O
que a Bíblia diz sobre cair no Espírito?
Embora
fervoroso pentecostal, Gunnar Vingren (missionário sueco, um dos fundadores da
Assembléia de Deus) não se deixou embair pelo emocionalismo nem pelas
aparências. Ele sabia que nem tudo o que é místico é espiritual; pode brilhar,
mas não e avivamento. O misticismo manifesta-se também em rebeldias e mentiras.
Haja vista as seitas proféticas e messiânicas.
Teve o nosso pioneiro, como precavido condutor de ovelhas, suficiente
discernimento para não aceitar aquele arremedo de pentecostes. Fosse um desses
teólogos que colocam a experiência acima da Bíblia Sagrada, o pentecostalismo
autêntico jamais teria saído do nascedouro.
Entre as manifestações presenciadas por Gunnar Vingren, achava-se o "cair
no poder" que, já naquela época, era conhecido também como
"arrebatamento de espírito". À primeira vista, impressionava; fazia
espécie. Não resistia, contudo, ao mínimo confronto com as Escrituras, e nada
tinha que ver com as experiências semelhantes que se acham nas páginas da
Bíblia.
Irreverente e apócrifo, esse misticismo não se limitou à geração de Vingren.
Continua a assaltar a Igreja de Cristo com demonstrações cada vez mais
peregrinas e contraditórias. O seu alvo? Levar a confusão ao povo de Deus. No
combate a tais coisas, haveremos de ser enérgicos, sábios e convincentes, mas
sempre equilibrados. Através da Bíblia, temos a obrigação de mostrar a pureza e
a essência de nossa crença, e a "batalhar pela fé que uma vez foi dada aos
santos" (Jd 3).
Neste artigo, detenhamo-nos ao fenômeno do "cair no "Espírito",
como vem sendo caracterizado, começou a ganhar notoriedade a partir de 1994.
Neste ano, a Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá,
passou a ser visitada por milhares de crentes, todos à procura de uma bênção
especial. Ao contrário das demais igrejas pentecostais, que buscam preservar a
ortodoxia doutrinária, a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, granjeou
surpreendente notoriedade em virtude das manifestações que ocorriam em seu
cultos.
Dizendo-se cheios do Espírito, os freqüentares dessa igreja começaram a
manifestar-se de maneira estranha e até exótica. Em dado momento, todos
punham-se a rir de maneira incontrolável; alguns chegavam a rolar pelo chão.
Justificando essa bizarra, alegavam tratar-se de santa gargalhada. Ou
gargalhada santa? Outros iam mais longe: não se limitavam ao estrepitoso dos
risos; saíam urrando como se fossem leões; balindo, como carneiros, ou gritando,
como guerreiros, e ainda outros "caíam no Espírito".
À primeira vista, tais manifestações impressionam. Impressionam, apesar de não
contarem com necessário respaldo bíblico. Entretanto, não devemos nos deixar
arrastar pelas aparências, nem pelo exotismo desses "fenômenos".
Temos de nos posicionar segundo a Bíblia que, não obstante os modismos e ondas,
continuam a ser a nossa única regra de fé e conduta.
O cair no Espírito na Bíblia
Nas Sagradas Escrituras, o cair no Espírito não chega a ser um fenômeno: é mais
uma reação reverente diante do sobrenatural. Registram-se apenas, tanto no
Antigo quanto no Novo Testamento, 11 casos de pessoas que caíram prostradas,
com o rosto em terra, em sinal de adoração a Deus: são episódios isolados. Não
têm foro de doutrina, nem argumentos para alicerçar um costume nem para
reivindicar uma liturgia; não podem sacramentar alguma prática. Afinal, reação
é reação; apesar de semelhantes. Diferem entre si. Como hão de fundamentar
dogmas de fé?
Verificamos, pois, em que circunstâncias deram-se os diversos casos de cair por
terra nos relatos bíblicos.
A força de uma visão nitidamente celestial
As visões, na Bíblia, tinham uma força impressionante: agitavam, enfraqueciam e
até deixavam por terra homens santos de Deus. Que o diga Daniel. Já encerrado o
seu livro, o profeta registra esta formidável experiência: "Fiquei pois eu
só a contemplar a grande visão, e não ficou força em mim; desfigurou-se a
feição do meu rosto, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras;
e, ouvindo o som das suas palavras, eu caí num profundo sono, com o rosto em
terra." Dn 10:8-9
Em sua primeira visão, Ezequiel também se assusta com o que vê. Ele se apavora:
"...Este era o aspecto da semelhança da glória do Senhor; e, vendo isso,
caí com o rosto em terra, e ouvi uma voz de quem falava." Ez 1:28. Sem
liturgia, ou intervenção humana, o profeta prostra-se todo, e quem não haveria
de prosternar? Mesmo o mais forte dos homens, não se agüentaria diante de
tamanho poder e glória. Recurvar-se-ia; lançar-se-ia com o rosto em terra.
Mais, encontraremos Ezequiel outro caso de prostração: "Então me levantei,
e saí ao vale; e eis que a glória do Senhor estava ali, como a glória que vi
junto ao rio Quebar; e caí com o rosto em terra." Ez 3:23. Quem não cairia
ante as singularidades da glória de Deus? Quem a resistiria?
Já no final de seus arcanos, Ezequiel vê-se constrangido a comportar-se de
igual maneira: "E a aparência da visão que tive era como a da visão que eu
tivera quando ele veio destruir a cidade; eram as visões como a que tive junto
ao rio Quebar; e caí com o rosto em terra." Ez 43:3.
Nesses casos, as visões divinas foram tão fortes que levaram tanto Ezequiel
como Daniel a caírem por terra. Noutras ocasiões, porém, a ocorrência de visões,
igualmente poderosas, não provocou alguma prostração. Haja vista o caso de
Isaías. Embora se mostrasse aterrorizado e compungido com a visão do trono
divino, não se menciona ter o profeta caído por terra. Isto significa que as
experiências, embora semelhantes, possuem suas particularidades e
idiossincrasias, isto é, cada experiência, ou encontro com Deus, é única. Seria
tolice pretender repeti-las para que a sua repetição adquirisse foros de
doutrina.
Como os legítimos representantes de Deus portaram-se quando alguém caía por
terra?
Ao contrário dos que hoje portam-se como deuses diante de virtuais casos de
prostração, os apóstolos de Cristo jamais aceitaram tal deferência. Em todas as
instâncias, procuravam sempre glorificar o nome do Senhor. Em casos
semelhantes, até mesmo anjos agiram com reconhecida e santa modéstia.
Tendo Pedro chegado à casa de Cornélio, a primeira reação deste foi cair de
joelhos do apóstolo: "Mas Pedro o levantou, dizendo: Levanta-te, que
também sou homem." At 10:25-26. O que fariam os astros do evangelismo nos
dias atuais? Humilhar-se-iam como apóstolo? Ou usariam o evento para
incrementar o seu marketing pessoal? Nem mesmo um poderoso anjo se aproveitou
da ocasião para atrair a si as glórias devidas somente a Deus. O relato é de
João: "...prostrei-me aos pés do anjo que mas mostrava, para o adorar. Mas
ele me disse: Olha, não faças tal; porque eu sou conservo teu e de teus irmãos,
os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus." Ap.
22:8-9.
O anjo bem sabia que o apóstolo prostrara-se aos seus pés por uma circunstância
bastante especifica: não há ser humano que não extasie diante do sobrenatural.
A aparição de um ente celestial sempre perturbou os pobres mortais. Nos dias
dos juízes, acreditava-se que a visão de um anjo significava morte certa. Por
isso, a primeira reação de uma pessoa ao ver um anjo era curvar-se diante do
ser angelical. Quem poderia resistir a tanta glória?
Os anjos, porém, recusavam tal deferência. Houve ocasiões em que o anjo do Senhor
aceitou elevadas honrarias. Como conciliar tais questões? No A.T., sempre que
isso ocorria, era devido à presença de um ser especial, que alguns teólogos não
vacilam em apontar como a pré-encarnação de Cristo. De uma forma ou de outra,
os anjos eram santos suficientemente para agir com modéstia e humildade,
tributando a Deus todo o poder e toda a glória.
Que esta também seja a nossa postura! Quando, por alguma circunstância, alguém
cair a nossos pés, levantemo-o para que tribute a Deus, e somente a Deus, toda
a honra e toda a glória, e jamais, sob hipótese alguma, induzamos alguém a
prostra-se com o rosto em terra, pois isto contraria a ética e a postura que
homem de Deus deve ter.
O impacto de um encontro com Deus
Além das visões, certos encontros com Deus, tanto no Antigo como no Novo
Testamento, levaram à prostração. Mencione-se, por exemplo, o que aconteceu a
Saulo no caminho de Damasco. O encontro com Jesus foi tão formidável, que
forçou o implacável perseguidor a cair por terra, e a reconhecer a autoridade e
a soberania do Filho de Deus: "e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe
dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?" Atos 9:4.
Como nos casos anteriores, nada havia sido programado. Saulo foi levado a
recurvar-se, em virtude da sublimidade do Senhor Jesus.
Noutras
ocasiões, porém, os encontros com Deus deram-se de maneira suave. A entrevista
de Natanael com Jesus é um exemplo bastante típico dessa suavidade tão santa.
Quer dizer também do encontro de Gideão com o anjo do Senhor? Ou do encontro de
Jeremias com Jeová? Este encontro veio na medida certa; veio de acordo com o
caráter suave e melancólico do profeta. Tivesse, porém, Jeremias o temperamento
colérico de Paulo, certamente o Senhor teria agido com impacto, para que o vaso
fosse quebrado e moldado conforme sua vontade. Como se vê, as experiências
variam de acordo com as circunstâncias e a personalidade das pessoas envolvidas
no plano de Deus.
A autoridade do nome de Cristo é mais que suficiente para fazer que todos os
joelhos se dobrem diante dele; aliás, chegará o momento em que todos os seres,
quer nos céus, quer na terra, quer sob a terra, hão de se curvar diante da
infinita grandeza do nome do Senhor Jesus: "Pelo que também Deus o exaltou
soberanamente, e lhe deu o nome que é sobre todo nome; para que ao nome de
Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da
terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus
Pai.." Fp 2:9-11.
Na noite de sua paixão, o Senhor demonstrou grande era a sua autoridade:
"Quando, pois, (Jesus) lhes disse: Sou eu, recuaram e caíram por
terra" Jo 18:6. Ao contrário dos casos anteriores, nessa passagem, quem
cai por terra são os ímpios. Recurvam-se estes não em sinal de reverência a
Deus, mas em razão da autoridade e soberania irresistíveis de Cristo.
Caso semelhante ocorreu com Ananias e Safira. Ambos caíram por terra em
decorrência de sua iniqüidade: "Disse então Pedro: Ananias, por que encheu
Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte
do preço do terreno? Enquanto o possuías, não era teu? e vendido, não estava o
preço em teu poder? Como, pois, formaste este desígnio em teu coração? Não
mentiste aos homens, mas a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e
expirou. E grande temor veio sobre todos os que souberam disto." At 5:3-5
Casos como esses não são raros. Em nossos dias, muitos são os ímpios que, por
se levantarem contra os escolhidos do Senhor, caem por terra e, à vezes,
fulminados.
Noutras ocasiões, porém, o Senhor revelou-se de maneira tão suave, que se fez
homem diante dos homens. Que encontro mais doce do que aquele que se deu junto
ao poço de Jacó? O Senhor revela-se de maneira surpreendentemente afável à
mulher samaritana. E a experiência de Nicodemos? Ou a de Zaqueu?
Nas efusões do Espírito Santo de Atos dos Apóstolos houve casos de
prostração?
Na ânsia de justificar o cair por terra que, como já dissemos tem de ser visto
como episódio e não como histórico, muitos teólogos chegam a colocar tal reação
como se fora uma das evidências da plenitude do Espírito Santo. Que pode haver
prostração durante a efusão do Espírito, não o negamos. Pode haver, mas não tem
de haver necessariamente, nem precisa haver para que se configure o
derramamento do Espírito Santo. A prostração não pode ser vista como evidência,
mas como uma reação ocasional e esporádica.
Nos diversos casos de efusão do Espírito Santo, nos Atos dos Apóstolos, não se
observou algum caso de prostração. No dia de Pentecostes, segundo no-lo
notifica o minucioso evangelista Lucas, estavam todos assentados no cenáculo
(At 2:2). Na casa de Cornélio, onde o Espírito foi derramado pela primeira vez
sobre os gentios, também não se observou o cair por terra (At 10:44-47). Entre
os discípulos de Éfeso também não se registrou alguma prostração (At 19:6).
Em todos esses casos, porém, a evidência inicial e física do batismo no
Espírito Santo fez-se presente. Concluí-se, pois, que não se deve confundir
evidência com reação. A evidência é a mesma em todos os que recebem a plenitude
do Espírito Santo. A reação, todavia, varia de pessoa para pessoa.
Mesmo quando o lugar santo tremeu, não se observou caso algum de prostração (At
4:31). Poderia ter havido? Sim, mas não necessariamente.
Conclusões
Do que até agora vimos acerca do "cair no Espírito", podemos tiras as
seguintes conclusões, tendo sempre como base as Sagradas Escrituras:
1. Não se deve realçar a experiência, nem guinda-la a uma posição
superior à da Palavra de Deus. A experiência é importante, mas varia de pessoa
para pessoa; cada experiência é uma experiência; tem suas particularidades. A
experiência tem de estar submissa à doutrina, e não há de modificar-se, por
mais extraordinária que seja, nenhum artigo de fé.
2. O cair por terra não deve ser visto como evidência da plenitude do
Espírito Santo, nem como sinal de uma vida consagrada. A evidência do batismo
no Espírito Santo são as línguas estranhas; e a vida consagrada tem como
característica o fruto do Espírito. O cair por terra pode ser admitido, no máximo,
como reação esporádica de alguma visitação dos céus. Se provocado, ou repetido,
deixa de ser reação para tornar liturgia.
3. Caso ocorra alguma prostração, deve-se fazer as seguintes perguntas:
1) Qual a sua procedência? 2) Teve como objetivo promover o homem ou glorificar
a Deus? 3) Foi usada para catalisar a atenção dos presentes? 4) Foi provocada
por sopros, toques ou por algum objeto lançado no auditório? 5) Houve sugestão
coletiva? 6) Prejudicou a boa ordem e a decência da igreja? 7) Conta com o
respaldo bíblico suficiente? 8) Tornou-se o centro do culto?
4. Devemos estar sempre atentos, pois o adversário também opera sinais
espetaculares com o objetivo de enganar os escolhidos: "porque hão de
surgir falsos cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios; de
modo que, se possível fora, enganariam até os escolhidos." Mt 24:24
5. Nos diversos exemplos de prostração que fomos buscar na Bíblia,
observamos o seguinte: Os personagens que se prostraram, ou foram prostrados,
em virtude de alguma experiência sobrenatural, caíram para frente, e não para
trás, como está ocorrendo hoje em algumas igrejas. Não era algo programado, nem
ministro algum os induzia a cair, ou seja, ninguém precisou soprar neles ou
neles tocar para que caíssem. Tais modismos têm levado a irreverência e a
bizarra ao seio do povo de Deus. Há alguns que se tornaram tão ousados que
jogam até seus paletós a fim de provocar prostrações coletivas. Isto é um
absurdo! É antibíblico!
6. Os casos de prostração narrados na Bíblia deram-se em virtude da
reverência e temor que os já citados personagens sentiram ao presenciar a
glória divina. No N.T. o termo usado para prostração é pesotes prosekinsan que,
no original, significa: cair por terra em sinal de devoção. Em Apocalipse 5:14,
a expressão grega aparece para mostrar os anciãos prostrados aos pés do Cristo
glorificado.
7. Voltemos à questão. Pode acontecer prostração numa reunião
evangélica? Pode, mas não tem de acontecer necessariamente, pode, mas não
precisa acontecer, nem ser provocada. Caso aconteça, deve ser encarada como
reação e não como fato doutrinário. John e Charles Wesley, por exemplo,
experimentaram um poderoso avivamento, mas jamais elevaram suas experiências à
categoria de doutrina. As heresias nascem quando se supervaloriza a experiência
em detrimento da doutrina. Não devemos nos esquecer de que algumas das mais
notáveis heresias deste século, como a Igreja Só Jesus, nasceu em pleno período
de avivamento.
8. De certa forma, todo avivamento provoca extremismos. Cabe-nos, porém,
buscar o equilíbrio tão necessário à Igreja de Cristo. Era o que ocorria em
Corinto. Não resta dúvida de que os irmãos daquela comunidade cristã haviam
recebido forte visitação dos céus. Tiveram, todavia, de ser doutrinados e
disciplinados. A esses irmãos escreveu Paulo: "32 pois os espíritos dos
profetas estão sujeitos aos profetas; porque Deus não é Deus de confusão, mas
sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos." I Co 14:32-33
Finalmente, jamais devemos abandonar a Bíblia. Ênfases, como cair no Espírito,
hão de surgir sempre. Não devemos nos impressionar com elas; tratemo-las com o
devido equilíbrio. Pois o equilíbrio bíblico e teológico há de manter a igreja
de Cristo em permanente avivamento, e o verdadeiro avivamento não extingue o
Espírito, mas sabe como evitar os excessos.
Autor:
Claudionor Corrêa de Andrade
Fonte: Revista Defesa da Fé
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