O Preço da Graça
Tudo na vida tem um preço.
Um terreno tem um preço, uma casa tem um preço, um carro tem um preço.
As roupas que usamos, os alimentos que saciam nossa fome e os remédios usados para tratamento da saúde têm um preço.
Para receber seu salário o trabalhador tem que estar qualificado de acordo com as técnicas de seu ofício, senão é dispensado.
Por outro lado, se o empregado não é valorizado pelo serviço que faz procura outro patrão que dê o devido valor a seu trabalho. A lei humana das relações de trabalho é dessa maneira.
Quem consegue oferecer alguma atividade baseada em qualidades e capacidades individuais conquista espaço e status na sociedade na qual vivemos.
Mas caso não tenha muito a oferecer o indivíduo desqualificado é posto à margem da vida social, servindo apenas de contrapeso nas conquistas das pessoas “qualificadas”.
Nos concursos públicos apenas os melhores são contratados para trabalhar, enquanto os outros concorrentes devem se preparar melhor e aguardar outra oportunidade de emprego. O dia em que forem capazes de “pagar o preço” certamente conseguirão um lugar ao sol.
Até para ser amado há um preço a ser pago.
Se comportamos em desacordo com as regras de conveniência do grupo no qual estamos inseridos não recebemos afeto e amor. Para que alguém goste de nós e nos aceite temos de pagar um preço preestabelecido, do contrário ficamos privados do amor e da afetividade dos nossos semelhantes.
Um exemplo desse fato ocorre no namoro e no casamento: Só namoramos e casamos com quem paga o preço por nós estipulado de antemão, isto é, se a beleza física e o comportamento exterior do parceiro satisfazem nossos interesses.
Tudo na vida tem um preço. Nossa cultura secular é assim, é baseada no “toma-lá-dá-cá”. Até para nascer existe um preço.
Já no útero materno, do feto é requerido pagamento para ser aceito e bem recebido pelos pais. A “moeda-de-troca” exigida pelos genitores é a perfeição física do filho.
Em algumas sociedades primitivas o bebê nascido defeituoso é simplesmente sacrificado, porquanto a natureza priva-o da “moeda-de-troca” do corpo perfeito.
Nas sociedades civilizadas que são bem mais desenvolvidas culturalmente requer-se um preço ainda maior para nascer e viver. Naquelas, por faltar-lhe tecnologia de monitoramento da gestação, pelo menos a criança chega a nascer com vida; nestas, com base no diagnóstico que a medicina moderna consegue realizar no ventre da mãe, o nascituro pode nem mesmo vir à luz.
Quem possui “moeda de troca” é valorizado, é amado, é útil, é aceito, e está apto a pertencer a um determinado grupo social.
A mesma lógica é aplicada dentro das religiões: quem preenche os requisitos preestabelecidos e cumpre as regras impostas é aceito e recebido, senão, é excluído ou sofre sanções do grupo.
Dessa maneira funciona a lógica do pensamento humano. Nada é de graça, tudo tem um preço. Passamos a vida inteira aprendendo e reproduzindo essa cultura do “toma-lá-dá-cá” e do “fazer-por-merecer”.
É uma lei inflexível da lógica humana!
A cultura de méritos e merecimentos na qual vivemos está profundamente arraigada dentro de cada um de nós, assim como um Câncer incurável que já se alastrou por todo o corpo humano. Qualquer ato isolado praticado fora dessa ideologia de merecimentos constitui algo anormal, passível até de reprovação social.
É nesse contexto cultural que o evangelho da graça de Deus tem de ser anunciado e vivenciado. O evangelho que é a boa notícia de que Deus em Cristo reconciliou o mundo consigo, não atribuindo aos seres humanos os seus pecados (2 Coríntios 5.19).
O evangelho que é a boa mensagem de que Deus perdoa e salva o homem pela fé na obra redentora de Cristo, independentemente de qualquer mérito humano (Gálatas 2.16).
Imagine o impacto da mensagem do evangelho sobre mentalidades seculares altamente impregnadas pela cultura dos merecimentos! Uma sociedade composta de indivíduos que na maioria das vezes não dá nada pra ninguém senão por interesse próprio!
Realmente a mensagem do evangelho da graça é loucura para o mundo
(1 Coríntios 1.18).
Ela é um escândalo, uma injustiça, porque dá a quem não merece, presenteia quem não possui nenhuma qualidade capaz de oferecer algo em troca. E para nós cuja natureza está encharcada de justiça própria é a maior das injustiças e o maior dos escândalos!
Mas a graça de Deus por definição é injusta e escandalosa mesmo, porquanto oferece e dá perdão a quem não faz e nunca consegue fazer absolutamente nada para merecê-lo.
O próprio Salvador Jesus teve muitos problemas no seu ministério terreno por conta da vivência do evangelho da graça.
Os líderes religiosos da igreja daquele tempo estavam tão enfeitiçados pela cultura dos merecimentos que não aceitavam de maneira nenhuma que o Mestre se relacionasse e perdoasse pecadores indignos de perdão, aqueles que no entender deles não tinham nenhuma condição de oferecer “moeda-de-troca”.
Diante desse contexto de autojustiça, visando a abrir os olhos espirituais da liderança religiosa de então, Jesus contou várias parábolas mostrando que sua missão de perdoar e salvar pecadores pela graça divina não depende de méritos humanos, não depende da cultura do “toma-lá-dá-cá”.
Na parábola do filho pródigo o mais novo e desqualificado dos filhos foi recebido de volta e ganhou uma festa simplesmente porque voltou para a casa do pai, enquanto o filho mais velho não concordando com o perdão oferecido a seu irmão irou-se e se recusou a participar da comemoração.
“Ele se indignou e não queria entrar”, porque sua mente cheia da cultura do “fazer-por-merecer” não conseguia aceitar o irmão de volta sem cobrar o devido “preço” (Lucas 15.11-32).
Em outra história ilustrativa a oração de um santo fariseu foi rejeitada, ao passo que a súplica de um publicano pecador foi aceita. Essa parábola torna-se ainda mais significativa quando se descobre o quanto os fariseus se esmeravam na prática externa de sua religião, em contraste com a famigerada profissão dos cobradores de impostos corruptos a serviço do governo romano
(Lucas 18.9-14).
O registro bíblico que mais escancara a graça de Deus é a parábola dos trabalhadores da vinha. Nela o empregado mais desleixado e preguiçoso que trabalhou apenas uma hora do dia foi agraciado com o mesmo salário dos outros que labutaram o dia todo, recebendo, diga-se de passagem, primeiro que os outros trabalhadores. Chega a ser chocante uma ilustração como essa!
(Mateus 20.1-16).
Apesar de a graça ser injusta, é assim mesmo que ela funciona, porque do contrário nenhum ser humano conseguiria perdão de pecados e salvação eterna.
A palavra GRAÇA significa favor imerecido. A graça divina é uma qualidade em Deus, é aquela disposição amorosa que O leva a dispensar perdão a quem não merece.
A leve introdução de méritos humanos destrói totalmente o conceito de graça. A graça por definição é injusta, porque ela dá a quem não merece receber.
Imagine uma pessoa que não trabalha e apesar disso no final do mês recebe salário! Agora acrescente outra qualidade a essa pessoa: preguiça. Além de não trabalhar é preguiçosa, e assim mesmo imerecidamente recebe salário!
Situação assim é impensável para nossa cultura de merecimentos. Dificilmente alguém se disporia a dar salário a um preguiçoso que não trabalha. Afinal de contas, no mundo tudo tem um preço.
Desse jeito é a graça de Deus. Ela é escandalosa, ofende em cheio nossa natureza humana carregada de justiça própria e orgulho. Numa cultura onde tudo tem um preço não é fácil compreendê-la e vivê-la!
Mas se Deus não tratasse conosco através da graça estaríamos todos fulminados, porque a natureza humana corrompida pelo pecado é absolutamente incapaz de cumprir as exigências de santidade e justiça divinas.
Assim como uma planta contaminada não consegue produzir frutos sadios, uma alma pecadora jamais consegue gerar obras à altura da justiça absoluta de Deus.
É exatamente por esse fato que a Bíblia registra que “todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam” (Isaías 64.6).
Tomando conhecimento de nossa terrível condição pecaminosa podemos compreender um pouco melhor por que Deus necessariamente tem que tratar com o ser humano pela via da graça. De outro modo estaríamos todos perdidos, já que nossas melhores ações diante da justiça de Deus transformam-se em trapos sujos.
Essa graça maravilhosa e sem par que aceita e perdoa sem exigir nada em troca veio ao mundo por meio de Cristo, o qual reconciliou a raça humana consigo recebendo o castigo que por justiça a ela era devida. A fé é o meio de receber o perdão dos pecados e a salvação eterna proporcionados pela obra redentora do Filho de Deus.
É assim que a graça de Deus manifestou-se salvadora a toda a humanidade. Ela chega até nós por intermédio da obra vicária de Cristo realizada na cruz do calvário (João 1.14 e Tito 2.11), e não cobra nenhuma “moeda-de-troca” por isso (Efésios 2.8-9).
Para o Filho de Deus a redenção do ser humano custou um preço incalculável, cujo valor nossa cultura de merecimentos não consegue mensurar, muito menos imaginar (Salmos 49.7-8, Isaías 53.5). Mas para nós ela não custou e nunca custará nada, nem mesmo aquilo que de melhor nossa justiça própria pode produzir.
Para nós, humanos, a graça é de graça mesmo, visto ser a única maneira de Deus perdoar e salvar o pecador. Quem rejeita essa verdade precisa da ajuda do Espírito Santo para que seus olhos espirituais sejam abertos, do contrário nunca receberá a iluminação do evangelho de Cristo (1 Coríntios 2.14).
“Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” (Romanos 4.4-5).
Essa é a mensagem do evangelho. O evangelho da graça se fundamenta naquilo que Cristo realizou em nosso favor, não naquilo que conseguimos realizar através da cultura do “fazer-por-merecer”.
Por causa de Cristo a graça é realmente de graça. Todavia, se tirarmos a justiça de Cristo do centro e no seu lugar colocarmos a nossa própria, a graça pode tornar-se impossível.
escrito por Grimaldo Schumacker
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