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 Um assunto que tem provocado muita polêmica em nossos dias
  é o ensino do moderno movimento de batalha espiritual acerca de objetos que
  têm o poder de abençoar e amaldiçoar aqueles que os tocam ou possuem. Nesse
  pequeno artigo, procuro compreender esse ensino e oferecer uma avaliação. Objetos
  que Trazem Bênção Embora os líderes dessas igrejas insistam que esses
  objetos abençoados funcionam apenas como apoio para a fé dos crentes, ao fim,
  acabam sendo usados como talismãs, fetiches e outros objetos
  "carregados" de poder espiritual. Os seus possuidores devem usá-los
  de acordo com algum tipo de ritual, após o culto. A água pode ser bebida em
  casa, após a oração de consagração. O "cajado de Moisés" deve ser
  usado para bater naquilo que o crente gostaria de ter (um carro novo, por
  exemplo). Lenços ungidos devem ser carregados junto ao corpo por determinado
  tempo, geralmente durante o tempo de uma corrente de oração.(1) Muitas vezes objetos são "abençoados" nessas
  igrejas com o objetivo de espantarem e expelirem demônios. A idéia que está
  por detrás desse uso religioso de artigos e objetos é o de que as entidades
  espirituais (anjos e demônios) podem ser atingidas através dos sentidos como
  cheiros, cores, gosto e vozes. Nesse ponto os cristãos do primeiro século se
  afastaram significativamente das práticas exorcistas do Judaísmo da sua
  época, que foram desenvolvidos no período intertestamentário. Os métodos
  rabínicos de tratar com demônios incluía o uso de tochas de fogo à noite,
  amuletos, filactérios,(2) fórmulas mágicas, fumigações, entre outros. A idéia
  era que essas coisas teriam em si algum tipo de poder mágico contra os
  demônios.(3) No cristianismo primitivo, entretanto, a idéia de que demônios
  pudessem ser atingidos através de sons, cheiros ou coisas materiais e
  tangíveis, está ausente. É importante dizer que não duvido da sinceridade e da
  boa-fé dos que empregam esses objetos. Entretanto, podemos estar sinceramente
  enganados no que diz respeito ao culto a Deus, como os judeus na época de
  Paulo (Rm 10.1-2). É minha convicção que o uso desses objetos como apoio para
  fé ou canal de bênçãos não faz parte do culto agradável a Deus que nos é
  ensinado nas Escrituras. Entendendo
  o uso de objetos na Bíblia Devemos interpretar essa passagem da mesma forma como
  interpretamos os relatos do Antigo Testamento sobre o cajado de Moisés (Ex
  8.5,16) e o manto de Elias (2 Re 2.8,14). Esses objetos foram veículos
  materiais do poder miraculoso desses homens. O propósito das narrativas
  acerca do poder que havia neles foi mostrar o extraordinário poder de Deus
  nas vidas dos seus possuidores, comprovando que a sua mensagem vinha
  realmente da parte de Iavé. O ponto é que esse poder era tão grande que até
  as coisas com as quais Moisés e Elias tinham contato diário se tornavam
  canais através dos quais ele era transmitido. Além dessas ocorrências no Antigo Testamento mencionadas
  acima, outros eventos são citados como justificativa para o uso de objetos
  como veículos do poder divino. Moisés fez uma serpente de bronze (Nm 21.9).
  Eliseu usou um prato novo com sal para miraculosamente sanar as águas de
  Jericó (2 Re 2.19-22), um pouco de farinha para purificar uma comida
  envenenada (2 Re 4.38-41), um pau para fazer flutuar um machado que caiu no
  rio (2 Re 6.1-7). Sob seu comando, as águas do Jordão serviram para curar a
  lepra de Naamã (2 Re 5.1-14). Seu bordão parece que era usado para realizar
  milagres (2 Re 4.29) e seus ossos ressuscitaram um morto (2 Re 13.20-21). O
  profeta Isaías usou uma pasta de figos para curar Ezequias (2 Re 20.7). Alguns eventos narrados no Novo Testamento são também
  citados como prova. As vestes de Jesus tinham poder curador. Não somente a
  mulher com um fluxo de sangue foi curada ao tocá-las (Lc 8.43-46), mas muitas
  outras pessoas doentes (Mt 14.36; Mc 6.56; cf. Lc 6.19). Em pelo menos duas
  ocasiões, Jesus usou saliva para curar cegos (Mc 8.22-26; Jo 9.6-7), e em
  outra, para curar um mudo (Mc 7.33). Aparentemente, a sombra de Pedro, após o
  Pentecostes em Jerusalém, acabava por curar a quem atingisse (At 5.15).  Devemos entender, entretanto, qual o objetivo dessas
  narrativas. Em todas elas, o conceito é sempre o mesmo. Jesus e os apóstolos
  eram tão cheios do poder de Deus que as coisas com as quais tinham contato
  íntimo se tornavam como que em extensões deles, para curar e abençoar as
  pessoas. O objetivo é idêntico: enfatizar a enormidade do poder de Deus em
  suas vidas, e assim, atestar que a mensagem pregada por eles, bem como pelos
  profetas do Antigo Testamento, vinha de Deus. A prova eram os poderes
  miraculosos tão extraordinários que até mesmo vestes, bordões, ossos, saliva,
  sombra e lenços desses homens transmitiam o poder curador de Deus que neles
  havia. É dessa forma que devemos entender o relato de Atos 19 sobre o poder
  curador dos lenços e aventais de Paulo. Evidentemente, essas passagens não servem como prova de
  que, hoje, as igrejas evangélicas podem abençoar objetos e usá-los para
  expelir demônios, proteger seus possuidores contra forças negativas e curar
  moléstias. Notemos as principais diferenças entre o uso destes objetos nos
  relatos bíblicos e o uso que é feito hoje pelas igrejas de libertação. 1. Foram usados como
  símbolos – Em vários casos, o papel de objetos na execução dos milagres
  bíblicos é melhor entendido como tendo sido simbólico. De alguma forma estavam relacionados à natureza do
  milagre: uma serpente de bronze para curar mordeduras de serpentes, um pedaço
  de pau para fazer um machado flutuar, sal e farinha para purificar águas e
  comida (os dois elementos eram usados nos sacrifícios), ossos para trazer
  vida e água do Jordão para "limpar" a lepra. Nas igrejas de
  libertação, muito embora se diga que os objetos funcionam simbolicamente como
  apoio para a fé, acabam sendo aceitos pelos fiéis menos avisados como
  possuindo em si mesmos alguma
  virtude ou poder. 2. A natureza dos milagres
  em que foram empregados – Os objetos fizeram parte de milagres que não
  vemos serem repetidos hoje. A melhor maneira de provar que o uso de objetos
  ungidos hoje opera a mesma liberação do poder divino como nos eventos
  relatados na Bíblia, seria abrir rios, ressuscitar mortos, curar leprosos,
  cegos e aleijados, sanear águas amargas e limpar comidas envenenadas usando
  objetos pessoais dos missionários e obreiros dessas igrejas. Entretanto, os
  "milagres" efetuados pelos objetos ungidos nas igreja de libertação
  nem de perto se assemelham aos prodígios extraordinários narrados nas
  Escrituras. 3. Seu uso
  limitou-se ao momento do milagre – Nenhum dos objetos empregados na
  Bíblia preservaram algum "poder" em si mesmos após o milagre ter
  ocorrido. A serpente de bronze, até onde sabemos, não foi mais usada para
  curar mordidas de serpentes após o incidente no deserto, muito embora os
  judeus supersticiosos passassem a adorá-la como a um deus. É natural supor
  que Eliseu, após usar o manto de Elias para abrir as águas, usou-o
  normalmente como peça do seu vestuário, sem que o mesmo exercesse qualquer
  poder mágico nas coisas em que tocava. O sal, a farinha e o pedaço de pau que
  ele usou para fazer milagres foram tirados da vida normal e retornaram a ela
  após seu uso. Não retiveram qualquer propriedade miraculosa em si mesmos.
  Semelhantemente, os lenços e aventais de Paulo tiveram um uso especial
  somente em Éfeso, e provavelmente somente durante um determinado período, ao
  longo dos três anos que o apóstolo passou ali. Em contraste, as igrejas da
  libertação ungem e abençoam objetos e atribuem a eles efeitos que permanecem
  muito tempo após a cerimônia. É algo bem diferente do uso ocasional feito
  pelos profetas e apóstolos. 4. Os objetos
  estavam ligados à pessoa dos homens de Deus – Alguns dos objetos usados
  eram coisas pessoais dos homens de Deus, como a capa de Elias, o bordão de
  Eliseu, as vestes de Jesus, os lenços e aventais de Paulo e, num certo
  sentido, a sombra de Pedro. Eles só foram empregados por isso. O alvo era mostrar
  o extraordinário poder de Deus sobre tais homens. Quando refletimos no fato
  de que somente coisas pessoais dos profetas, do Senhor Jesus e dos apóstolos
  foram usadas, perguntamo-nos se nossos objetos pessoais teriam o mesmo poder.
  A resposta humilde deve ser "não". Os profetas, o Senhor e os
  apóstolos foram pessoas especiais e pertenceram a uma época especial e única
  dentro da história da revelação. A suspeita de que nossos objetos pessoais
  são impotentes para realizar milagres fica ainda mais fortalecida quando não
  descobrimos nas Escrituras qualquer exemplo de coisas dos crentes comuns
  sendo usadas com esse fim.(4) 5. Nenhum dos
  objetos empregados foi ungido ou abençoado – Essa é uma diferença
  fundamental. Nas igrejas de libertação, os objetos são ungidos, abençoados,
  fluidificados e consagrados através da oração e da imposição de mãos dos
  pastores e obreiros, depois do que, passam supostamente a ter poderes
  especiais. No entanto, em nenhum dos casos mencionados nas Escrituras, os
  objetos empregados nos milagres passaram, antes, por uma cerimônia de
  consagração. A Bíblia desconhece totalmente a "unção" de coisas com
  o fim de serem empregadas em atos miraculosos, para atrair as bênção de Deus,
  ou ainda, para expelir demônios e doenças. É verdade que no Antigo Testamento
  alguns objetos, utensílios e mobília do tabernáculo, e depois, do templo,
  foram ungidos com sangue e óleo. Mas o propósito não era investir essas
  coisas de poderes especiais, e sim separá-las
  do seu uso comum para o uso sagrado nos rituais de sacrifício. Eliseu não
  ungiu nem consagrou, pela oração, o sal, a farinha e o pedaço de árvore que
  usou para operar milagres. Nem Isaías ungiu a pasta de figo para curar a
  úlcera de Ezequias. Nem mesmo a serpente de bronze passou por uma consagração,
  antes de ser erigida diante do povo envenenado pelas serpentes. Os lenços e
  aventais de Paulo não passaram pela imposição de mãos do apóstolo antes de
  serem levados aos doentes e endemoninhados. O que dava "poder"
  àqueles objetos era o fato de que pertenciam, ou foram manipulados, por
  pessoas sobre quem o poder de Deus repousava de forma extraordinária. A conclusão inescapável é que não existe qualquer
  fundamento bíblico para que, hoje, unjamos e abençoemos objetos com o
  propósito de transmitir, através deles, uma medida do poder de Deus. Mais uma
  vez repito: creio que Deus faz milagres hoje. Creio que ele poderia usar o
  que quisesse para fazer isso. Entretanto, creio também que Deus nos revela em
  Sua Palavra os seus caminhos e seus meios de agir, para que não sejamos
  iludidos pelo erro religioso. E se vamos usar as Escrituras como regra da
  nossa prática, bem como critério para discernirmos a verdade do erro,
  acabaremos por rejeitar a idéia de que, pela oração e unção, determinados
  objetos repassam uma bênção de Deus aos seus possuidores. Objetos
  que Trazem Maldição Portanto, caso um cristão venha a ter em sua casa,
  escritório ou local de trabalho, qualquer um desses objetos, estará dando
  ocasião para que os demônios (as verdadeiras entidades espirituais associadas
  com esses objetos) prejudiquem sua vida material e espiritual. A idéia é que
  objetos como ídolos, imagens, esculturas, quadros e fotos se tornam pontos de
  contato para os demônios, que sempre estão procurando materializar-se através
  de alguma coisa e assim atormentar os homens.(5) Admitir tais coisas dentro
  de casa, seria convidar os demônios a entrar e nos atormentar. Nas palavra de
  Jorge Linhares, Não basta que abençoemos
  os nossos bens, nossos pertences. precisamos verificar se não temos permitido
  adentrar em nosso lar objetos que são por natureza amaldiçoados – objetos que
  temos de lançar fora e de preferência, queimar ou destruir.(6) Uma outra coisa que segundo o pensamento da "batalha espiritual"
  permite a entrada de demônios na vida da pessoa é o ingerir comidas
  "trabalhadas" em centros de umbanda. Num capítulo entitulado
  "Como os demônios se apoderam das pessoas", do livro Orixás, Caboclos & Guias, Edir
  Macedo inclui comidas sacrificadas a ídolos como um desses meios. Ele conta o
  caso de um homem que ingeriu uma comida "trabalhada" e foi atacado
  por um espírito maligno que o fazia sofrer do estômago. Ele conclui dizendo,
  "Todas as pessoas que se alimentam dos pratos vendidos pelas famosas
  ‘baianas’ estão sujeitas, mais cedo ou mais tarde a sofrer do
  estômago."(7) Mark Bubeck, que ficou conhecido no Brasil por seu livro O Adversário, escreveu recentemente um
  outro livro sobre como podemos criar nossos filhos em meio aos constantes
  ataques que os demônios fazem ao nosso lar. Ao fim do livro, Bubeck adicionou
  um apêndice, contendo questionários cujas perguntas procuram levar os
  leitores a descobrir as portas pelas quais têm permitido aos demônios
  entrarem no lar e atacar os filhos. Uma das portas é a presença em casa de
  objetos amaldiçoados, como amuletos, fetiches e talismãs, livros sobre
  ocultismo, bruxaria, astrologia, mágica, adivinhação, e utensílios ou objetos
  usados em templos pagãos, rituais de feitiçaria, ou ainda na prática da adivinhação,
  mágica ou espiritismo. A sugestão de Bubeck é que a presença dessas coisas no
  lar permite aos demônios que penetrem na casa e atormentem os filhos.(8) Uso
  de objetos no paganismo Maldições
  trazidas por objetos consagrados a demônios Timothy Warner conta a história de uma estudante crente,
  por natureza uma pessoa bem ativa e enérgica, que começou a ficar mais e mais
  deprimida, tendo dificuldade em dormir e estudar, durante seus estudos de
  francês, em preparação para o trabalho missionário na África. Um missionário
  descobriu, após examinar o dormitório onde ela morava, que o ocupante
  anterior havia escondido no mesmo diversos objetos ocultistas. Warner então
  explica: "alguns dos demônios associados com os objetos haviam se
  apegado ao quarto e à mobília". O missionário orou determinando aos
  demônios que fossem embora, e a moça pode voltar a dormir normalmente.(13) O pressuposto por detrás desse tipo de relato é que esses
  objetos abrem a porta para os demônios, visto que foram consagrados a eles
  nos rituais de magia e ocultismo, e mesmo no catolicismo. O fato de que uma
  pessoa é crente não evitará que seja oprimida pelos espíritos associados a
  objetos deste tipo. Existem algumas dificuldades com esse conceito. No que se segue,
  vamos explicar algumas delas. 1) O conceito da
  habitação de demônios em objetos físicos. Warner conta a história de uma
  família de missionários nas Filipinas cujo filho era assediado por um demônio
  que morava numa árvore do jardim da casa onde moravam.(14) O conceito de
  entidades espirituais morando em árvores remonta à mitologia grega e ao
  paganismo em geral. As Escrituras desconhecem esse conceito e falam dos
  demônios como atuando especificamente em seres vivos, humanos ou animais.
  Entretanto, é comum lermos na literatura do movimento de "batalha
  espiritual" que espíritos malignos podem habitar em coisas como árvores,
  imagens, objetos, casas, etc. Às vezes Apocalipse 18.2 é citado como prova de que
  demônios podem morar em lugares amaldiçoados: Então, exclamou com
  potente voz, dizendo: Caiu! Caiu a grande Babilônia e se tornou morada de
  demônios, covil de toda espécie de espírito imundo e esconderijo de todo
  gênero de ave imunda e detestável. Aqui temos o anúncio da queda de Babilônia feito por um
  anjo de Deus. Notemos, porém, o seguinte, antes de concluirmos que o texto
  prova que demônios moram em ruínas! (1) A passagem é evidentemente alegórica.
  Nos dias de João, Babilônia já não mais existia. (2) João está citando
  Jeremias 50.39 e Isaías 13.21. Esses dois profetas referem-se à queda e
  destruição da cidade de Babilônia que existiu em seus dias. A desolação que
  lhe haveria de sobrevir, como resultado do castigo divino, ia ser tão grande,
  que a grande cidade, outrora populosa e opulenta, iria se tornar em um grande
  montão de ruínas. Com o propósito de enfatizar a desolação, os profetas
  descrevem as ruínas como sendo habitadas por feras e animais do deserto:
  chacais, avestruzes, corujas e hienas. A Septuaginta, ao traduzir o texto
  hebraico de Isaías 13.21, traduziu "bodes" por
  "demônios".(15) O apóstolo João, ao citar essas passagens e
  aplicá-las figuradamente à Babilônia espiritual, o reino das trevas que será
  destruído por Cristo, acrescenta, além dos animais mencionados pelos profetas,
  os demônios e espíritos imundos, seguindo a tradução da Septuaginta (Ap
  18.2). (3) Evidentemente, a passagem não está dizendo que essas entidades
  habitam em ruínas de cidades. Seu sentido óbvio é que Deus entrega a
  humanidade ímpia e endurecida que o rejeita à desolação espiritual e aos
  demônios. (4) Lembremos ainda que o Senhor Jesus ensinou que os espíritos
  imundos não encontram repouso em lugares áridos (Mt 12.43-45). A conclusão é
  que não existe argumentos bíblicos suficientes para provar que espíritos
  imundos moram e habitam em coisas como objetos, casas, árvores, etc. 2) O estabelecimento
  de um pacto com esses demônios pela posse de objetos a eles consagrados.
  Nenhum adepto do movimento de "batalha espiritual" estaria disposto
  a admitir que um incrédulo entra em algum tipo de pacto ou concerto com Deus
  simplesmente por ter uma Bíblia em casa, ou mesmo por ter participado
  inadvertidamente da Ceia do Senhor numa igreja evangélica. Entretanto, está
  pronto a afirmar que cristãos verdadeiros podem ser atacados, amaldiçoados e
  demonizados se tiverem em casa livros sobre ocultismo ou objetos ocultistas,
  para com os quais não tenha nenhuma atitude religiosa. É óbvio que a simples
  posse desses objetos não nos expõe a ataques satânicos da mesma forma que a
  posse de uma Bíblia não expõe um incrédulo às investidas do Espírito Santo, a
  não ser que abra suas páginas e comece a ler, com seu coração aberto e
  desejoso de aprender as coisas de Deus. 3) Uma outra dificuldade é o conceito de que crentes, que
  nem estão conscientes de que esses objetos foram usados em rituais
  ocultistas, possam ser oprimidos pelos demônios associados com esses objetos.
  Não é suficiente escutarmos os relatos e as experiências, como a do
  missionário acima. Como já insistimos em quase cada capítulo desse livro, por
  mais sérias e válidas que sejam, experiências não podem servir como
  autoridade final nessa questões. É preciso examinar as Escrituras, seguindo
  as regras simples de interpretação, que procuram deixar o texto sagrado falar
  livremente. E o que encontramos nelas pode ser resumido nas palavras de
  Balaão, falando pelo Espírito de Deus: "Pois contra Jacó não vale
  encantamento, nem adivinhação contra Israel" (Nm 23.23). Coisas
  amaldiçoadas na Bíblia 1) Passagens que
  condenam o uso de amuletos. É defendido que os pendentes de ouro que as
  mulheres israelitas traziam nas orelhas, ao sair do Egito, e com os quais se
  fez o bezerro de ouro, eram amuletos (Ex 32.2-4), bem como as arrecadas
  (brincos) que Jacó arrancou das orelhas da sua família, junto com os ídolos
  (Gn 35.1-4).(16) O uso de cordões ou cadeias com pendentes é chamado pelo
  profeta Oséias de "adultério entre os peitos" (Os 2.2). A atitude
  das Escrituras em relação a esses objetos é de condenação e rejeição. O
  profeta Isaías, ao condenar a vaidade do vestuário das mulheres israelitas,
  faz referência às luetas que elas traziam em seu pescoço (Is 3.18). Eram
  cordões ou cadeias de ouro com o símbolo da lua crescente, usados para
  proteger contra maus espíritos. Esse era um costume pagão. Eles usavam
  amuletos assim até mesmo no pescoço de camelos (Jz 8.21,26). É preciso notar, entretanto, que condena-se não tanto o
  uso em si desses objetos, mas a atitude
  religiosa que os israelitas tinham para com eles. Eles o usavam
  conscientemente como amuletos protetores, como fetiches mágicos, como se
  fossem encantamentos contra maus espíritos. Foi contra essa prática de magia
  e ocultismo que os profetas falaram. Evidentemente, ter objetos desse tipo em
  casa pode não ser conveniente ao cristãos por vários motivos (veja a
  conclusão desse capítulo). Entretanto, se eles não têm qualquer sentido,
  significado ou relação religiosos, o cristão não se enquadra na condenação
  emitida pelos profetas. 2) Passagens que
  condenam imagens. Existem inúmeras passagens nas Escrituras que condenam
  a idolatria, isso é, o ato de prestar culto à imagens bem como às realidades
  espirituais que elas representam. Um fator que contribui significativamente
  para essa condenação é a relação entre a idolatria e os demônios. Nos tempos
  antigos, mágica, adivinhação, feitiçaria, bruxaria e necromancia (invocação de
  mortos) estavam tão intimamente ligados à idolatria, que era quase impossível
  separar uma coisa da outra. Moisés identifica os deuses pagãos com demônios
  (Dt 32.17; cf. Sl 106:36-37). O mesmo faz Paulo (1 Co 10.19-20) e o apóstolo
  João (Ap 9.20). Acredito que o mesmo é verdade ainda hoje. Por detrás da
  moderna idolatria estão os antigos demônios. Entretanto, mais uma vez é preciso observar que as
  Escrituras condenam propriamente o confeccionar e possuir imagens de
  entidades pagãs com propósito religioso: Não terás outros deuses
  diante de mim. Não farás para ti imagem
  de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem
  embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR,
  teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à
  terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até
  mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Ex 20.3-6). Os puritanos entenderam esse mandamento como determinando
  que nos livrássemos, se possível, de todos os monumentos à idolatria, e
  proibindo o culto a imagens representativas de Deus ou de falsos deuses e o
  possuir supersticiosamente artigos ou objetos.(17) A preocupação sempre é
  contra a idolatria em si. O
  mandamento contra a idolatria não dever ser entendido como proibindo
  esculturas, representações, quadros e outros objetos artísticos em geral. O
  fato de que o culto a Deus deve ser em Espírito (Jo 4.24) não quer dizer, nem
  mesmo, que Deus proíba a confecção de objetos representativos de realidades
  espirituais. Ele próprio determinou que os israelitas fizessem imagens de
  ouro de querubins, que deveriam ser colocadas sobre a tampa da arca, o
  propiciatório (Ex 25.18-20). Noutra ocasião, mandou que Moisés fizesse uma
  serpente de bronze (Nm 21.8-9). Ela foi mais tarde destruída somente por que
  os israelitas passaram a adorá-la, provavelmente como uma relíquia provinda
  dos tempos de Moisés (2 Re 18.4). O motivo pelo qual o Senhor determinou que
  os israelitas destruíssem totalmente as imagens dos deuses cananitas, ao se
  apossarem da terra, foram evitar que os israelitas fossem atraídos à
  idolatria (Dt 7.1-5) e evitar a cobiça para com o ouro e a prata que
  revestiam essas imagens. Por esses motivos, não deveriam meter esses ídolos
  dentro de suas casas, pois eram
  amaldiçoados por Deus e representariam uma tentação para praticarem a
  idolatria (Dt 7.25-26). Mais uma vez percebemos que é o perigo da idolatria
  que o Senhor queria prevenir. As imagens em si mesmo nada eram. Preciso reiterar minha convicção de que os cristãos
  deveriam evitar possuir qualquer objeto relacionado com a idolatria e
  práticas ocultas. Entretanto, acredito que isso deve ser feito pelas razões
  corretas e não por mera superstição e crendice. Atos
  19 e a quebra de maldições de objetos Muitos dos que creram
  vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras. Também
  muitos dos que haviam praticado artes mágicas, reunindo os seus livros, os
  queimaram diante de todos. Calculados os seus preços, achou-se que montavam a
  cinqüenta mil denários. As "artes mágicas" no mundo antigo incluíam a
  adivinhação, o exorcismo, o uso de fórmulas secretas, a conjuração e a
  invocação dos mortos, pactos com entidades espirituais, encantamentos e
  rituais com o objetivo de ganhar o favor dos espíritos. Essas coisas eram
  usadas tanto para atingir e ferir inimigos quanto para curar doentes. Elas
  são bastante populares ainda hoje. Havia muitos magos e bruxos no mundo do século I, na época
  de Jesus e dos apóstolos. Um exemplo é Simão Mago, que iludia o povo de
  Samaria com artes mágicas (At 9.9). A cidade de Éfeso, por sua vez, era um
  conhecido centro dessas artes. Ali, no início do reinado de Nero, um homem
  chamado Apolônio Tianeo abriu uma escola e ensinava artes mágicas e coisas do
  gênero. Taciano, em sua obra Contra
  Graecos, menciona que a deusa
  Diana dos efésios era considerada como sendo praticante de magia.  Lemos em Atos 19 que os ex-adeptos da magia em Éfeso que
  haviam se convertido ao cristianismo pela pregação de Paulo, queimaram seus
  livros publicamente. Esses "livros" eram obras onde se ensinava a
  prática dessas artes. Continham encantamentos, símbolos secretos e mágicos,
  passos para a invocação de mortos e métodos para esconjurar demônios.
  Provavelmente continham tabelas e fórmulas essenciais para a prática da
  astrologia. Os "Papiros Mágicos", encontrados no Egito na década de
  50 desse século, continham pedaços de pergaminhos com símbolos e fórmulas
  mágicas chamados "cartas de Éfeso", que eram usados como amuletos
  ou talismãs.(18) É alegado por alguns da "batalha espiritual" que
  a queima dos livros de magia em Éfeso foi necessária pois a posse de tais
  livros continuaria a dar validade aos pactos feitos pelos efésios com
  entidades malignas e a dar autoridade a essas entidades sobre suas vidas,
  mesmo que eles agora se tornaram cristãos. Queimar os livros fazia parte da
  quebra das maldições que pesavam sobre eles por terem praticado artes mágicas
  antes da sua conversão. Na cerimônia da queima dos livros, eles renunciaram
  publicamente a todos esses compromissos e pactos que fizeram com os espíritos
  malignos. Evidentemente, a queima dos livros de magia representou o
  rompimento oficial e público dos efésios crentes com seu passado de
  ocultismo. Entretanto, nada há no texto que apoie a idéia de que o evento foi
  uma espécie de cerimônia de quebra de maldições. A queima dos livros foi o
  resultado da consciência que os efésios agora tinham de que tais artes
  mágicas era iniquidade diante de Deus, e que os livros que ensinavam essa
  coisas eram perniciosos à humanidade e que, por mais caros que fossem (cerca
  de cinqüenta mil moedas de prata), deveriam ser destruídos para não causar
  mais danos a outros. O verso 19 que narra a queima dos livros deve ser
  entendido à luz do verso 18, onde se diz que os efésios vieram confessar seus
  pecados e revelar as suas obras más. A queima dos livros foi uma amostra de
  seu genuíno arrependimento. Comentando nessa passagem, John Gill, um estudioso
  puritano, diz o seguinte:  Eles queimaram seus
  antigos livros de mágica para mostrar o quanto agora os detestavam. Também,
  para mostrar a genuinidade de seu arrependimento pelos pecados cometidos
  nessa área, para evitar que esses livros não se tornassem uma armadilha para
  eles no futuro e para que não fossem usados por outros.(19) Os livros, portanto, não foram queimados porque possuíam
  qualquer poder maléfico intrínseco em si mesmos. Os motivos mencionados por
  Gill para a queima estão em harmonia com o ensino das Escrituras em geral,
  com o bom senso e com o que tem sido a prática normal da Igreja na história,
  além de ser a interpretação mais natural e óbvia da passagem.(20)  Existe ainda um outro motivo para a queima dos livros. Uma
  parte essencial da prática de artes mágicas daquela época era o exorcismo, a expulsão de espíritos
  malignos. Acreditava-se (como também se acredita hoje em alguns círculos
  protestantes) que todas as doenças – particularmente as mentais – eram
  causadas por espíritos maus que entravam nos homens. Grande parte do trabalho
  dos exorcistas era tentar curar essas doenças pela expulsão dos espíritos
  maus que as infligiam. Nos seus livros mágicos haviam fórmulas especiais para
  esconjurar esses espíritos.  Quando Paulo chegou em Éfeso, duas coisas aconteceram que
  vieram contribuir para a queima dos livros: (1) Ele curou as enfermidades e
  expulsou demônios usando apenas o nome de Jesus (At 19.11-12), em contraste
  com os rituais elaborados e complicados dos exorcistas da época, como se
  encontravam nos livros; (2) quando alguns exorcistas tentaram usar o nome de
  Jesus e de Paulo para expelir um demônio de um homem, fracassaram
  redondamente. O próprio demônio atestou a autoridade que havia no nome de
  Jesus (At 19.13-16).(21) É possível que alguns dos efésios que haviam se
  convertido ainda mantinham algum tipo de contato com artes mágicas. O
  episódio dos exorcistas acabou por convencê-los. Ficou evidente a todos que a
  mágica ensinada nos livros não passava de fórmulas vazias e inúteis. Como
  escreve Marshall,  A demonstração da
  futilidade das tentativas pagãs de dominarem os espíritos maus levou muitos
  dos convertidos efésios de Paulo a reconhecerem que a magia pagã, com a qual
  ainda tinham contatos, era tão inútil quanto pecaminosa. Como conseqüência,
  trouxeram os vários manuais de magia e as compilações de invocações e
  fórmulas que ainda tinham, e fizeram com eles um rompimento final.(22) O verdadeiro poder contra Satanás estava apenas no nome de
  Jesus. A queima dos livros, portanto, foi um testemunho do poder inigualável
  de Jesus Cristo sobre as obras das trevas. Somente ele era o Senhor. Quanto a
  isso, os efésios cristãos não tinham mais qualquer dúvida. O
  ensino de Paulo sobre coisas sacrificadas a demônios Modernamente, podemos nos referir ao caso das comidas
  "trabalhadas" nos terreiros de umbanda. De acordo com as crenças do
  candomblé, umbanda e quimbanda, os orixás exigem comidas variadas, que devem
  ser preparadas de acordo com rituais apropriados. Por exemplo, Exú gosta de
  cebola e mel entregues no mato com velas acesas e aguardente. Ogum gosta de
  feijoada, xinxim, acarajé e milho branco. Oxóssi, de peixe de escamas, arroz,
  feijão e dendê.(23) Essas comidas são feitas de acordo com as indicações dos
  demônios e a eles oferecidas. Para muitos cristãos, é uma questão aguda se
  algum mal vai lhes ocorrer se acabarem por ingerir uma comida que foi "trabalhada".
  Os coríntios estavam perturbados por um problema similar. Eles escreveram uma
  carta a Paulo com várias perguntas, entre elas, se era lícito comer carne de
  animais que haviam sido consagrados aos deuses pagãos.(24) Os coríntios
  tinham em mente três situações: 1. Era lícito participar de um festival religioso num templo pagão e comer a carne dos
  animais sacrificados aos deuses? Na antigüidade, o sacrifício de animais aos
  deuses fazia parte da vida pessoal, familiar e social. O sacrifício ocorria
  nos templos e a carne do animal sacrificado era dividida em três partes. Uma
  parte, geralmente simbólica (podendo ser até uma mecha dos pelos!), era
  queimada no altar em homenagem aos deuses. A segunda parte, incluindo
  costelas e músculos, ia para o sacerdote. A terceira parte ficava com o
  ofertante, e com ela, oferecia um banquete, geralmente em casamentos. Muitas
  vezes, essas festas ocorriam no templo, no qual o sacrifício fora feito.(25)
  Os crentes de Corinto certamente mantinham relacionamentos com amigos não-crentes,
  e sempre havia a possibilidade de serem convidados a participar de uma destas
  festas no templo, onde havia muita carne e bebida. Alguns daqueles cristãos
  não tinham quaisquer escrúpulos de consciência em participar e comer carne
  dos ídolos no templo dos ídolos, uma atitude que estava provocando os de
  consciência mais fraca. 2. Era lícito comer carne
  comprada no mercado público? A carne ali comprada poderia ser de animais
  sacrificados aos deuses, cujo excedente dos altares havia sido repassado pelos
  sacerdotes aos açougueiros da cidade. Devido à enorme quantidade de animais
  sacrificados, uma parte deles acabava no mercado público, onde eram vendidos
  como carne boa e barata. 3. Era lícito comer carne na casa de um amigo idólatra? Como na situação anterior, um
  crente poderia ser convidado por um amigo pagão para comer um churrasco em
  sua casa. A carne provavelmente seria de um animal que o amigo havia primeiro
  consagrado ao seu deus, lá no templo. Um papiro grego muito antigo contém um
  convite para uma dessas festas, nos seguintes termos: "Antônio, filho de
  Ptolomeu, convida-o para cear com ele à mesa de nosso senhor
  Serápis."(26) Quem quer que tenha sido o convidado, ele sabia que ao
  sentar-se à mesa de Antônio, estaria comendo carne de um animal que havia
  sido sacrificado ao deus Serápis.  A questão aguda era se um crente poderia comer carne em
  Corinto, correndo assim o risco de contaminar-se. William Barclay, um autor
  bastante conhecido e citado, sugere que o problema era a crença, muito
  difundida na antigüidade, de que os demônios estavam sempre procurando uma
  brecha para entrar nos homens, para destruir seus corpos e mentes. Uma das
  maneiras pela qual faziam isso era através da comida. Tais espíritos se
  alojavam na comida e quando a pessoa a engolia, os demônios entravam nela.
  Por esse motivo, diz Barclay, as pessoas consagravam os alimentos –
  especialmente a carne – a algum deus bom. Acreditava-se que a presença de um
  deus bom na carne formava uma barreira contra os maus espíritos.(27)  O assunto dos sacrifícios de animais aos deuses é bem
  complexo, e não poucos estudiosos discordariam de Barclay. Essa não parece
  ser a razão primordial pela qual os pagãos consagravam comida aos seus
  deuses. Sacrifícios eram praticados nas religiões de quase todas culturas
  antigas, e no geral, visavam honrar uma divindade, apaziguá-la ou santificar
  a oferta. Em algumas destas culturas, os sacrifícios estavam relacionados com
  o culto aos ancestrais, alimentar os deuses e mesmo "comer os
  deuses".(28) Paulo, ao discutir o assunto, em momento algum sugere que
  haveria o risco de demônios penetrarem mesmo naqueles que comessem a carne
  consagrada aos demônios nos próprios templos dos deuses pagãos. A questão que
  incomodava os coríntios não era se estariam comendo demônios, mas se não
  estariam participando direta ou indiretamente do culto ao ídolo. Note ainda
  que quem introduz o conceito de que os demônios estão por detrás da idolatria
  é Paulo. Provavelmente os coríntios nem estavam pensando nesses termos. A
  explicação de Barclay, portanto, é menos do que convincente.(29) Os crentes de Corinto estavam divididos quanto ao assunto.
  Um grupo deles estava passando por grande aflição. Eram ex-freqüentadores dos
  templos, recém convertidos ao Evangelho. Por vezes, acabavam caindo no velho
  costume de comer carne, encorajados pelo exemplo dos que achavam que não
  havia nada de errado com isso. Como resultado, suas consciências os acusavam:
  eles haviam acabado de consumir carne espiritualmente contaminada, consagrada
  aos demônios em um templo pagão. Paulo, no tratamento que faz do assunto,
  considera-os como "fracos", pois suas consciências eram
  "fracas" (1 Co 8.7,9-12). O grupo contrário, a quem Paulo chama de
  "dotados de saber" (1 Co 8.10), tinha já plena consciência de que
  os ídolos dos templos pagãos nada eram nesse mundo, e que os animais a eles
  ofertados, na verdade, continuavam a ser de Deus, o criador e Senhor de todas
  as coisas. Assim, sentiam-se livres para comer carne, até mesmo nos festivais
  pagãos nos templos. Os "fracos", estimulados por esse exemplo,
  tentavam usar da mesma liberdade, mas com resultados desastrosos – suas
  consciências não eram fortes o suficiente para permitir que comessem carne
  livremente.  O problema parece que girava em torno de duas questões.
  Primeira, a relação entre os animais e os deuses, diante de cujas imagens os
  animais eram consagrados, oferecidos e sacrificados. A carne desses animais
  continuava a "pertencer" aos deuses após o ritual no templo, quando
  estava pendurada no açougue público para ser vendida? Quem comesse dessa
  carne estaria, mesmo de forma inconsciente, fazendo um pacto com os deuses?
  Segunda, comer essa carne não implicaria numa espécie de participação à
  distância dos crentes na adoração pagã e no culto aos deuses? Não deveríamos
  evitar a todo custo aquilo que tem relação com os cultos idólatras? As respostas de Paulo são surpreendentes. O apóstolo
  concorda com os "fortes" quanto ao conhecimento de que Deus é o
  Senhor de tudo e que não há outros deuses ou senhores (1 Co 8.4-6). Mas
  condena a falta de amor dos "fortes" para com os "fracos"
  (1 Co 8.9-13). Deveriam limitar sua liberdade pela consideração à consciência
  dos outros. Após dar o exemplo de como abriu mão dos seus direitos como
  apóstolo de receber sustento por amor do Evangelho (1 Coríntios 9), e após
  alertar os "fortes" contra a arrogância, usando o exemplo de Israel
  no deserto (1 Co 10.1-15), Paulo responde às três principais indagações dos
  Coríntios já mencionadas acima. O fato de que Paulo não invoca aqui a decisão do concílio
  de Jerusalém (Atos 15) para resolver o assunto de vez tem intrigado os
  estudiosos. Conforme lemos no livro de Atos, o concílio havia se reunido para
  tratar das condições sob as quais os não-judeus poderiam ser salvos e
  recebidos na Igreja. A polêmica havia sido causada por alguns judeus cristãos
  da Judéia que foram até as igrejas gentílicas forçar os gentios a se
  circuncidarem, e a guardar as leis de Moisés (naquela época, as mais
  importantes eram as leis dietárias e o calendário religioso). Paulo e Barnabé
  resistiram e houve uma grande discussão. O assunto foi levado aos apóstolos e
  presbíteros em Jerusalém. Alguns fariseus que haviam crido em Cristo
  insistiam na circuncisão e nas leis de Moisés para os gentios, mas Paulo,
  Pedro e Tiago, através de seus testemunhos e do apelo às Escrituras,
  convenceram o concílio de que os gentios eram salvos pela fé sem as obras da
  lei (como também os judeus o eram), e que não precisavam se tornar judeus
  para poder pertencer à Igreja de Cristo. O concílio, entretanto, em sua decisão,
  resolveu incluir algumas condições éticas, entre elas, a de os gentios se
  absterem das coisas sacrificadas aos ídolos (At 15.29). O concílio havia acontecido uns poucos antes de Paulo
  escrever 1 Coríntios. O apóstolo estava perfeitamente consciente do conteúdo
  da sua decisão. A pergunta é, por que não invocou aquela decisão para acabar
  de vez com o problema em Corinto? Algumas respostas tem sido dadas. Peter
  Wagner, por exemplo, sugere que Paulo não havia ficado satisfeito com essa
  decisão, considerando-a inadequada e superficial. Para Wagner, a decisão do
  concílio havia sido equivocada por tratar o comer carne sacrificada aos
  ídolos como algo imoral, quando na
  verdade era algo neutro.(30)
  Entretanto, a melhor solução tem sido observar que as condições éticas
  requeridas pelo concílio eram para ser observadas num ambiente onde houvesse
  judeus e gentios. Eram regras a ser seguidas pelos gentios cristãos numa
  igreja onde houvesse judeus cristãos. Elas não eram uma lei moral geral e
  válida em todas as circunstâncias, mas uma orientação para quando a
  abstinência se fizesse necessária para preservar a unidade, conforme sugere
  Calvino em seu comentário em Atos 15. A situação de Corinto era diferente. O problema lá não era
  o mesmo tratado no concílio de Jerusalém. O problema não era os escrúpulos de
  judeus cristãos ofendidos pela atitude liberal de crentes gentios quanto à
  comida oferecida aos ídolos. Portanto, a solução de Jerusalém não servia para
  Corinto. É provavelmente por esse motivo que o apóstolo não invoca o decreto
  de Jerusalém.(31) Antes, procura responder às questões que preocupavam os
  coríntios de acordo com o princípio fundamental de que só há um Deus vivo e
  verdadeiro, o qual fez todas as coisas; que o ídolo nada é nesse mundo; e que
  fora do ambiente do culto pagão, somos livres para comer até mesmo coisas que
  ali foram sacrificadas. 1. A primeira pergunta dos coríntios havia sido: era lícito participar de um festival
  religioso num templo pagão e ali
  comer a carne dos animais sacrificados aos deuses? Não, responde Paulo.
  Isso significaria participar diretamente no culto aos demônios onde o animal
  foi sacrificado (1 Co 10.16-24). Paulo havia dito que os deuses dos pagãos
  eram imaginários (1 Co 10.19). Por outro lado, ele afirma que aquilo que é
  sacrificado nos altares pagãos é oferecido, na verdade, aos demônios e não a
  Deus (10.20). Paulo não está dizendo que os gentios conscientemente ofereciam
  seus sacrifícios aos demônios. Obviamente, eles pensavam que estavam servindo
  aos deuses, e nunca a espíritos malignos e impuros. Entretanto, ao fim das
  contas, seu culto era culto aos demônios. (32) Paulo está aqui
  refletindo o ensino bíblico do Antigo Testamento quanto ao culto dos gentios: Sacrifícios ofereceram
  aos demônios, não a Deus... (Dt 32.17). O princípio fundamental é que o homem não regenerado, ao
  quebrar as leis de Deus, mesmo não tendo a intenção de servir a Satanás,
  acaba obedecendo ao adversário de Deus e fazendo sua vontade. Satanás é o
  príncipe desse mundo. Portanto, cada pecado é um tributo em sua honra. Ao
  recusar-se a adorar ao único Deus verdadeiro (cf. Rm 1.18-25), o homem acaba
  por curvar-se diante de Satanás e de seus anjos.(33) Para Paulo, participar
  nos festivais pagãos acabava por ser um culto aos demônios. Por esse motivo,
  responde que um cristão não deveria comer carne no templo do ídolo. Isso
  eqüivaleria a participar da mesa dos demônios, o que provocaria ciúmes e zelo
  da parte de Deus (1 Co 10.21-22). Paulo deseja deixar claro para os coríntios
  "fortes", que não tinham qualquer intenção de manter comunhão com
  os demônios, que era a atitude deles em participar nos festivais do templo
  que contava ao final. Era a força do ato em si que acabaria por estabelecer
  comunhão com os demônios.(34) 2. Era lícito comer carne
  comprada no mercado público? Sim, responde Paulo. Compre e coma, sem nada
  perguntar (1 Co 10.25). A carne já não está no ambiente de culto pagão. Não
  mantém nenhuma relação especial com os demônios, depois que saiu de lá. Está
  "limpa" e pode ser consumida. 3. Era lícito comer carne na casa de um amigo idólatra? Sim e não, responde Paulo. Sim, caso não haja, entre os
  convidados, algum crente "fraco" que alerte sobre a procedência da
  carne (1 Co 10.27). Não, quando
  isso ocorrer (1 Co 10.28-30). O ponto que desejo destacar é que para o apóstolo Paulo a
  carne que havia sido sacrificada aos demônios no templo pagão perdia a
  "contaminação espiritual" depois que saia do ambiente de culto. Era
  carne, como qualquer outra. É verdade que ele condenou a atitude dos
  "fortes" que estavam comendo, no próprio templo, a carne
  sacrificada aos demônios. Mas isso foi porque comer a carne ali era parte do
  culto prestado aos demônios, assim como comer o pão e beber o vinho na Ceia é
  parte de nosso culto a Deus. Uma vez encerrado o culto, o pão é pão e o vinho
  é vinho. Aliás, continuaram a ser pão e vinho, antes, durante e depois. A
  mesma coisa ocorre com as carnes de animais oferecidas aos ídolos. E o que é
  verdade acerca da carne, é também verdade acerca de fetiches, roupas,
  amuletos, estátuas e objetos consagrados aos deuses pagãos. Como disse
  Calvino, Alguma dúvida pode surgir
  se as criaturas de Deus se tornam impuras ao serem usadas pelos incrédulos em
  sacrifícios. Paulo nega tal conceito, porque o senhorio e possessão de toda
  terra permanecem nas mãos de Deus. Mas, pelo seu poder, o Senhor sustenta as
  coisas que tem em suas mãos, e, por causa disto, ele as santifica. Por isso,
  tudo que os filhos de Deus usam é limpo, visto que o tomam das mãos de Deus,
  e de nenhuma outra fonte.(35) CONCLUSÃO Devemos sempre nos lembrar da diferença fundamental entre
  o conceito pagão e o conceito cristão quanto ao emprego de "coisas"
  com sentido religioso. As religiões empregam objetos e utensílios em seus
  cultos ou práticas como símbolos de realidades espirituais ou portadores de
  poderes mágicos. O culto cristão, em contraste, é bem mais simples. Ele
  emprega apenas dois símbolos materiais, a água do batismo e os elementos da
  Ceia (pão e vinho). A atitude do paganismo para com esses objetos é também
  diferente da atitude dos evangélicos para com seus símbolos (batismo e Ceia).
  Enquanto que para os evangélicos a água, o pão e o vinho são símbolos que têm
  seu valor e sua função apenas no momento da ministração dos sacramentos, na
  prática da magia, no ocultismo, nas religiões afro-brasileiras e no
  catolicismo popular, os objetos cúlticos continuam a manter uma relação vital
  para com as entidades e realidades espirituais aos quais estão associados,
  mesmo após a sua consagração durante os rituais. Por exemplo, uma rosa que
  foi ungida continua a emanar forças positivas mesmo após o ritual de
  consagração. Um amuleto que foi "carregado" de fluidos positivos
  continuará a emaná-los ad infinitum.
  Uma comida que foi "trabalhada" por uma mãe de santo num terreiro
  de umbanda vai afetar quem a comer, fora do terreiro. Para os evangélicos, em
  contraste, uma vez encerrada a Ceia, o pão é pão comum e o vinho, vinho
  comum. Na verdade, eles permaneceram sendo vinho e pão comuns durante a
  celebração da Ceia. Aquele uso especial para o qual foram separados, cessa
  após a celebração. Nenhum pastor pode, fora do momento da celebração
  (suponhamos, durante o jantar em casa de amigos), tomar pão e declarar:
  "Disse Jesus, isso é o meu corpo, comei deles todos". Água, pão e
  vinho perdem sua simbologia fora do culto. Para o paganismo, entretanto, a
  profunda relação entre objetos cúlticos e as realidades e entidades
  espirituais associadas a eles é permanente. Portanto, os evangélicos que conhecem a sua Bíblia não são
  superticiosos quanto a objetos oriundos de outras religiões. Entretanto,
  acredito que devemos ter bastante cautela quanto a objetos assim. Eu mesmo
  não guardo em casa ou no ambiente de trabalho nenhuma dessas coisas. Não que
  tenha receio que elas poderão dar aos demônios, a quem foram oferecidas,
  algum tipo de poder sobre mim e minha família. Estou seguro e protegido no
  poder do meu Salvador Jesus Cristo. Mas, pelas seguintes razões, que ofereço
  como orientação geral quanto ao uso desses objetos:  1) Devemos evitar ter e exibir esses objetos quando os
  mesmos forem uma tentação real para a idolatria ou ocultismo. Novos
  convertidos egressos da idolatria e cultos afro-brasileiros poderão ser
  tentados a retornar às práticas antigas, estimulados pelos símbolos do seu
  passado religioso. Devemos evitar toda e qualquer possibilidade de sermos
  tentados nessa área, bem, como evitar sermos causa de tropeço para outros.
  Foi isso que o apóstolo Paulo recomendou aos "fortes" de Corinto (1
  Co 10.31-33). 2) Devemos evitar esses objetos se os mesmos evocam
  lembranças do nosso passado. Muitos de nós gostariam de esquecer períodos e
  eventos acontecidos nos tempos de ignorância. Deus nos deu a bênção do
  esquecimento. Livremo-nos, pois, de tudo que mantém vivas lembranças assim. 3) Devemos evitar esses objetos se os mesmos servirem de
  estímulo a outros a que façam o mesmo, sem que estejam firmes em suas
  consciências de que tais objetos, em si, nenhum mal trazem. | 
 
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