduta e estilo de vida. Que não haja contradição entre fatos e palavras, a "Síndrome de Apocalipse"8: aparência de cordeiro e voz de dragão.
O pregador há de ser sóbrio, sensível, vigilante, com mente sadia, auto-controlado, palavras, alíás, que se referem ao relacionamento das crenças e da estabilidade emocional do candidato ao ministério. Calvino deixou claro que "o ministro não pode ser escravo do seu estômago e da sua carteira".
"Sofre as aflições" (v. 5b)
E nem se pode fugir porque aquele que é chamado ao sofrimento pelo amor de Jesus Cristo padecerá perseguições".9 E também,
"Eu de muita boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas".10
Nossa geração está preocupada em evitar a dor . Há todo um imenso capítulo sobre o uso de analgésicos e anestésicos. Para alívio da dor, desde a popular aspirina até a codeína, para a insensibilidade total ou parcial do corpo o éter, o clorofórmio, a benzocaína. Já o cristão entende haver um momento para o sofrimento:
"se filho (é o salvo) também herdeiro, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados" .11

Existe base bíblica para uma teologia do sofrimento. Romanos 5.3 menciona uma glória nas tribulações, e essa glória decorre do fato de as aflições são vistas como a experiência do dia a dia do cristão. É um sinal de que Deus considerava os que as suportavam como dignos do Seu reino.12
Não há glória sem sofrimento, isso, porém, nào quer dizer qualquer dor, mas, sim, o sofrimento com Cristo, não é uma enxaqueca, uma mialgia ou mesmo um malígno câncer. Não é morbidez ou masoquismo do cristão. Assim, devemos sofrer com Cristo. Como foi, então, o Seu sofrimento? Que ou quem O fez sofrer? Foram pessoas , suas necessidades, tragédias, dores, resistência, má vontade e abandono. Jesus Cristo sofria com as pessoas. Chorou quando elas choraram.13 Sofreu por elas.14 Do mesmo modo, o pregador da Palavra há de sofrer com e pela igreja que lhe foi confiada, e pelo seu apostolado no mundo:
"Agora me regozijai no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo por amor do seu corpo, que é a igreja" .15
O ministro da palavra deve sofrer as aflições por causa da verdade, visto que a pregação do evangelho sempre demanda exaustào e perseguição, e envolve a participação nos sofrimentos do Salvador, como tão bem coloca o apóstolo:
"Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor de seu corpo, que é a igreja; da qual eu fui constituído ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, a fim de cumprir a palavra de Deus".16
O pregador da palavra divina convive com qualidades variadas de problemas: solidão, tensões familiares, dificuldades da obra, onde o pior é que, em muitos casos, o conflito se desenvolve dentro do seio do povo de Deus (decepções, deslealdade, críticas ferinas, incompreensão, indiferença) George Whitefield até exclamou: "Não estou cansado da obra de Deus, mas, sim, na obra de Deus". É verdade , o cansaço pode trazer experiências divergentes: o estresse espiritual (algo seriísimo!) ou maior maturidade17. Que não se caia no pecado da reclamação contra o povo do Senhor, na "Síndrome de Moisés", o qual exclamava,
"Concebi eu porventura todo este povo? dei-o à luz, para que me dissesses: Leva-o ao teu colo..." ;18
nem no pecado da "síndrome de Elias" que à ameaça do perigo fugia e não confiava19. Paulo, ao contrário dos seus colegas de vocação, escreve um verdadeiro "Hino ao Apostolado" onde se humilha e posiciona diante do Deus Soberano que chama, habilita e protege.20 O ministro da palavra há de ser veludo por fora e aço por dentro em todas as circunstâncias, cordato e afetuoso não se deixando oxidar nem quebrar. Ou como afirma o apóstolo,
"ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente; corrigindo com mansidão os que resistem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade".21

"Se Por Acaso..."
Se por acaso perdeste a motivação do trabalho, E os deveres te pesam; Se perdeste  uma série de amigos, E a solidão te castiga; Se por acaso perdeste o último raio de luz,
E andas no escuro; Se teus objetivos parecem cada vez mais distantes, E o ânimo de prosseguir desfalece; Se alimentas as melhores intenções, E, assim mesmo, te criticam;
Se teus pés feridos ostentam a marca Das jornadas infinitas em busca de soluções
Que o tempo ainda não trouxe; Se tuas mãos se alongam trêmulas na ânsia De segurar outra mão que não podes reter Porque não é tua; Se teus ombros se alargam, e a cruz
Ainda não cabe. porque é ardua demais; Se ergues os olhos, e o céu não responde
Às suplicas que fizeste; Se amas o chão firme, e tens a impressão de afundar no pântano da insegurança; Se queres mar alto, e areias seguram o navio dos teus onhos;
Se falas, se gritas até, e o vazio não devolve o eco à sua voz; se gostarias de ser  inteiro, total, e te sentes parcelado, repartido, fragmentado, um trapo de gente, talvez;
Se os nervos afloram, e beiras os limiares do abismo da estafa; Se a fé parece  onversa fiada, e nada do eterno te traz ressonância; Se choraste tanto que já não descobres
as estrelas no alto. Então, levanta o olhar para a cruz, fixando Cristo bem nos olhos.
No lenho do Calvário, encontram-se todas as respostas para aqueles que sofrem
e perdem a vontade de sorrir, de lutar, de viver. Ajoelha-te aos pés de Cristo Ressuscitado, como Tomé, o apóstolo incrédulo, e repete com ele: "Meu Senhor e meu Deus!"

"Faze a obra de um evangelista" (V. 5c)
A palavra "evangelista" só três vezes aparece no Novo Testamento.22 Qual a obra do evangelista? Quem eram eles? Não precisamos nos cansar para verificar que a resposta imediata é que os apóstolos são evangelistas e tinham como qualificação especial estar com o Mestre e pregar.23 Após a ressureição, a principal preocupação deles tornou-se a pregação, e de tal modo que outros homens foram selecionados para cuidarem de outros assuntos relevantes porém mais terra-a-terra.24
Extraordinários homens esses evangelistas! Paulo aponta Jesus Cristo como tema único do seu ministério apostólico/evangelístico,25 a pregação da esperança, da alegria, da perseverança, o entusiamo que era passado aos ouvintes. O evangelista é, deste modo, um portador de boas notícias, não um agoureiro ou profeta da desgraça, mas um otimista, um apocalíptico no real sentido da palavra.
A única munição que o evangelista leva consigo é a autoridade de Cristo, que através do Seu Espirito concede esse dom especial da sua graça.26 O Novo Testamento oferece modelos da pregação evangelística: é o testemunho, quando o crente em Jesus Cristo não só conta a história, mas a sua parte naquela história;27 a proclamação, que é, como já visto, fazer o papel de porta-voz,28quando sempre se aguarda uma resposta;29 o ensino, pois que na prática não se deve dissociar a evangelização do ensino: o evangelista deve saber ensinar, e o mestre, evangelizar.30 Jerônimo até disse que "ninguém , deve se arrogar o título de pastor se não puder ensinar os que apascenta".31
Evangelização sem o "ensinar a guardar" resulta em crentes superficiais e nanicos. Ensino sem a pregação do arrependimento é ancilose. Não era o que acontecia na Igreja-dos-Primeiros-Dias conforme o declaram Atos 5.42 e 20.20. Perfeito exemplo de integração de ensino e pregação evangelistica se encontra em Atos 8.26-38, terminamos o texto por dizer qie Filipe o evangelizou e ouviu a pergunta que todo evangelista pede em oração para ouvir com maior freqüência, "que impede que eu seja batizado?" (v. 36b). Outro modelo é o convite no teor do Salmo 34.8, "provai, e vede que o Senhor é bom";32; a vida, posto que temos um ministério espetacular como o ensino de Paulo em 2Coríntios 3.18. Sim, mesmo a nossa luz33 é de menor grandeza refletindo a grandeza de primeira da luz do Senhor.34 É o desafio de viver como cristão de que fala o apóstolo em Romanos 12.1,2.
"cumpre bem o teu ministério" (v.5b )
O que há de ser feito com sinceridade e dependência do Espírito Santo com a dignidade da chamada que recebeu. Dennis Kinlaw salienta que o aspecto mais importante na pregação não é o preparo da mensagem, mas o do mensageiro. Isso significa que nossa prioridade máxima é ter momentos de comunhão com Jesus Cristo, pois chamou Jesus aos apóstolos "para que estivessem com ele" .35 E aos chamados levitas não foi designado, entre outros encargos "estar diante do Senhor servindo-o" ?36
Os ministros da Nova Aliança, como os profetas do Antigo Testamento, agem cheios do Espírito do Senhor, e Lucas insiste nisso: com respeito aos Doze, , a Pedro, aos Sete, a Estevão, a Filipe, a Saulo, a Barnabé e Paulo. 37
A comunhão de Jesus Cristo e Seu Espírito capacitará o ministro da palavra a ver as pessoas e os fatos como Cristo os vê . Sim, as previsões divinas são inesgotáveis,
"Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazeis" .38
Isso explica João 14.23-26; 15.26,27; 16.7-13.
O ministro da palavra vive rodeado de perigos e tentações , razão porque necessita ser energizado pelo poder do Alto. Afinal, não é um mero profissional, nem um mero conselheiro, não é um mero orador. É , sim , um ministro da Nova Aliança, da Palavra e das ordenanças.39
A palavra "ministro"tem uma origem interessante. Era o perfeito contrário de "magistrado" e de "mestre" para os antigos romanos. Magister era o encarregado de administrar a justiça porque havia nele algo mais que os outros, os quais não tinham esse magis, essa competêncai além. Por sua vez , minister era o que tinha um minus, algo menos que os outros porque a serviço dos outros, das autoridades e dos senhores. É mesmo. O pastor é um paradoxo: é mestre porém ministro; possui um magis, o ser pastor-mestre,40 e um minus, seu ministério, ou como coloca Paulo "sou o menor..." 41
Precisamos de lábios ungidos pela brasa do altar, tanto quanto nossos ouvidos, mãos , pés e olhos.42 Nossa vida interior vai se refletir no púlpito. É nesse ponto que vale a pena citar Lutero o qual dizia que três coisas fazem o pastor: a oração, a meditação e a tentação, visto que as três lhe abrem a consciência para compreeder as grandes , magníficas, abençoadas verdades espirituais.43
Para bem cumprir seu apostolado, o ministro evangélico precisa estudar. Ele que já conhece o poder transformador de Deus, precisa estudar para bem manejar a Escritura. Jesus Cristo o ressaltou,
"Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus" 44
O pregador é intérprete da Bíblia, razão porque há de ser homem de estudo, de oração e profundamente inserido no tempo. Há de ter preparo teológico através das ciências bíblicas e teológicas, versado na Teologia Bíblica, na Teologia Sistemática, na Hermenêutica; homem de conhecimentos gerais, leitor de publicações especializadas, dos jornais diários, das revistas de comentário, da história. Há de ter preparo, e permanecer se preparando: é um homem sempre em formação, estudante perene da Bíblia, pesquisador de bons e variados comentários, estudante da teologia e profundo na doutrina.
O pregador da Palavra de Deus há de se alimentar constantemente da meditação das Escrituras, como na ordem a Ezequiel : "Filho do homem...come este rolo, e vai fala à casa de Israel,"45 ou na experiência de Jeremias: "Acharam-se as tuas palavras eram para mim o gozo e alegria do meu coração" 46
É uma contradição (seria melhor dizer aberração?) a pregação não-teológica. Seria o mesmo que falar em mecanismo não-mecânico, ou medicina não-médica, motivo pelo qual não é possível desvincular o preparo teológico de um ministério bem cumprido.
O apóstolo Paulo faz a Timóteo alguns apelos de cunho pessoal. Diz por exemplo:
"...(que) pelejes a boa peleja, conservando a fé, e uma boa cosciência.". 47
"Exercita-te a ti mesmo na piedade" .48
"Aplica-te à leitura, à exortação, e ao ensino.."49
"Conjuro-te... que sem prevenção guardes estas coisas, nada fazendo com parcialidade" .50
"Segue a justiça, a piedade, a fé , o amor , a constância, a mansidão" .51
"... guarda o depósito que te foi confiado, evitando as conversas vãs e profanas e as oposições da falsamente chamada ciência" .52
"Conserva o modelo das sãs palavras..." 53
"Procura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro de que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" ,54
e outros tantos, e tantos outros de atualíssima aplicação na vida do obreiro do século atual.
De onde vem a força do pastor? Com atribuições tão variadas , e por vinte e quatro horas à disposição do seu rebanho, as suas forças espirituais, emocionais e físicas provém de, pelo menos, duas fontes:
Deus ("Posso todas as coisas naquele que me fortalece" 55) Aquele que chamou também o sustenta. Na experiência de chamada de algumas das personagens bíblicas, há um senso de inadequação, de estar aquém da vocação. Não foi assim com Amós?56 Com Jeremias?57 Com Ezequiel?58 Mas pelo poder do Senhor, a voz interior continua a falar: o desejo forte, continuado de fazer do ministério a ocupação suprema da vida:
"Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, porque me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!" 59
Outra fonte é a sua igreja, por causa de duas importantes razões:
  • o conceito do Sacerdócio dos Crentes porque, precisando o pastor das orações do seu rebanho, espera que ele tome parte ativa na intercessão pelo seu ministério. Como o apóstolo aos gentios rogou: "Irmãos, orai por nós" .60
  • O outro conceito é o de Igreja Ministrante, a dimensão pastoral da igreja como um todo. O ministro dá e recebe forças: pastoreia e é pastoreado. Bendito feedback.!...
Se para o ministro jovem a palavra encorajadora é "ninguém despreze a tua mocidade..." ,61 para o pastor já experimentado nas lides do apostolado persiste a alegria de dizer com Paulo , "combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé" .62

Utiliza-nos
Senhor, tu nos chamaste.
A inquietude que nos sobrevém
quando ouvimos tua palavra, o comprova.
Tu conheces nossa fraqueza.
Tu sabes com que vacilidade perdemos nosso ânimo.
Tu sabes como caminhamos com medo.
Nisto confiamos.
Trabalha em nós, se for a tua vontade.
Utiliza-nos e faze-nos úteis.
Não sabemos se resultará algo
de tudo o que fazemos em teu nome.
Mas a ferramenta não precisa temer
Pelo sentido da obra.
Nós somos teus instrumentos.
Tu nos tomaste em tua mão.
Utiliza-nos;
Dá o que tu queres,
quando tu queres e quando tu queres.
Faze comigo a tua vontade,
como melhor te agradar,
e assim que te reconhecemos em tua obra.
Coloca-me onde tu queres,
E dispõe de mim livremente.
Estou em tua mão.
Volta-te e envia-me para onde tu queres.
Sou teu servo.
Estou preparado para tudo.
Pois não quero viver para mim, e sim para ti,
e isto, totalmente
e de tal maneira que seja digno para ti.
( Thomas von Kempen )



Walter Santos Baptista

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