quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

A FORMAÇÃO DO CANON (PARTE 01)

 



A FORMAÇÃO DO CANON (PARTE 01) 


A palavra cânon, desde a sua etimologia, até o atual sentido de conjunto de livros da Bíblia, conserva o sentido de medida diretiva ordenadora.
O termo grego "Cânon" é de origem semítica, pois em hebraico "ganeh", significa regra, régua para medir, varinha direita.
O grego clássico acentua o sentido figurado da palavra e cânon designa a vara, o nível, o esquadro, o braço da balança, norma, padrão, depois a meta a ser atingida, a medida infalível. Aristóteles chama o homem bom de cânon ou métron da verdade. Em português o termo é usado também no sentido de norma, como nesta frase de Aquilino Ribeiro. "Havendo fugido ao cânon da beleza consagrada."
Na linguagem profana a idéia essencial da palavra é de linha reta ou direita, como se conclui de outras palavras que têm a mesma raiz: cana, canal, canhão.
Dentre os prelados da igreja aparece um grupo chamado de cônegos, porque estes deveriam conformar-se com as regras da fé e do procedimento.
Os cristãos do II século denominavam os ensinos sagrados da seguinte maneira: "o cânon (regra) da Igreja", "o cânon da fé", "o cânon da verdade." Estas expressões nos fazem compreender porque os Pais da Igreja utilizaram a palavra para designar tudo quanto serve de fundamento à religião, regra da fé e da verdade e por fim o livro que contém as normas diretivas para uma correta vida cristã. Em meados do quarto século toda a coleção dos livros sagrados passou a ser designada como o cânon. Foi Atanásio quem lhe deu, pela primeira vez, este nome. A princípio a palavra cânon designava apenas a lista dos livros sagrados, mas depois passou a designar os próprios escritos, indicando assim que as Escrituras são a regra de ação investida com autoridade divina.
No Novo Testamento a palavra aparece em 5 passagens: Gálatas 6:16; II Coríntios 10:13, 15, 16 e Filipenses 3:16 (esta última não aparece em todos os manuscritos gregos, como indica o Aparato Crítico). Em Gál, 6:16, Paulo a usou no sentido grego de "uma regra", mas que em sentido religioso seria "norma da verdadeira vida cristã."
O SDABC, vol. I, pág. 36, declara:
"Uma compreensão correta da história da Bíblia e a coleção de seus livros não somente é de grande interesse para o leitor da Palavra de Deus, mas é necessária para refutar as falsas alegações dos que estão influenciados em seu pensamento pela alta crítica. Desde que, às vezes, se tem afirmado que a coleção dos livros do Antigo Testamento foi feita pouco antes do ministério de Jesus Cristo, ou no Concílio Judeu de Jânia, depois da destruição de Jerusalém pelos romanos, no ano 70 DC, é necessário conhecer os fatos para ver a falácia de tais afirmações."

Cânon  do  Velho  Testamento

Este estudo envolve algumas perguntas que tanto podem ser feitas para o Velho Testamento quanto para o Novo Testamento, tais como:
– Quem organizou o cânon?
– Como foi ele organizado?
– Quando foi feito este trabalho?
– Por que foi feito?
Nas explicações que se seguem são encontradas de maneira bem explícita ou latente respostas para cada uma destas inquirições.
No sentido religioso canonizar um livro significa:
1º) Reconhecimento de que o seu ensino era divino;
2º) Conseqüente aceitação que o escrito possui autoridade religiosa reconhecida por uma comunidade ou pelos seus dirigentes.

Como  os  Livros  Foram  Canonizados?

Foi um processo de acrescentamento gradual. E a divisão em Lei, Profetas e Escritos confirma esta afirmação. Foi o resultado do trabalho de um conjunto de pessoas. Não foi a autoridade eclesiástica que o criou, esta apenas sancionou e fixou a coleção de escritos que vinham sendo reconhecidos como divinos.

Por  Que  Foi  Feito?

Porque Deus orientou Sua Igreja diante das necessidades prementes, como o aparecimento de heresias e de livros não inspirados.
O cânon reduzido de Marcion mostrou a necessidade de uma coleção de todos os livros inspirados do Novo Testamento.
A difusão do cristianismo entre outros povos indicou a indispensabilidade de se traduzir a Bíblia para outras línguas. Como fazer se os vários livros ainda não se encontravam definitivamente fixados.

Quem  Organizou  o  Cânon?

Muitos livros fazem referências à "A Grande Sinagoga" um Conselho, do qual Esdras era o presidente, e que incluía entre os seus 120 membros, Neemias, Ageu, Zacarias, Malaquias, Daniel e Simão o Justo. Embora o Talmude atribua a ratificação do cânon hebraico aos membros desta sinagoga, alguns eruditos afirmam que a Grande Sinagoga não passa de uma lenda que surgiu no século XVI, sendo ela o produto de uma ficção rabínica.
Quase todos os estudiosos deste assunto concluem que Esdras e Neemias colecionaram os livros sagrados do Velho Testamento e fecharam o cânon, entre os anos 430 e 420 a.C. Alguns autores mais precisos fixam a data em 432 a.C.
Isto é evidente das seguintes conclusões:
a)     Os livros históricos da Bíblia registram acontecimentos que se realizaram até o sexto e quinto séculos a.C. e não mais tarde;
b)     O historiador Flávio Josefo (70 S.D.) em sua catilinária Contra Ápion 1: 8 nos afirma que os judeus no tempo de Cristo estavam convictos de que o cânon tinha sido fixado no tempo de Esdras e Neemias.
No livro Profetas e Reis, página 609, há esta elucidativa explicação:
"Os esforços de Esdras para reavivar o interesse no estudo das Escrituras receberam forma permanente, graças ao seu laborioso e constante esforço no sentido de preservar e multiplicar os Sagrados Escritos. Ele reuniu todos os exemplares da lei que pôde encontrar, mandando-os transcrever e distribuir. A Palavra pura, assim multiplicada e posta nas mãos de muitos, proveu o conhecimento que era de inestimável valor."
Na mesma sátira Contra Ápion, já citada acima, Josefo apresenta a teoria dos judeus sobre o cânon, cujas principais características são:
1ª) Inspiração divina;
2ª) A santidade objetiva dos livros, comparados com a literatura profana;
3ª) A limitação numérica em 22 livros (os 24 livros se originaram da separação de Rute de Juízes, e de Lamentações de Jeremias;
4ª) A inviolabilidade do texto. Todos os escritos teriam sido compostos entre Moisés e Artaxerxes I (falecido em 424 a.C.).
Os judeus haviam estabelecido outros princípios para os livros do Velho Testamento figurarem ou não no cânon, e estes eram:
a)     Estar em conformidade com a Lei;
b)     Ter sido escrito na Palestina;
c)     Redigido na língua hebraica.
Alguns estranham que Flávio Josefo fale em 22 livros e não em 24 como normalmente são citados para o cânon do Velho Testamento.
O cânon apresentado por Josefo divide os livros do Antigo Testamento em três partes: 5 livros de Moisés, 13 livros dos profetas e 4 livros contendo hinos e regras de vida. Origenes também fala em 22 livros. O próprio Jerônimo também se refere a 22 livros, mas conhece o arranjo que leva a 24 livros.
Parece-nos pelo estudo feito que os 22 não foram divididos para chegar a 24, mas estes agrupados para terem apenas 22. Conclui-se que o intuito de Josefo era o mesmo de alguns rabinos, de obterem uma correspondência entre o número dos livros e o das letras do alfabeto hebraico. Para chegar a 22 anexaram o livro de Rute a Juízes e as Lamentações ao de Jeremias. Como o alfabeto hebraico tem mais cinco letras finais, não faltou quem contasse 27 livros, fazendo para isso subdivisões em Reis, Esdras e outros livros.
A divisão que temos hoje de 39 livros tem sua origem na Septuaginta, tradução do hebraico para o grego.
Os judeus dividiam os 24 livros em seções:
1ª) A Lei (Torah), contendo os primeiros cinco livros, que os Setenta chamaram de Pentateuco: a) Gênesis, b) Êxodo, c) Levítico, d) Números, e) Deuteronômio.
2ª) Os Profetas (Nebilim), num total de oito livros, subdivididos em:
a)       Quatro antigos ou anteriores – Josué, Juízes, Samuel e Reis;
b)       Quatro posteriores – Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas menores num só livro.
3ª) Os Escritos (Ketubim), chamados no texto grego "hagiógrafos" (escritos sagrados) são formados de três grupos, num total de 11 livros:
a)       Livros Poéticos – Salmos, Provérbios e Jó;
b)       Os Cinco Megilotes (rolos) – Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester;
c)       Os outros livros – sem uma nomenclatura específica – Daniel, Esdras e Neemias, Crônicas.
Os judeus modernos gostam de designar sua Bíblia com a palavra TeNaK, vocábulo criado com a aproximação das letras iniciais das três partes: T de Torá, N de Nebilim e K de Ketubim.
A Alta Crítica afirma que a divisão do cânon nestas três partes, indica três estágios diferentes ou períodos de tempo de canonização. Para ela o Pentateuco foi canonizado depois do exílio Babilônico, 432 a.C., nos dias de Esdras e Neemias; os profetas foram canonizados entre 300 e 200 a.C.; os Escritos o foram no período de 160 a 150 a.C. O cânon completo foi oficialmente ratificado em 90 A.D. pelo Concílio de Jânia.
Estas asseverações nos fazem lembrar das palavras de Ellen G. White em Atos dos Apóstolos, página 474:
"Como nos dias dos apóstolos os homens procuravam destruir a fé nas Escrituras pelas tradições e filosofias, assim hoje, pelos aprazíveis sentimentos da 'alta crítica', evolução, espiritismo, teosofia e panteísmo, o inimigo da justiça está procurando levar as almas para caminhos proibidos. Para muitos a Bíblia é uma lâmpada sem óleo, porque voltaram suas mentes para canais de crenças especulativas que produzem má compreensão e confusão. A obra da 'alta crítica', em dissecar, conjecturar, reconstruir, está destruindo a fé na Bíblia como uma revelação divina."
A divisão em três partes não visa indicar três fases da canonização, mas antes a posição oficial ou a ocupação de seus autores, 1ª) A parte inicial é obra do grande legislador do povo de Israel. 2ª) A segunda parte foi redigida por pessoas escolhidas por Deus para o sublime trabalho de profetizar. 3ª) A terceira parte foi produzida por homens privilegiados com o dom profético, mas que se dedicavam a outros trabalhos, como Davi, Salomão, Esdras, Neemias e Daniel.
A divisão do Antigo Testamento em três partes foi confirmada pelo próprio Cristo. . . importava que se cumprisse tudo o que de Mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos, que é o primeiro livro da terceira divisão. (Lucas 24:22).
No texto grego da Septuaginta, o cânon do Velho Testamento foi dividido em quatro seções:
1ª) A Tora, a Lei, ou seja o Pentateuco, com os cinco primeiros livros;
2ª) Os livros históricos – de Josué até Crônicas e mais outros como Esdras, Neemias, Ester;
3ª) Os livros poéticos – Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares;
4ª) Os livros proféticos – os quatro maiores, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e os doze menores.
Cristo e os apóstolos aceitaram o cânon do Velho Testamento, como se pode deduzir de inúmeras passagens: Luc. 24:44, João 5:46-47, II Tim. 3:15-16, II Ped. 1:19, 21. A Igreja Cristã também aceitou todos os 24 livros canônicos do Velho Testamento. Destes livros não foram citados no Novo Testamento apenas os seguintes: Ester, Eclesiastes, Esdras, Neemias, Obadias, Naum e Sofonias.
Comentando o problema do cânon do Velho Testamento na igreja cristã, afirma o Comentário Bíblico Adventista, vol. I, página 45:
"A história do cânon do Velho Testamento na igreja cristã, centraliza-se na questão a propósito da aceitação ou rejeição da Apócrifa Judaica. Posto que estes livros fossem rejeitados pelos apóstolos e escritores cristãos até a metade do 2º século, e na verdade mesmo pelos próprios judeus, estes escritos espúrios desafortunadamente encontraram acolhida na igreja cristã aí pelo fim do 2º século. Desde esse tempo, nunca mais foram banidos da Igreja Católica. Os reformadores tomaram firme posição para rejeitarem a Apócrifa, mas após a sua morte os livros apócrifos acharam entrada mais uma vez em algumas igrejas protestantes, contudo foram finalmente rejeitados pela maioria delas no século XIX."
Uma das provas mais cabais da aceitação do cânon do Velho Testamento pelos escritores do Novo encontra-se nas seguintes afirmações do Dr. Siegfried H. Horn, encontradas no Comentário Bíblico Adventista, vol. I, página 42:
"O autor deste artigo contou 433 claras citações no Novo Testamento, e achou que 30 dos 39 livros do Velho Testamento são definitivamente citados. Os nomes de 10 livros ou seus autores são mencionados em 46 passagens do Novo Testamento, a inspiração de 11 livros do Velho Testamento é reconhecida pela citação introdutória com as palavras de que seu autor era Deus ou o Espírito Santo, e o termo escrito é aplicado em 21 passagens de 11 livros do Velho Testamento, enquanto 73 declarações do Velho Testamento são introduzidas pelo termo técnico "está escrito".
Mais de uma vez ouvimos a afirmação de que o sínodo de Jânia – cerca de 90 A.D., encerrou o cânon do Velho Testamento. Esta afirmação não corresponde à realidade, porque dentre os dois problemas principais ventilados neste Concílio, um dizia respeito a alguns livros, que certos eruditos achavam que não deviam estar incluídos no cânon. Este concílio defendeu a canonicidade de quatro livros contra os ataques da "Escola de Shammai", que não queria que eles figurassem entre os demais. Os livros eram os seguintes:
a)     Ester, por não fazer menção do nome de Deus;
b)     Cantares, por ser considerado por muitos mero canto de amor;
c)     Eclesiastes, por causa do espírito pessimista que permeia o livro;
d)     Provérbios, por possuir capítulos de autores desconhecidos.

Cânon  do  Novo  Testamento

As mesmas perguntas já formuladas quanto ao cânon do Velho Testamento podem ser repetidas aqui:
– Quem coligiu os escritos?
A igreja cristã crê firmemente que foi o Espírito Santo que orientou os servos de Deus dos primeiros séculos na seleção dos livros neotestamentários.
Convém recordar que os primeiros cristãos que constituíam os diversos núcleos ou igrejas da Palestina, da África, da Ásia Menor, de Roma, etc., acreditavam que a volta de Cristo seria para breve, por isso não se preocuparam em registrar por escrito os empolgantes acontecimentos relacionados com a vida de Cristo e Seus sublimes ensinos. Os apóstolos e primeiros discípulos perpetuavam, sobretudo, a tradição oral composta quase exclusivamente de fatos da vida de Jesus. Com o correr do tempo, foram, naturalmente, compostos escritos fragmentários, que divulgaram palavras de Jesus (as Logias) e outros, mais cuidados e ampliados, que assinalavam fatos, milagres, acontecimentos da vida de Jesus.
Os livros do Novo Testamento foram surgindo sem desígnio, sem previsão, sendo coligidas as palavras de Jesus, as narrações de Sua vida, os atos dos apóstolos, as cartas apostólicas, o livro de Apocalipse.
Embora haja intermináveis controvérsias concernentes a data em que foram escritos alguns livros do Novo Testamento, os estudiosos parecem estar mais ou menos de acordo que o primeiro livro escrito foi I Tessalonicenses em 51; e em 96 ou 97 João escreveu o Apocalipse.
É questão também muito aceitável entre os eruditos que o Evangelho de Marcos é o mais antigo, escrito entre os anos 65 e 67. São Mateus data aproximadamente do ano 70. Lucas mais ou menos, dessa mesma época e João na última década do primeiro século.
F. F. Bruce, no livro Merece Confiança o Novo Testamento? atribui as seguintes datas às epístolas paulinas: Gálatas 48 A.D., I e II Tessalonicenses 50, Filipenses 54, I e II Coríntios 54-56, Romanos 57, Colossenses, Filemon e Efésios 60, aproximadamente.
As Epístolas Pastorais, em virtude do seu conteúdo, são posteriores às paulinas 63-64.
De acordo com a Crítica Textual, e esta idéia é aceita pela maioria dos comentaristas – Mateus e Lucas se abeberaram em Marcos, o primeiro Evangelho a ser escrito, mas recolheram material de outras fontes, como o notável documento "Q" (do alemão Quelle, fonte). Este documento "Q" original nunca foi encontrado, mas o notável exegeta Harnack tentou reconstituí-lo. É bom notar que há neste sentido muitas conjecturas baseadas em tradições.
Note bem: Outras idéias e datas são apresentadas e também as conhecemos, como por exemplo que o livro de Mateus foi o primeiro Evangelho escrito e que João escreveu o seu Evangelho depois do Apocalipse, etc, etc.
Não há aqui afirmações definidas e taxativas.

Influência  de  Márcion  Sobre  o  Cânon

O mais antigo catálogo de livros neotestamentários de que temos conhecimento direto, foi elaborado em Roma pelo herege Márcion, cerca do ano 140 A.D. O desafio dos mestres heréticos, especialmente Márcion, que rompeu com a Igreja de Roma cerca de 150 D.C., serviu de estímulo e de motivo para a Igreja tomar consciência da necessidade de fixar o cânon.
Márcion, não compreendendo bem os ensinos paulinos, pregava uma doutrina de dois deuses: o Deus do Antigo Testamento: Justo, o Criador, juiz severo dos homens; Jesus, superior ao Deus Justo, enviado para libertar os homens da escravidão àquele Deus. Cristo foi crucificado através da malícia do Deus Justo. Por crer neste dualismo rejeitou o Deus do Velho Testamento e também o cânon desta parte da Bíblia. O cânon apresentado por ele à Igreja consistia apenas do Evangelho do Lucas, purificado de todas as citações do Antigo Testamento e de dez epístolas paulinas, deixando fora I e II Timóteo e Tito. Para ele apenas Paulo tinha sido o único e verdadeiro apóstolo de Cristo.
Mesmo dos livros conservados em seu cânon ele removeu todas as frases que pareciam favorecer o Deus do Velho Testamento. Foi o primeiro cristão a fazer parte da Alta Crítica. Afirmava ele: "Eliminemos a lei e fiquemos apenas com a graça!" E como os cristãos primitivos apreciavam a idéia, Márcion exercia grande influência sobre eles. Justino Mártir afirmou que quinze anos após a publicação do seu cânon e de seu livro Antítese ele possuía seguidores ao redor do mundo.
Márcion nasceu numa localidade chamada Ponto. Tertuliano escreveu o seguinte a respeito desse lugar:
"Habitam ali os povos mais ferozes. .. Suas mulheres preferem a guerra ao casamento, e, o clima é tão rude como o povo. Nada, porém, é tão bárbaro e atroz, em Ponto, como o fato de Márcion haver nascido ali." (Contra Márcion 1:1).
Por causa de suas idéias heréticas foi excomungado pelo próprio pai, que era bispo. Foi cognominado por Policarpo como sendo o primogênito de Satanás.
Além da heresia marciana houve outros movimentos discordantes com os ensinos escriturísticos, como o docetismo, o gnosticismo e o montanismo, que levaram a igreja primitiva a apressar a catalogação dos livros sagrados.
O cânon do Novo Testamento foi ainda criado para proteger os escritos dos apóstolos de muitos escritos apócrifos. A partir do fim do segundo século A. D. a igreja começou a organizar o verdadeiro cânon cristão. O documento mais antigo e mais importante que mostra isto é o chamado Fragmento Muratoriano, escrito mais ou menos no ano 200 (esta é a data aceita, porque seu autor diz que o Pastor de Hermas não podia ser lido na Igreja, por ter sido escrito recentemente), mas descoberto somente em 1740 por Muratori.
Este documento apontava a como livros correntemente aceitos, os quatro Evangelhos, Atos, treze Epístolas de Paulo, três Epístolas de João, uma Epístola de Judas, duas de Pedro e o Apocalipse de São Pedro (este considerado apócrifo mais tarde).
Os responsáveis pela organização do cânon do Novo Testamento tiveram como norma e inspiração os livros canônicos do Antigo Testamento. Neste trabalho houve um processo de seleção efetuado por meio de agentes humanos, mas inspirados pelo Espírito Santo.
Antes da existência do Volume Sagrado, cada livro, individualmente, circulou pelas comunidades cristãs, para que estas fizessem um trabalho de seleção, baseado no seu autor, na qualidade literária e no seu conteúdo intrínseco.
No início o cânon se preocupava com os livros que contavam a história de Cristo, por isso os quatro Evangelhos e Atos dos Apóstolos foram os primeiros a serem reconhecidos como sagrados, inspirados por Deus, porém, a aprovação dos Evangelhos abriu caminho para a aceitação das Epístolas.

Divergências  na  Introdução  de  Alguns  Livros

Houve uma profunda polêmica a propósito da introdução de alguns livros no cânon do Novo Testamento, como II Pedro, I e II João, Tiago, Hebreus, Judas e Apocalipse. De todos estes foi o Apocalipse o que ofereceu maior dificuldade para ser enumerado no Cânon Eclesiástico. Aqueles que se opunham a introdução destes livros criaram um termo para esta discussão – Antilegômena, isto é, debatido, contestado, controvertido.
Hebreus foi difícil ser colocado no cânon por crerem alguns que seu autor não era Paulo, mas esta idéia é contestada por outros. Finalmente foi colocado porque os estudiosos concluíram que o livro possui profundo valor espiritual.
Nem todas as cartas de Paulo foram publicadas, mas as que foram são suficientes para o qualificarem como o mais produtivo autor do Novo Testamento.

Fixação  do  Cânon

De acordo com F. F. Bruce:
"Os primeiros passos no sentido da formação de um cânon de livros cristãos havidos como dotados de autoridade, dignos de figurar ao lado do cânon do Velho Testamento, a Bíblia do Senhor Jesus e Seus apóstolos, parecem haver sido tomados por volta do começo do segundo século, época em que há evidência da circulação de duas coleções de escritos cristãos na Igreja." (Merece Confiança o Novo Testamento? p. 31).
O quarto século viu a fixação definitiva do cânon dentro dos limites a que estamos acostumados, tanto no setor Ocidental como no Oriental da cristandade. Apenas no quarto século é que o termo cânon passou a designar os escritos sagrados.
Numa carta de Atanásio, a trigésima nona, do ano 367, dirigida a seus bispos, está uma lista dos livros da Bíblia, a primeira a conter os 27 livros do Novo Testamento como os temos hoje. Destes ninguém deveria tirar, nem a eles acrescentar coisa alguma. Esta carta foi muito importante para as igrejas gregas no Oriente, quanto à aceitação do cânon, e sua influência logo se fez sentir na Igreja Latina, pois sabemos que as Igrejas do Oriente e do Ocidente divergiam quanto aos livros canônicos. Assim o Apocalipse de João era aceito no Ocidente, mas não no Oriente, Hebreus e Tiago eram aceitos no Oriente, mas não no Ocidente. Jerônimo e Agostinho acataram a orientação dada por Atanásio.
O cânon apresentado por Atanásio prevaleceu sobre o de Euzébio de 26 livros e obteve a vitória final daí por diante.
Os Concílios de Hipona (393) ao norte da África e o de Cartago (397), ratificaram este cânon, proibindo o uso de outros livros pelas igrejas, como Didaquê, Pastoral de Hermas e Epístola de Barnabé.
Foi a Igreja, que guiada por Deus, formou o cânon, determinando depois de longos debates que livros deveriam ser rejeitados e que livros deveriam ser recebidos.

Critérios  Para  a  Canonização

De modo sintético os critérios usados para a canonicidade foram os seguintes:
1ª) Inspiração dos livros que estavam sendo considerados, I Pedro 1:21. Após a leitura do livro, este era julgado pelo próprio conteúdo.
2ª) Catolicidade do livro. Escrito para todas as pessoas da época. Deveria também ser conhecido universalmente, isto é, ter sido aceito por todas as igrejas.
3ª) Coerência na doutrina. Graças a este critério alguns livros foram deixados de fora.
4ª) Apostolicidade do Escrito. Deveria ser de fonte apostólica ou de assessor direto do apóstolo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário